KATE
A grande questão sobre se pensar no passado era que o ponto de partida de tudo não se deu comigo, mas com ele. Havia coisas na vida que não podiam ser apagadas, e dentre elas, talvez a mais importante, fosse o dia em que disse adeus ao meu pai.
Em vez de me apegar à tragédia, guardei na memória o sorriso enorme e os olhos - os mesmos olhos verdes que herdei e passei para Natasha - que sempre brilhavam quando estava comigo. Era aquela imagem que eu guardaria. O que eu não sabia, na minha inocência e juventude, era que ele escondia quem verdadeiramente era. Enquanto me despedia, tendo o rosto banhado como prova viva da minha dor e destruição, não fazia ideia que já ali era o alvo deles.
Dentre os amigos e família que estiveram no cemitério aquele dia, uma eu não conhecia.
A mulher permaneceu silenciosa durante todo o velório, ocasionalmente acenando com a cabeça quando passavam por ela. Não era alta, tinha um físico pequeno, daqueles bem magros, nada de exageros e uma postura e elegância que a minha versão de seis anos achou diferente. Não convivia com aquele tipo de pessoa, pelo contrário, todos eram muito simples e não chegavam perto de se portarem como ela.
Enquanto o padre falava e minha mãe me abraçava, se não fosse pela minha presença era capaz que ela desmoronasse de vez, fitei a estranha novamente. Os óculos escuros no rosto, o vestido preto que batia abaixo dos joelhos, os fios de cabelo loiros e lisos que caíam sobre os ombros... ela era linda, mas algo ao seu redor me causava estranheza.
Em dado momento, percebendo que a encarava, virou-se lentamente na minha direção. Arregalei os olhos e desviei imediatamente de seu olhar. Aprendi desde cedo que era falta de respeito e inconveniente ficar bisbilhotando os outros, mas a curiosidade havia sido maior. Outra vez prestei atenção no padre, mas sabia que ela continuava a me encarar. Pegando na barra do casaco que usava, passei a esfregar o tecido entre os dedos, mas em nada adiantou.
Mordendo a bochecha e respirando fundo, tornei a fitá-la, e quando o fiz, tive pela primeira vez uma reação mais contundente dela, mesmo que não tivesse passado de um aceno sutil com a mão e um leve repuxar de lábios.
Tempos depois entrei em casa depois de chegar da escola. Tirei a mochila dos ombros, a deixando ao lado da porta da sala, e fui caçar minha mãe. O cheiro da comida logo adentrou em meu nariz e a barriga de imediato fez ruídos altos de quem precisava se alimentar. Corri até a cozinha, e ao chegar lá, a encontrei de costas para mim, tinha os cabelos presos em um rabo de cavalo comprido que se movia soltando fios aleatórios toda vez que gesticulava mais intensamente com as mãos.
Contava alguma história que a fazia gargalhar. Enruguei a testa, minha mãe não gargalhava desde que perdemos o papai. Entre uma risada e outra, alguém coçou a garganta e inclinou a cabeça para se colocar no meu campo de visão, e lá estava os mesmos fios loiros e o repuxar dos lábios, a diferença era que daquela vez não tinha óculos em seu rosto.
E foi ali que Lara entrou na minha vida para nunca mais sair.
Sua presença passou a ser constante. Em almoços nos fins de semana, no meu aniversário, nas festas de fim de ano; minha mãe fazia questão de sua presença, afinal, tinha sido uma grande amiga do meu pai, e pela proximidade que tinha com ele, compartilhava do mesmo sentimento de perda e saudade. Mas a minha desconfiança em momento algum foi apaziguada. O modo como falava, os movimentos, os sorrisos, os olhares, tudo me deixava inquieta. Porém nunca falei nada, o que foi o pior erro.
Sempre amei balé, paixão herdada de minha avó paterna, e o meu sonho era o de ser bailarina, mas por morar longe do grande centro e por não dispor de uma condição financeira que possibilitasse aquilo, aos poucos o desejo foi caindo no limbo. Lara então, depois de quase cinco anos de amizade com minha mãe, sugeriu o que poderia me possibilitar subir nos palcos dos grandes teatros, me levar para Moscou.
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SEDUÇÃO FATAL [HIATO]
Romance[+18] Dispa-se de todas as algemas e vista-se da liberdade de ser quem e o que desejar. ▪▪ Dylan Travis cresceu sabendo que nada em sua vida era ordinário. Com um pai autoritário e exigente, uma família que coman...