Capítulo 34

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DYLAN





A merda do sofá era pequeno demais e não tão confortável quanto imaginei que fosse ao vê-lo no canto do quarto, encostado na parede lateral ao lado de onde a bailarina dormia. Kate tinha o corpo esparramado sobre o meu, mais precisamente sentada em meu colo. A cabeça deitada em meu ombro, o nariz encostado em meu pescoço, as pernas jogadas sobre as minhas, os pés descalços e os braços repousando em qualquer lugar que servisse de apoio. Tentei mexer o corpo, sentia o começo de um formigamento, mas aí acordar a diaba que jazia em sono profundo não me pareceu a melhor das ideias.

Caralho.

Soltei o ar pela boca, franzi a testa por segundos e novamente tentei me mover o mínimo que fosse. Ergui o quadril e ajeitei as costas, gerando um estalo que me fez deixar escapar um suspiro de alívio, Kate parecia leve como uma pluma, mas a demônia pesava. Escondi o riso, achei algo para devolver a afronta de se insinuar para outro. Me mataria? Talvez. Enfiaria o tridente no meu cú? Mais certeza que isso somente o fato que o dela era o meu alvo.

Ela não acordou, ainda bem. Acomodando-me melhor, respirei fundo e massageei os olhos, quem disse que o cérebro desligava? Um bombardeio de coisas acontecia na cabeça e uma se sobressaía em meio às outras: estava fodido. Onde eu seria um exemplo de qualquer coisa para Natasha? Não passava de um poço de perversidade e sacanagem, e isso todos eram testemunhas. A menina parecia tudo o que eu e Kate não éramos, pura e inocente. A diaba soube preservar a alma da filha intacta, mas eu não colocaria as minhas próprias mãos no fogo por mim mesmo.

Pelo menos eu reconhecia a merda ambulante que se amontoava nas costas. Quem sabe isso não me livrasse da condenação eterna? Se bem que eu e o céu não tínhamos nada em comum. Dylan e anjinhos? Pense aí. Essa combinação é mais fodida que a minha vida.

Minha divagação foi interrompida por Kate se remexendo, ela soltou um resmungo sonolento, aprofundou o rosto em meu pescoço e me apertou. Meneei um sorriso, a diaba tava todinha na minha mão, a estratégia era deixá-la pensar o contrário. Dava linha, deixando que direcionasse o caminho, mas ela que me esperasse. Era apenas uma questão de saber esperar pelo momento certo e então... acorrentá-la como queria. Avisei desde sempre que a lista com as suas punições aumentava cada dia mais, mais um pouco e faltaria espaço.

Preocupado? Nunca.

Os minutos passavam, a noite ficava ainda mais escura, e as pálpebras não davam sinais de cansaço. A luz que entrava pela janela deixava muito pouco para a clara visualização dos olhos. E mesmo assim tinha meu foco sobre Natasha, nos fios em seu corpo, na máquina que apitava a todo o momento ao seu lado, no peito que subia e descia. Certeza que faria o que fosse preciso para que seu coração continuasse a bater. Se havia algo de injusto, era aquilo ali. Crianças não deveriam ficar entrevadas em uma cama de hospital e recebendo medicação pesada. O máximo deveria ser algumas remelas secas, meleca escorrendo do nariz, uma febre aqui, outra lá, um resfriado tratado com aqueles remédios líquidos com gosto de cereja – horríveis, por sinal –, um choro por causa de uma agulhada e pronto.

E como sempre suspeitei, o universo era um sádico filho da puta.

Natasha só apagou depois de muito choro, risos provocados por mim, algumas palavras ditas ao pé do ouvido da mãe, mais alguns elogios além do "muito lindo", bocejos consecutivos e enfim deitou e dormiu. Suspirei, reclinando a cabeça para trás, enquanto minha mão aninhada nos cabelos da russa continuava a acariciá-la. Disse que eu poderia ir embora, que não precisava passar a noite no hospital, como se aquilo fosse algo minimamente plausível. Se ela ficaria ali, então eu faria companhia.

— Não vai se aguentar de pé de manhã... — a voz se misturou ao bocejo baixo e espaçado — vai dormir.

— E quem disse que não estou? Isso é um sonho, russa — brinquei, sussurrando em seu ouvido, ao passo que os dedos deslizavam pelos fios escuros. — Durma outra vez e sonhe com o americano devasso.

SEDUÇÃO FATAL [HIATO]Onde histórias criam vida. Descubra agora