5 - A hora da tempestade

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Uma verdadeira tempestade parou bem em cima da casa azul de Teles e a chuva impossibilitou-a de ficar olhando a rua. Agora tudo foi tomado por um aspecto nublado e cinzento, e apenas os faróis dos carros traziam alguma iluminação lá embaixo. Ana não tinha nem um pouco de medo (pelo menos era isso que ela queria acreditar), afinal era só uma chuvinha como qualquer outra, apenas água... Ela tomava banho todos os dias, não é mesmo?! Ver água caindo lá fora não significava praticamente nada. A prova disso se deu no momento em que um clarão forte iluminou todo o quarto com uma luz esverdeada e um estrondo maior que o dos alto-falantes dos motoristas mal-educados que buzinavam incessantemente no pequeno engarrafamento lá na rua se fez ouvir: Anabel pulou para debaixo da cama. Ora, ela era apenas uma pirralha ex-bochechuda de nove anos, assustada e sozinha naquele grande quarto. Qualquer pessoa que a visse em tão ridícula situação teria motivo para fazer pouco por no mínimo uns dez anos, mas quem ligava pra isso agora?! Ana sempre teve uma tendência a pensar em algo desagradável ou esquisito acontecendo consigo, ou as duas coisas ao mesmo tempo. E baseando-se no seu medo e na situação apavorante que se mostrava a cada novo clarão, ela não tardou em imaginar três situações:

Situação 1:

A janela acima da cabeceira é quebrada, por um raio. Anabel é acertada por esse raio. Anabel é fulminada e vira cinzas, poeira, resto de nada, instantaneamente. Quando Júlia ou Catarine fossem varrer debaixo da cama, varreriam ela e nunca descobririam o que houve.

Situação 2:

Um vampiro nojento e verde, com uma capa roxa, comendo biscoitos, com seus dentes feios e sujos. Ele manca com sua perna feia e suja. Depois o vampiro aparece a agarra Ana pelo pé. Adeus Anabel, vá morar com o vampiro, só usará vestidos brancos e será uma linda e eterna jovem sem reflexo, tentando se ver em espelhos caros e antigos. A menos que o vampiro nojento também seja pobre!

Situação 3:

Aquilo era tudo bobagem. A janela estava bem trancada a chuva nem era assim tão forte. Jamais um raio havia caído perto dali, e vampiros, sobretudo os verdes, não existiam. Mas lobisomens matinais devoradores de crianças de nove anos sim...

De qualquer forma Ana não poderia passar o resto do dia ali embaixo, brincando de tatu escondido no buraco. Simplesmente procurou não pensar em nada e resolveu ir até a porta trancada. Eram só pensamentos sem sentido. Só isso. Seus sentidos já haviam enganado o suficiente para uma vida.






- Teeem alguééém aí? Hey!!! - dizia ela enquanto batia, chutava, dava joelhadas, com o intuito de chamar atenção. Doía mas pelo menos estava produzindo um barulho razoável. Todas pareciam ter esquecido ela ali, e o mais estranho era que a Srta. Teles não havia voltado. Logo ela, cujo sensor de movimento e percepção de comportamentos infantis inadequados se mantinha ligado 24 horas por dia e uma vez conseguiu a inacreditável façanha ouvir o arroto de Cláudia numa distância como da porta da frente até o último quarto do primeiro andar, e gritar para a menina ter educação.

O tempo passava e as mãos da Ana já estavam começando a doer de tanto bater na dura e alta porta de madeira, que a propósito era nova (com exceção da maçaneta que Teles fez questão de guardar para readaptar na mesma porta) Anabel olhou na parede da esquerda e viu que nenhuma chave reserva tinha sido pendurada no lugar. Naquele momento não havia forma de sair, e nenhum jogo eletrônico portátil para distraí-la. O pior era que sem eletricidade mal podia enxergar os próprios pés, enquanto seus pensamentos pareciam bem nítidos.

O Sagitário De SamechOnde histórias criam vida. Descubra agora