Capítulo 23

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KATE



Meus olhos pesavam, bocejava sem parar, as mãos começavam a doer, mas sentia um imenso prazer em fazer aquilo. Sentada de frente para a mesa da sala, terminava de enfeitar a última leva de caixinhas de presente. Havia feito quinze e ainda faltavam sete. Sobre o vidro, havia cola, fitilhos coloridos, paetês, tesoura, embalagens plásticas e várias sobras de papel.

Sempre quando alguma criança que estava internada no hospital fazia aniversário, as mães se juntavam e combinava-se que cada uma se responsabilizaria por algo. Procurávamos fazer o máximo para que eles não perdessem partes importantes de suas vidas por causa de suas saúdes debilitadas.

Junto à Natasha, havia muitas outras que compartilhavam a mesma doença. Algumas em um estado melhor, onde o câncer se encontrava em remissão, e outros que infelizmente batalhavam todos os dias pela sobrevivência. Era o mínimo que podíamos fazer. Garantir que os pequenos tivessem momentos de alegria em meio a tanto sofrimento.

Por serem tão novos, tão inocentes, ignorantes sobre o que os acometia, tornava a experiência ainda mais confusa. Eles sabiam que estavam doentes, mas não sabiam o que de fato aquilo significava.

E desde o começo aprendi que a reação da criança dependia, em grande parte, da maneira como seus pais conduziam a situação. Às vezes, a criança encarava de forma melhor. Eles viviam o momento sem se preocupar no amanhã. Podiam chorar durante algum procedimento, uma coleta de exames, mas logo estariam rindo, brincando.

Em contrapartida, os pais em sua maioria precisavam de ajuda psicológica.

E eu sabia bem.

Foram noites em claro, lágrimas que pareciam intermináveis, uma agonia que rasgava o peito. Mas ela precisava de mim por inteira, e não apenas uma parte sem vida. Quanto mais tranquilidade e segurança eu passasse, melhor seria a reação de Natasha perante as milhares de agulhas e medicamentos.

O amor afastava toda nuvem escura que ousasse se aproximar. A esperança não era algo que pudesse ser pego com as mãos e colocada dentro bolso, mas era real o suficiente para penetrar no solo mais árido e sem perspectiva e fazê-lo florescer.

Coloquei tudo dentro décima sexta caixinha e passei o fitilho rosa ao redor dela, de modo que ficasse transpassada e possibilitasse que eu desse um nó. Cortei o excesso sobressalente, e ainda com a ajuda da tesoura, a usei para passá-la no pedaço que ficou. Conforme o metal deslizava, um cachinho se formava.

Pondo a tesoura de lado, segurei o fitilho entre os dedos e o puxei com cuidado, fazendo com que o formato em espiral se alargasse. Girei a caixa nas mãos e colei o adesivo que dizia parabéns escrito com uma letra cursiva e brilhante. Sorri com o resultado. Virando o corpo, a coloquei junto às outras que estavam dispostas em fileira.

Reclinando o corpo sobre o encosto da cadeira, estalei o pescoço para a direita e para a esquerda. Suspirando e fechando os olhos, passei a mão na nuca e massageei um pouco. A tensão na área foi aliviada. Ficar com a cabeça inclinada para baixo não era tão indolor assim. Ao abri-los, encarei a cena diante de mim e a Ekaterina de mais de dez anos atrás surgiu pela primeira vez em muito tempo. Com tanta veemência e fervor que a respiração mudou e o coração bateu diferente.

Definitivamente, não seria aquilo que ela estaria fazendo. Minha versão antiga gostava de se espreitar em vielas escuras, usava pequenas brechas de janelas para fazer o que precisava, não tinha piedade quando necessitava ser cirúrgica.

A última vez que o passado tinha voltado com mais ímpeto fora ao ver um noticiário na televisão. O que a polícia apenas cogitava, eu sabia muito bem o que era. Apesar de estar longe daquele mundo, reconhecia as pistas sem problema algum.

SEDUÇÃO FATAL [HIATO]Onde histórias criam vida. Descubra agora