7 - Em casa

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- Não me olhe desse jeito, não está acostumada a passar por lá. Às vezes faz muito, muito barulho. Mas isso é o que acontece quando se viaja pela primeira vez, e pela segunda ou terceira também. Ela deve estar com "surdez paredeana momentânea". – disse alguém que Anabel não conseguia ouvir. As figuras em sua volta eram ainda turvas, apenas grandes borrões escuros que se mexiam, sem sentido algum.

- Você é louco?! Ela pode ter ficado traumatizada para o resto da vida! Não pensou num outro modo de trazê-la de volta sem passa por aquele ambiente horrível onde só transitam mercadores fantasmas, bem-te-vis assassinos, trambiqueiros, e toda sorte de seres perversos que existem?! Eu não acredito que teve coragem! – respondeu outra pessoa, que também não podia ser ouvida.

- Ora, não fale mal dos mercadores, pois eu sou um deles! O sustento desta casa dependeu disso por muito tempo e, falando da viagem, foi você mesma quem disse que eu devia ser rápido. Obviamente, se eu soubesse que nossa garotinha iria ficar com surdez momentânea nem teria cogitado tal alternativa.

- Espero que seja momentânea mesmo...

- Se eu soubesse disso nem teria trazido ela por lá – disse o homem, meneando a cabeça. - Trazia de avião, que é a forma lenta. Mas você ficou falando... Falando, e falando!

- Agora não adianta lamentar. Se for surdez momentânea você já sabe o que devemos fazer, vou pegar o único remédio que existe aqui, o pó de alho roxo e as sementes de Zardas pretas...

- Providencie isto enquanto termino lá dentro. Será que ela gosta de morangos?

- Não sei. Se não gostar, você come. Mas ela sempre gostou.

Logo providenciaram um sanduíche enorme com salames de vários tipos, queijos, peixes grelhados, biscoitos de coco, castanhas, barras de chocolate, maçãs, cinco cachos de uva, abacaxis e pães doces diversos. Tudo servido em uma enorme e redonda bandeja prateada que os dois vieram carregando juntos até a menina. Anabel desabara numa poltrona verde-musgo, bastante aconchegante. O homem era um senhor claro e quase careca, com uma rala barbicha grisalha, enrolada por um quase imperceptível cordão multicolorido, e que provavelmente crianças travessas e curiosas (ou seja, quase todas) adoravam puxar. Ele usava um sobretudo preto um pouco desgastado e botas de borracha sujas, que estranhamente não estavam deixando um rastro marrom no piso. Agora falava com a mulher, segurando aquela grande bandeja e procurando algo em que pudesse apoiá-la. A mulher, um pouco mais baixa, usava óculos de lente quadrada e vestia um avental sobre um vestido com estampa de flores. Ela não era careca, mas também não tinha um cabelo muito comprido. Já seus olhos grandes e negros se pareciam com os de Ana, que tentava entender o que eles falavam, sem poder ouvi-los. A bandeja foi posta sobre a mesinha no centro da sala, de frente para a pequena, e o homem se aproximou ajoelhando diante dela e começou a falar pausadamente, para que a menina pudesse entender seus movimentos labiais.

- Você quer comer, Ana? Está com fome agora?

Se queria comer? Anabel balançou a cabeça afirmativamente mesmo na duvida se o que o homem estava lhe perguntando era: "você quer que eu te morda?" Quando ela começou a comer, os dois saíram. A pirralha não havia visto tanta comida em sua frente desde nunca.

- Fervendo e pronto.

- Agora eu posso pedir férias – sorriu Alex. – Eu preciso!

- Afinal, aquele garoto estava certo então - concluiu sua companheira. - Tudo aconteceu como ele havia dito para você?

- Quase tudo, claro. Posso ter me antecipado, mas, no geral, sim – Alex falou um pouco mais rápido do que deveria para voltar a falar da garota. Oh, me belisque. Ainda não acredito que conseguimos!

O Sagitário De SamechOnde histórias criam vida. Descubra agora