TRÊS

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Era manhã.

Os dois dias tinham se passado, minha mala estava pronta e minha mãe colocara as dela no carro. Levei todo o necessário para a nova casa no Rio, todas as minhas roupas, tênis, meus livros, meu vídeo game, tudo o que iria precisar. Minha mãe sorriu quando me olhou ao quintal. Ela mexeu em meus cabelos e me beijou na testa. Eu sorri e ela voltou para dentro da casa pegar as últimas coisas. Quando saiu, me deu uma das malas pretas para colocar no carro. Eu a coloquei rapidamente e fechei o porta-malas. Ela falava com alguém ao telefone. Parecia que seu ânimo estava sumindo.

— Eu e Júlio já estávamos saindo de casa. A chave está no lugar de sempre. E não se preocupe conosco. Vai ser um prazer sair dessa casa maldita com o próprio Satã morando aqui. — minha mãe desligou o telefone sem deixar a outra pessoa falar.

É claro que eu já sabia quem era. Ela me olhou com olhos tristes, mas sorriu forçada e colocou o celular no bolso. — Vamos, parceiro?

Eu dei risadas baixas.

Ela entrou no carro e eu entrei no banco do carona logo em seguida. A viagem parecia durar algumas horas. Acabei dormindo algumas vezes. Depois de pararmos para colocar gasolina e comer algo, cruzaram a estrada que levava ao Rio. O telefone de minha mãe tocou, ela detestava atender quando estava dirigindo. Não só por que poderia causar acidentes, mas aquilo a incomodava muito. Ela colocou em viva-voz e começou a falar com minha tia, Glória. Minha mãe iria fazer um pavê de doce de leite para comemorarmos a chegada. Mas ainda não tínhamos os ingredientes. Minha mãe parou em frente a um mercado. Pegou a carteira preta e retirou o cinto de segurança.

— Querido, eu vou comprar as coisas que ainda preciso e me espere aqui no carro ok?

Eu assenti.

Minha mãe abriu a porta do carro e o telefone tocou novamente. Ela olhou para quem estava ligando e bufou.

— É meu advogado. Está tratando do meu divórcio. Filho, você sabe fazer pavê não sabe? Pode comprar as coisas para mim, por favor?

— Claro, mãe.

Ela me entregou o dinheiro e sai do carro em direção ao mercado.

Parecia estar vazio. Tinha um cheiro de desinfetante de hortelã e as prateleiras eram poucas. Cinco ou seis pelo menos. Fui em direção de uma travessa de vidro.

Eu quebrei a última que tínhamos há um mês. Depois, fui atrás do doce de leite. Olhei para cada embalagem procurando a marca que eu sempre comprava, mas ela não estava lá. Que estranho. Eu tinha que levar uma marca que não conhecia. Isso não era bom.

As portas do mercado foram abertas com rapidez. Olhei com susto para o que estavam acontecendo. Alguns jovens entraram dando risadas e assustando as mulheres do caixa. Eu senti um pouco de medo. Pensei que poderiam assaltar o mercado ou coisa do tipo. Fingi que nada estava acontecendo e voltei a escolher qual doce de leite levar. Percebe que eram quatro meninos e duas meninas, falavam alto, davam risadas e pensavam que o mercado era algum tipo de parque de diversão. Um deles estava a alguns passos de distância de mim, na diagonal, mais à trás. Eu o olhei e reparei em seu rosto, suas roupas e em seu corpo. Ele era muito bonito e extremante atraente. Seus cabelos eram negros, cortados ao redor da cabeça. Em cima, os cabelos eram cheios e faziam um topete para trás. Sua barba era malfeita, parecia que estava crescendo depois de ser retirada há dias. Seu corpo era moreno, grande e musculoso. Vestia uma camisa regata preta que mostrava um pouco de seus peitos um pouco peludos. Seus braços eram grandes, o desenho deles e de seu corpo sobre a camisa era muito excitante.

Ele vestia uma calça jeans larga, mas um pouco apertada em baixo. Eu não conseguia parar de olhá-lo. Mas tive que largar meus olhos dele, quando percebeu que eu estava olhando-o.

