A Ordem do Amor - I

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Os dias para mim costumavam ser sempre muito corridos, alguns mais do que outros. Mas, os domingos vinham com a carga de ter que lidar com a minha ex. sogra, o que tornava o pior dia da semana sem dúvida. Era sempre desgastante, humilhante, decepcionante e todos os adjetivos ruins. A única coisa que ainda fazia com que aquela relação fosse constante era a minha filha, que mesmo por pressão, tinha que visitar a avó uma vez a cada sete dias.

E toda semana tinha que ouvir os mesmo comentários vindo dela. Ignorante, incapaz de cuidar da própria filha. Parecia estar escrito em algum lugar, ela nunca esquecia. E sempre na frente da neta, sem se preocupar se aquilo iria ou não influenciar na convivência com a minha filha. Hazel era muito doce, tinha saído ao pai na maioria das coisas, e a paciência principalmente, sempre sabia o que dizer as pessoas e usava toda a beleza natural para encantar. Tinha um carisma que com toda certeza de mim não tinha saído. Peter sempre soube como lidar com outros de uma maneira inigualável. Eu, no entanto, cresci num antro de limitações, não havia educação, nem mesmo o básico. E tudo o que eu aprendi foi com o tempo, o mundo e os piores professores que já se poderia ter.

Poderia facilmente dizer que minha vida começou quando Peter viu em mim algo que ninguém tinha visto, potencial. Me ensinou a erguer o olhar, batalhar e me tornar uma pessoa melhor. Não demorou até essa pessoa surgir. Foi por ela que ele se apaixonou, a Chloe recém chegada ao mundo novo, incapaz de permanecer firme depois de uma queda ou decepção.

Balancei a cabeça dispersando os pensamentos, sempre que parava para pensar nas ressonâncias metafóricas da vida um mar de lembranças e saudade me inundava. Nunca terminava bem, no final. Logo que cheguei em casa e avistei o sofá, larguei tudo o que trazia em mãos e deitei por longos vinte minutos. O cansaço saía do meu corpo aos poucos.

- Mamãe! - Hazel correu de onde estava até pular no meu colo. Tinha cinco anos e três meses, mas possuía a inteligência de alguém bem mais velho. Era o meu orgulho, a prova de que eu era sim capaz de andar para frente mesmo quando tudo parecia ter tido o fim.

- Que saudades, meu amor. - ela beijou o meu rosto. Contou várias histórias sobre o dia na escola e principalmente sobre o domingo que tinha passado com a avó. Geralmente aquela parte incluía muitas coisas não boas.

- Você precisa ter paciência com ela. - Hazel mordeu o lábio, vivia pensativa quando o assunto era a avó.

- Ela sempre reclama do meu cabelo, da minha cor. Por que não dizemos a ela que é bonito. - na concepção inocente dela todas as coisas podiam ser resolvidas com conversas.

Mal sabia que quando o assunto era Ofélia Baszinsck não havia dialogo, somente muita discussão. Ela simplesmente não aceitava o fato de que não queríamos deixar uma vida para trás simplesmente porque queria que a seguíssemos. Preferia trabalhar até a morte do que ter que ouvir piadas sobre o meu cabelo todos os dias da minha vida.

- Ela gosta do seu cabelo. Só não está acostumada.

Hazel desceu do meu colo e caminhou até a bancada da cozinha. O fato de não gostar de discutir tinha saído ao pai também. Sempre que estava zangada escolhia se retrair e esperar a magoa passar.

Me tornei viúva aos vinte e dois anos, nova demais para lidar com tudo que lidei. Hazel tinha poucos meses de vida e não guardou lembrança alguma da pai, mas todas as história vivenciadas por mim durante o período da gravidez e o pouco tempo que tivemos, ela conhecia. Como se fosse a história dela e não minha. Peter era o melhor marido do mundo, tínhamos nos casado aos dezessete anos de idade numa vila ao sul da África. Amávamos viajar e conhecer as coisas do mundo antes de tudo acabar, e quando engravidei tivemos que parar. Ele estava feliz, já eu nem tanto. Éramos novos e tinha consciência daquilo, muito embora para ele fosse a coisa mais incrível do mundo. Ser pai, formar uma família e se tornar um homem de verdade sempre tinha sido o sonho dele. Todas as coisas boas consideras amor foi vivida durante o nosso pequeno casamento. Nos amávamos de um jeito que até para mim era assustador. Conhecíamos tudo do outro, e havia amor em tudo o que fazíamos. Quando Hazel nasceu a felicidade perfeita que sempre parecia estar ali se multiplicou, e morreu quase que completamente quando recebi o telefonema, numa tarde de sexta-feira, de um homem que eu nunca cheguei a conhecer, me dizendo que o meu grande e único amor tinha perdido a vida num acidente de carro na volta para casa. No banco de trás, um buquê de rosas, uma boneca e um jogo de xadrez estavam intactos, diferentemente do meu marido. Nunca tivemos a oportunidade de ter o nosso último momento em família. Tudo acabou ali.

Müller - Contos de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora