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E o segundo motivo é o calor. A noite está muito quente, não só pelo fato de estar na estação do verão, mas é que este ano o Sol encontra-se atípico, os noticiários têm informado que nesses dias tem havido tempestades que emitem grandes ondas de radiação. A informação é que a mancha solar AR 2529 e outras estão em erupções classe X, a mais forte. E ainda para agravar a situação do calor, não chove há mais de um mês. Isso só aumentou a temperatura, os equipamentos de medição climática têm registrado uma média das últimas semanas acima de 40 °C, e neste dia foi o mais quente já registrado desde que se começou o registro diário, o termômetro marcou 49 °C e a sensação térmica de mais de 60 °C.

O dia foi muito quente e mesmo com o pôr do sol, a noite continua fazendo muito calor.

Muitos não conseguem ficar dentro de casa e nem dormir cedo com o baile rolando no morro da Vila Ruth. Muitos adolescentes vão subir o morro, tirar proveito dessa noite estrelada. Por isso, o baile se tornou uma opção para os moradores da comunidade, do entorno e de muitos outros lugares do Rio e Grande Rio. Além disso, a noite de hoje é especial, pois a noite é de comemoração, o baile de hoje é especial. O morro está festejando a volta do dono da localidade; vieram traficantes da mesma facção de vários outros morros e favelas de todo o Rio, e no meio disso tudo, muitas meninas novas estão no baile, e também viciados de todos os lugares. Matheus é um deles, frequentador assíduo dos bailes de favela pelo Rio de Janeiro, ele não ficaria de fora deste por nada.

Muitos ainda estão subindo em direção ao local do evento, os acessos são pelos becos, e até chegarem lá no alto do morro passarão por várias curvas ao longo do seu comprimento. Além disso, existem certos trechos que não dá para passar duas pessoas ao mesmo tempo, de tão estreitos que são. Nas favelas e morros, as casas não têm quintal, então a porta da sala dá acesso direto a essa passagem de pessoas. No morro da Vila Ruth, nos becos, se veem canos de água potável expostos junto às tubulações de esgoto em cima do chão do beco concretado, ambos com vazamentos, o que cria vala a céu aberto, deixando certos pontos com uma concentração de fezes, é muito prejudicial à saúde, e com mau cheiro insuportável. Os postes estão repletos de fios, para atender as demandas de um monte de casas amontoadas de moradores.

As casas do morro da Vila Ruth, por fora, assim como na maioria das casas em outros morros e favelas, não têm embolso, a cor vermelha dos tijolos é a predominante na paisagem urbana. As casas são bem simples, sem investimento algum, mas em contraste com o exterior, o interior das casas tem acabamento fino e a sua maioria tem TV plana, micro-ondas, máquina de lavar roupa, chuveiro elétrico, micro system e ar condicionado, entre outros aparelhos eletrodomésticos e eletrônicos. Nas casas da Vila Ruth, principalmente nesse verão, as máquinas de ar condicionado não desligaram; são milhares, ligadas quase vinte quatro horas por dia. Tem casa que possui um aparelho em cada cômodo, uma das vantagens de se morar em morros e favelas é não pagar impostos, luz e água. Com isso, o desperdício de energia e recursos naturais são altíssimos, e para suprir essa demanda de consumo elétrico, os postes estão carregadíssimos de fios que, além dos de energia elétrica, tem os "gatonet" (TV a cabo ilegal), telefone e internet banda larga local. Esse amontoado de fios já faz parte da composição da paisagem dos becos dos morros e favelas, por entre barracos, canos, tubulações, esgoto a céu aberto. pela

Os adolescentes vão subindo com muita dificuldade de enxergar onde pisam, pois já é noite e os becos estão escuros; não há iluminação pública para clarear o caminho, os postes não têm iluminação e os que têm, são precários, pois são pontos estratégicos de pernoite dos traficantes. Mesmo com essa falta de infraestrutura urbanística, hoje o morro se encontra transitável, e já foi bem pior quando não tinha concreto e era só barro. Hoje, graças à união dos moradores que formou os mutirões, eles conseguiram concretar uma boa parte dos becos, porém como é feito por moradores e nem todos têm experiência e técnica e não há um projeto urbanístico de desenvolvimento e expansão, a qualidade técnica na execução da infraestrutura acaba sendo prejudicada, com o tamanho das escadas muito irregulares com várias medidas de espelho e patamar, dificultando muito o acesso dos moradores, principalmente os idosos, que sobem e passam por esses becos e escadas, e muitas vezes trazendo bolsas pesadas.

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