Ele me olhou diretamente como se não existisse nada naquele mercado. Nem pessoa, nem comidas, nem produtos de limpeza. Absolutamente nada. Apenas eu e ele. Desviei os olhares rapidamente e voltei a olhar para um dos doces de leites. O peguei e engoli em seco. Ele ainda me olhava. Fui trás da lata de creme de leite e do biscoito de chocolate.

Coloquei na cesta de plástico azulada e vi que dois dos garotos que entraram estavam colocando biscoitos nas calças. Eu o olhei sem expressão. Engoli em seco e eles fecharam a cara. Dei-lhes as costas e fui para o caixa. A primeira mulher me olhou e me mostrou uma placa escrita: "computador com defeito". Eu assenti com um sorriso e fui para a próxima, ela lixava as unhas e colocava a fofoca em dia com a do "computador com defeito". Olhou-me com nojo e murmurou:

— Vá para a outra. — devolveu seus olhares para a outra caixa e continuou a conversar.

Olhei para a moça da outra caixa. Mas devolvi meus olhares para a segunda.

— Está ruim também?

Ela me olhou com nojo novamente.

— Não. Eu é que não quero atender você. — voltou a olhar para a primeira mulher e voltou a fofocar.

Fui em direção da última. Ela sorriu e sussurrou um "bom dia". Retribui e coloquei minha primeira compra na mesa, quando alguém passa por mim com força tirando minha tigela do balcão dando risadas.

— Eu cheguei primeiro! — era o menino da regata preta. Agora eu estava preto dele. Seu sorriso ameaçador era lindo, mas ao mesmo tempo parecia que não foi com a minha cara.

— Não chegou, não. Eu cheguei primeiro.

Ele se virou para mim. Parecia que iria fazer algo.

— O que foi? Vai querer encarar?

Eu engoli em seco.

— Ei! Nada de brigas aqui. E você, garoto, ele chegou primeiro. — disse a moça da caixa.

— Ele? — o menino deu risadas. — Eu cheguei primeiro. Ele se aproveitou que eu estava vindo e correu na minha frente. — voltou a me encarar, perto demais.

— Você está maluco. Eu nem sabia que...

— Por que não me deixa passar logo, — ele me ignorou. Olhando para a moça. — Eu só quero comprar um biscoito, ele veio fazer a compra do mês, olha só!

Ela bufou.

— Não sou eu que decidirei. É o garoto. Por que ele chegou primeiro.

O menino bufou. Eu o olhei e ele me encarava, esperando eu decidir.

— Tá... Pode passar. — sussurrei.

Ele sorriu.

— Obrigado. — ele passou o biscoito, pagou e não recebeu troco. Quando estava próximo de sair, seus amigos apareceram do nada e foram em direção a ele.

Ele me olhou com um sorriso macabro e piscou. Mostrando seu deboche. Eu senti ódio daquela piscadela. Como um menino tão lindo e tão perfeito pode ser um baita safado de marca maior?

Eu paguei a mercadoria e sussurrei um obrigado para a moça.

— É novo aqui?

— Sim. Me mudei hoje.

— Toma cuidado. Esses garotos são como ratos. Ninguém sabe quando está perto ou longe. E aquele que ti embarreirou, ele é o pior. O filho da maior encrenqueira daqui do bairro. Ainda vai ouvir muitas histórias sobre ele.

Eu a olhei desconfiado. Minha mãe buzinou o carro umas três vezes e corre para a rua. O grupo estava lá, pegando seus skates e patins.

O garoto me olhou fixamente de longe. Tive medo de olhá-lo e não sabia o por quê. Ele virou o rosto para ir com seus amigos e eu entrei no carro de minha mãe.

— Onde você estava? Fazendo um pavê? Por que demorou?

— Eu... Estava escolhendo a marca do doce de leite. — sorri forçado.

— Ah. Vamos logo que Bianca nos espera.

Romeu e JúlioOnde histórias criam vida. Descubra agora