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Dispa-se de todas as algemas e vista-se da liberdade de ser quem e o que desejar.
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Dylan Travis cresceu sabendo que nada em sua vida era ordinário. Com um pai autoritário e exigente, uma família que coman...
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Espere o melhor, prepare-se para o pior e aceite o que vier Espere o melhor, prepare-se para o pior e aceite o que vier E aceite o que, e aceite o que vier
Perdas CPM 22
Rússia, 12 de fevereiro de 1991.
Triim, triim, triim.
O despertador tocou precisamente no horário. Kate abriu os olhos, olhou para o lado, e sorrindo, desligou o alarme. Antes de sair do colchão macio, coçou a cabeça e bocejou abrindo a boca o máximo que podia. Tirando de seu corpo as cobertas pesadas que a cobriam, saltou da cama já pegando o casaco rosa que estava pendurado no dossel da cama.
Indo até o pequeno guarda roupa, apanhou o par de botas que havia ganhado de Natal e calçou os sapatos rapidamente. Tropeçando em alguns brinquedos espalhados pelo chão, correu até a cômoda branca, e abrindo uma das gavetas, começou a procurar o par de luvas.
Teve que caçar entre as meias soltas que preenchiam o pequeno espaço. Algumas peças caíram de suas mãos enquanto ela procurava o que desejava. E seu sorriso se alastrou pelo rosto quando debaixo da meia de bichinhos as luvas que tanto queria surgiram.
Andando rápida pelo corredor depois de pronta, passou pelo quarto dos pais e viu pela porta entreaberta que a mãe ainda dormia. Os olhos verdes brilharam por constatar que o pai já havia acordado. Um pensamento arteiro passou por sua cabeça e Kate não perdeu tempo. Foi até a cozinha. Tendo o cuidado para não fazer barulho, arrastou uma cadeira e a usou para pegar o pacote de biscoito sobre o balcão.
Saindo pela porta dos fundos, terminando de mastigar o fruto de sua traquinagem, foi para o quintal. A casa que a família russa morava ficava em um terreno amplo na cidade pacata. E havia sido escolhida a dedo depois da descoberta da chegada iminente de Kate.
Movia a cabeça para os lados e esticava o pescoço bisbilhotando cada centímetro que era coberto de neve. Os olhos curiosos dela o procuravam, até que depois de ouvir um ruído de madeira se quebrando, seu olhar foi atraído para o pai que cortava lenha. O homem tinha seus quase quarenta anos. Os cabelos castanhos e os olhos verdes, iguais aos da filha. Trajava vestimentas grossas que o aqueciam contra o frio cortante.
— Papai — Kate gritou animada e saiu a correr até ele, os pés pequenos deixavam as marcas de seus passos na neve fofa.
Viktor colocou o machado no chão, e dobrando os joelhos para ficar na altura da filha, abriu os braços e sorriu eufórico esperando que sua pequena pulasse e o agarrasse. E assim ela o fez. Abraçou o pescoço do pai, suas pequeninas mãos e suas pernas o envolviam com força.
O vento batia no rosto da menina, deixando suas bochechas rosadas pela baixa temperatura, ao passo que seus cabelos compridos eram jogados para trás, revelando o pouco de sua face que não estava protegida.
— Minha boneca, ainda é cedo — Viktor disse dando vários beijos no rosto da filha que gargalhava alto.
— Cosquinha, papai — Kate ria tentando se desvencilhar da barba que pinicava sua pele.
— O que a mocinha está fazendo aqui fora uma hora dessas, hein? Ainda nem tomou seu café da manhã. Estou certo?
Kate balançou a cabeça confirmando a pergunta do pai. Escondendo dele o que havia feitos minutos antes.
— Ekaterina, precisa forrar sua barriga gordinha.
Viktor a repreendeu sereno, apesar de sempre falar a mesma coisa, todas as manhãs Kate aparecia com suas botas rosa, luvas brancas e o casaco felpudo.
— Quero ajudar.
— Eu sei, meu amor. Mas se a mamãe te pegar aqui fora, já sabe — Viktor aproximou a boca do ouvido da filha e sussurrou tão baixo que Kate foi obrigada a se silenciar totalmente. — Ela vai brigar com a gente, de novo.
— E se a gente não contar pra ela, papai?
Viktor negou com a cabeça, risonho. Kate sempre tinha soluções que para a sua cabecinha de sete anos eram muito fáceis.
— Segredo? — ele soltou um dos braços que segurava as pernas dela e estendeu o dedo mindinho. Era o código secreto deles. Pai e filha tinham uma conexão tão forte que fugia da compreensão lógica.
— Segredo — ela juntou o dedo ao do pai e abriu ainda mais o sorriso.
— Vamos então para o nosso esconderijo secreto.
Colocando-a no chão, ajeitou o capuz sobre a cabeça de Kate e lhe deu um beijo afetuoso em sua testa. Pegando na mão dela, a levava para a casa de madeira que tinha lhe custado o verão inteiro de trabalho pesado depois que chegava da delegacia de polícia. Viktor era um dos melhores policiais da cidade, e desde cedo havia ensinado Kate alguns truques.
Mas eles nunca chegaram até seu refúgio.
Uma pontada forte e aguda fez Viktor colocar a mão sobre o peito e puxar o ar com força. A dor que primeiro se iniciou em seu coração logo se espalhou. Parte de seu rosto ficou dormente, assim como seus braços. Ele fechou os olhos e segurou um urro para não assustar a filha. Mas já era tarde demais.
Kate arregalou os olhos cor de esmeralda e gritou quando o pai caiu sobre a neve.
— Papai, papai, papai...
Seu choro agoniado o chamava, suas mãos sacudiam o braço de Viktor, e as lágrimas que saíam da menina em uma enxurrada molhavam a face pálida do homem que se tremia e sofria estendido no chão.
— Boneca, papai ama você — fazendo um esforço descomunal, disse perdendo o fôlego. Os dedos que tocavam a pele quente de Kate vagarosamente foram escorregando, até finalmente se chocarem com a neve congelante.
Foram as últimas palavras que ela ouviu do pai. Horas depois, sentada em uma cadeira gelada no hospital, tendo sua mãe ao seu lado a abraçando forte, Kate experimentou pela primeira vez o que era ter uma perda.
— Sinto muito, fizemos de tudo, mas o infarto foi fulminante.
Dois dias depois, debaixo de pingos de chuva que endossavam a dor, Kate depositava uma pequena flor sobre o caixão do pai. Quieta, derramando lágrimas silenciosas, se despedia daquele que era seu melhor amigo.
A volta para casa foi de semelhante silêncio. Olhando para os dedos sobre as pernas, pedia baixinho que pudesse vê-lo novamente. Só mais uma vez. Ela usava ali o pedido de aniversário que tinha guardado para uma ocasião especial.
A ferida estava aberta. Doendo. Machucando. Ela ouviu quando Viktor a alertou que inevitavelmente sofreria algum dia. O que não imaginou é que ele fosse a razão de seu sofrimento.
E mesmo assim, contra todos os prognósticos, o coração de Kate se fortalecia. A couraça ficava mais resistente.
De tudo o que tinha aprendido, uma lacuna essencial havia ficado para trás, perdida no tempo. Esquecida.
Kate teria seu mundo abalado. Ele era louco, sedento e insaciável.