Apenas uma ideia

XVII

Acordo me estico na cama e percebo que estou sozinha nela. Ainda de olhos fechados e com a mão boa procuro meu celular no criado mudo e não acho, puta merda quero saber quanto tempo ainda tenho para dormir antes de ir à faculdade. Eu não acredito que vou levantar velho, eu não acho meu celular por aqui perto e o relógio que eu tenho do lado da cama está sem pilha há semanas. Levanto e vou ao guarda-roupa procurar um relógio de pulso que tenho guardado e quando o acho tenho um surto

-Caralho já são 9:15 eu tenho um trabalho para apresentar hoje de manhã. Caralho, merda, inferno da porra.

Falo todos os palavrões que me vem à mente e aproveito que estava só de blusa para vestir uma calcinha, uma calça de moletom e ponho o sutiã, de uma forma relativamente rápida me visto, escovo os dentes e passo água no rosto,  prendo o cabelo e calço o chinelo.

Que falta eu sinto da minha filhinha- falo sozinha lembrando da minha moto que ainda ta confiscada na casa do Gus.

Não tenho tempo pra procurar o celular pego minha bolsa e saiu de casa, não tenho como pedir o uber e táxi…  bufo revoltada, táxi na hora que a gente mais precisa não passa um abençoado.

Paro num ponto de ônibus que tem perto da minha casa e pergunto a uma senhora que ali estava que hora era aquela

9:53 minha filha - ela responde sorrindo para mim

Obrigada - forço um sorriso.

Vou ficar por aqui mesmo, se passar um ônibus ou táxi vou no primeiro que vier

Os jovens de hoje em dia não querem mais namoro sério né minha filha?  - fala a senhora DO NADA para mim

Pois é né- falo não querendo puxar muito assunto, eu amo idoso mas não hoje, não agora.

Eu tenho um neto sabe?  Ele é homossexual, mas quem ver nem diz, não mexe com ninguém. Ele morava no interior e se relacionava com uma pessoa lá, mas a pessoa chegou para ele e disse “eu não quero mais você”.  Meu neto ficou arrasado e veio passar um tempinho comigo aqui, graças a Deus ele ta superando.

Hum, que bom - respondo com um sorriso, nem tão falso já que a senhorinha falou de um jeito engraçado sobre o neto dela.

É por isso que eu não quero me relacionar minha filha, já fui casada duas vezes e não tive sorte e quando fui tentar a terceira foi pior ainda. Às vezes as minhas amigas falam “mas Lucinda - provavelmente é o nome dela- olhando assim tu nem parece que tem tanto problema de saúde, tu é bonita e quando se arruma consegue arrumar qualquer homem… - eu paro de prestar atenção no que ela fala e começo a reparar melhor nela. Ela já deve ta na casa dos 65 anos é alta, tem os cabelos tingidos de preto, usa óculos e aparentemente é evangélica. Meu Deus eu só queria ter a autoestima dessa senhora.  - mas eu que não quero homem pra quebrar meu coração, to muito bem sozinha. A gente só não vive sem Deus nessa vida minha filha. As pessoas hoje em dia só querem brincar com o coração das outras… Você acredita em Deus minha filha?

Sou ateu Graças a Deus – falo rápido e vejo um taxi vindo

Misericórdia, mas você já foi a uma igreja?

Deus me livre!

A senhorinha fica me olhando estranho e só agora parece que ela entendeu minhas palavras

-  Você não pode brincar com o nome de Deus dessa forma... – Ela fala me repreendendo

Pois é, eu to muito atrasada vou pegar esse táxi ,  foi um prazer viu.

Subo no taxi e aceno para a senhorinha que me dar um tchau.  Que conversa foi essa? Fico impressionada com as pessoas que contam da vida delas para pessoas aleatórias tão facilmente.

Chego à faculdade e já são 10:40 puta que pariu, ainda bem que meu grupo é o último. Deus é top.

Ainda bem que você chegou, porque você não atende ao telefone? - fala a Marília com uma cara de desespero - ainda bem que você chegou, eu não tinha estudado sua parte já que você nunca falta aos trabalhos…

Mulher, calma e respira. Eu to aqui e sei o que falar. Fique de boa.

O que foi isso na sua mão? - pergunta a Janaína.

Não se porque, mas antes de responder eu passo o olho pela sala, e vejo o Eros no seu lugar de sempre me olhando de canto, infelizmente estamos no mesmo grupo do trabalho de hoje.

Fui tirar minha moto da garagem e não sei o que deu que acabei não aguentando com o peso dela e acabei segurando de mau jeito, dai deu nosso.

Invento a desculpa mais bosta que consigo e volto minha atenção para o grupo que está apresentando.

Como o trabalho era de seminário o grupo todo foi la na frente e cada um falou sua parte. Eu era a terceira a falar e depois que fiz minha parte comecei a reparar nos meus colegas de apresentação.  A Marília estava impecável com seus cabelos soltos um vestido colado ao corpo e ate de saltos. A Janaína também está apresentável, ela é gorda assim como eu, mas eu aposto que ela é blogueira, ela se veste muito bem. Já me disse varias vezes que se eu quisesse mudar o visual era só chamar ela. Os meninos estão de camisa de botão e jeans e eu…  Ai Deus porque eu sou assim? Eu to praticamente de pijama e não lavo meu cabelo desde terça.

Na hora que voltamos para nossos acentos o Eros passa por mim e bate no meu braço e eu bato com a mão esquerda nas costas do cara que tava sentando. Ainda bem que não foi com força, mas ainda deu uma fisgada.  Só pode ser coisa do demônio que ver minha mão machucada e faz de tudo para que eu bata ela em algum canto, não é possível...

Foi mal Olivia, te machuquei?  - fala ele com uma falsa preocupação. Ah arrombado do caralho.

Tranquilo... - ainda me dou o trabalho de responder e volto para minha cadeira.

Depois tenho que levantar novamente porque o professor comenta a apresentação de cada um.  Minha barriga já fazia barulhos audíveis a metros de distância quando a aula realmente acabou, fui direto ao restaurante e fiz aquele prato digno de café da manhã e almoço junto.  Já na parte da tarde tenho aula no laboratório e só porque gosto da aula ela passa rapidinho.

- Oli vai ter uma festa na sexta depois da aula, você vai né?- eu não sei por que a Janaina ainda insiste em me chamar para festas se eu sempre me recuso a ir.

- Vou não Jana, valeu.

Ela também não contra argumenta  porque sabe que não adianta.