1 UNIGÊNITO 03

71 17 0
                                    

Juliana está se divertindo, curtindo a sua liberdade virando a noite em um baile funk, dentro de uma favela perigosa, rodeada de drogas de todos os tipos, quer sejam lícitas e, principalmente, as ilícitas. O local do baile é dominado pelo tráfico, e tem soldado em cada canto, becos, vielas e esquina do morro, na sua maioria adolescentes, que são os funcionários do tráfico, vigiando e controlando o acesso do local. Nessa noite tem mais traficante que o normal, pois o morro está em festa, eles circulam naturalmente exibindo as suas armas. O Marreco mandou colocar todas para fora nesta noite. São várias de diversos calibres e modelos: pistola Glock, escopeta calibre 12 semiautomática e metralhadora UZI, porém a arma que os traficantes cariocas mais gostam são os fuzis, o morro da Vila Ruth tem mais de 80 de vários modelos dessa arma: M16, AK 47, HK 47, Gewehr 3 (G3), AR 15, entre outros.

O perigo a que Juliana se expõe não é o de ser estuprada, pois nas favelas do Rio os traficantes não aceitam esse comportamento, quem comete esse delito é julgado pelo tribunal do tráfico e a sentença para tal violação da lei da favela é a morte, ou, como falam os traficantes: vai pagar com a vida. Os perigos que ela corre, além de um eventual conflito entre traficantes e policiais, ou uma guerra de traficantes de facções rivais, pelo domínio do ponto de venda de drogas do local, é ficar no meio do fogo cruzado, podendo ser alvejada por uma bala perdida. Além desses, o perigo real e tão letal quanto, ainda mais para um adolescente, é absorver a cultura do tráfico e passar a viver esse estilo de vida.

Hoje Juliana tem como amizade as pessoas que admiram exatamente isso e que acham legal a vida bandida, traficantes, ladrões, quanto pior e mais sem futuro e mais cafajestes se tornam, melhor. Quem vê Juliana nesse baile e que a conhece nem acredita... no ano anterior ela era completamente monitorada e controlada por seus pais, eles não a deixavam sair sozinha, era basicamente casa escola, escola casa. Ela só saía em companhia deles; Juliana sequer podia dormir na casa de uma amiga, ela nunca participou de nenhuma noite do pijama com suas amigas, mesmo se ocorresse numa casa em que os pais eram respeitados e conhecidos da sua família. Em uma dessas proibições, uma amiga estava fazendo quinze anos. Todas as suas amiguinhas iam para essa festa, muitas delas seriam damas, e Juliana também foi convidada para ser uma das damas. Por sua amiga ser evangélica, o ambiente seria saudável e contaria com a presença de outros pais, na sua maioria, evangélicos. A festa não teria álcool e nem músicas como as que ela ouve neste momento no baile de favela do morro da Vila Ruth e, mesmo assim, como os pais da Juliana não poderiam ir com ela na festa, eles não a deixaram ser dama da amiga e nem ir sozinha. Todas as amiguinhas foram lá pedir para eles a deixarem ir, mas eles não permitiram. Esse episódio deixou Juliana muito aborrecida e magoada. Como consequência, gerou ódio e revolta, a ponto de enfrentá-los criando uma grande discussão no lar. No calor dessa discussão, Juliana fala para o pai, presbítero Gustavo, e para sua mãe, a irmã Ana, que eles não a amam, que acha que ela é adotada, que ela tem os piores pais do mundo, que queria que eles morressem, só assim ela poderia viver feliz. Juliana sempre foi uma boa filha, nunca foi de dar dor de cabeça ou aborrecimento aos pais, sempre foi uma filha obediente, com boas amizades, na sua maioria meninas criadas na cultura evangélica pentecostal.

Mas, desse dia em diante, algo mudou dentro da Juliana. Ela passou a mentir para os pais; a matar aula para sair escondido com as amigas mais depravadas da escola; se antes Juliana não podia ir para uma festa de quinze anos de uma amiguinha evangélica, pois seus pais não deixavam, hoje ela anda com meninas que tem fama de vulgar. Tudo desandou de tal maneira, que ela passou a sair e a chegar no dia seguinte, algumas vezes alcoolizada. Agora os pais já não a prendem mais, não reclamam mais, agora não falam mais nada, pois eles têm medo da reação dela, de Juliana se revoltar mais ainda e ir embora de casa. Com isso, nada mais a segura, a ponto de virar a noite em um baile de favela. Juliana está muito animada dançando funk com Patrick, um amigo, e nem imagina a informação que o seu namorado acabou de receber por mensagem no WhatsApp.

Matheus a vê do outro lado, em frente à equipe de som, e vai em direção a ela, apressado, com cara de desesperado pelo que acabou de ler no celular.


_________________________________________

E ai o que achou? Gostou? Não gostou?

Deixe seu comentário, curta e compartilhe.

_________________________________________

Glossário:

1 Tranquilo, que não se estressa por nada, vida boa.

2 Sair, andar, passear.

3 Fazer sexo; ato sexual em si.

4 Boletim de ocorrência

5 cigarro de maconha

6 Alguém que denuncia, que delata; dedo duro.

7 Inimigo.

8 Com bastante quantidade.

9 Policiais.

10 Patrulha Tático Móvel

11 Arrego: aqui usado no sentido de pagamento em dinheiro dado aos policiais corruptos.

12 Proibidão é o nome dado para as letras de funk não comercial, feitas com exclusividade para serem tocadas nos bailes de favelas, as quais fazem apologia às drogas, à traficantes, armas, guerra dentre facções, assassinato de policiais, roubo, sexo grupal e orgias na sua maioria com teor pedófilo, pois a maioria das letras cita especificamente a "novinha", meninas com faixa etária entre doze a no máximo quinze anos.

13 Ponto de venda de drogas

14 Pessoa responsável pelas vendas de drogas

15 Levados para o céu muito rápido por Jesus. Arrebatamento é uma promessa feita por Jesus de um dia voltar e levar para o céu os que o serviram em vida na terra, os que morreram vão ressuscitar primeiro e junto com os que estão vivos serão levados para o céu.

16 EBD - Escola Bíblica Dominical.

17 Dispensação da graça é o período que antecede o arrebatamento da igreja, onde qualquer pessoa pode se arrepender dos seus pecados em vida, e ser salvo.

PERSEGUIDOSOnde histórias criam vida. Descubra agora