Arrumando as coisas.

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Imaginei que quando eu fosse avisada de que o Pastor Alex iria embora, eu iria acabar saindo e comprando um daqueles fogos de artifícios estrondosos.

Mas eu simplesmente fiquei normal, na verdade, vou ser sincera com vocês, parecia que alguma coisa estava errada, dentro de mim algo me incomodava.

Cheguei até a igreja e Mateus estava sentado na cadeira mexendo no celular:

-Hey, Sarita!

-Fala aí! A lei da escravidão foi assinada?

Ele começou a rir:

-Tive folga hoje, estou aqui o dia inteiro.

-Eita, você nem gosta, né?

Mateus sorriu:

-Acho que o Pastor Alex vai embora.

-Como assim?

-Eu estou aqui o dia todo, ele foi para uma reunião e quando voltar ele vai pegar as coisas e ir para a outra igreja.

-Sério?

-Sim, a Dona Luzia tá correndo de um lado para o outro resolvendo as coisas.

Abri a boca para falar, mas Dona Luzia entrou na salinha e olhou para mim:

-Sarita! Graças a Deus, você é um anjo que Ele enviou! Você pode me ajudar?

Concordei e a segui.

***

Eu nunca tinha tido vontade de falar não para a Dona Luzia, mas naquela hora eu tive que me conter quando ela disse que iríamos arrumar o quarto do Pastor Alex. Ela precisava arrumar todas as coisas para que quando ele chegasse, estivesse tudo pronto para que ele pudesse ir em paz para a sua igreja.

O quarto do Pastor Auxiliar era o único cômodo da igreja o qual eu nunca havia entrado, mas não tinha nada de extraordinário. Uma cama de solteiro simples e uma cômoda onde os Pastores guardavam suas roupas, em cima da bancada tinha alguns produtos de higiene, um espelho enorme e um quadro onde ele sorria com a sua família.

Balancei a cabeça. O Pastor Alex era uma pessoa muito intrigante, por mais que eu tentasse me preparar para o que quer que ele fosse fazer, era impossível, ele era estável em sua instabilidade, alguém que quando eu achava que entendia mostrava milhares de outras questões que eu desconhecia, ele era algo que não tinha como se planejar, e como eu amava teatro isso para mim era algo que me surpreendia, eu sabia seguir roteiros, eu sabia decorar falas, mas o improviso, o fator surpresa não era o meu forte.

O Pastor Alex não era o meu forte.

Eu estava sentada na cama junto com a Dona Luzia dobrando algumas camisas dele quando ela suspirou:

-Sabe, vou sentir falta do Pastor Alex, ele é um ótimo rapaz.

Concordei em silêncio.

-Você não parece que vai sentir falta dele... -Ela notou a minha expressão surpresa como se ela tivesse lido meus pensamentos.

-E não vou... -Falei com sinceridade para a Dona.

-Eu não te entendo, Sarita.

Respirei fundo:

-Dona... Ele é... Como posso dizer? Ele é chato!

Foi então que a Dona não se aguentou e começou a gargalhar, Dona Luzia riu tanto que suas bochechas começaram a ficar vermelhas. Esperei pacientemente ela se acalmar.

-Como assim? -Ela perguntou limpando as lágrimas.

-Olha, Dona! Até quando ele está me ensinando a tocar teclado ele arranja mil e um motivos para brigar comigo!

-Você já pensou que isso pode ser a forma que ele demonstra afeição por você? -Ela falou ficando séria.

-Brigando comigo?

-Corrigindo você.

-Ah, desculpa, Dona Lu! Mas quem gosta não briga com a pessoa, ela ajuda!

-Na verdade, o amor verdadeiro não vai te fazer melhor passando a mão na sua cabeça, Sara!

-Mas Dona...

-Sara, às vezes seu ideal de amor perfeito está errado, minha querida. Ninguém é perfeito, o amor existe para que nós venhamos ajudar, sem condenar o defeito um do outro. Você deveria rever os seus conceitos, entender a realidade da pessoa que você vai encontrar, às vezes ele não foi ensinado a colocar o casaco para você passar por cima, às vezes a única forma de demonstração de amor que ele viu foi essa, tudo tem um contexto que você precisa ir além do seu ideal. -Ela se levantou. -Não procure um amor perfeito, procure um amor verdadeiro. Vou fazer um suco para a gente tomar com algumas bolachinhas, já volto! -Dona Luzia saiu me deixando com meus pensamentos.

Eu sempre havia idealizado um amor perfeito. Um amor que quando fosse contar para outras pessoas, elas iriam suspirar de amores, uma história que inspiraram outros casais, uma história fofa onde tudo daria certo, mas talvez... Não fosse aquilo exatamente que Deus queria, eu queria do meu jeito, mas Deus queria me surpreender.

Com tantos pensamentos, senti o quarto ficar abafado e resolvi tirar a minha blusa de frio, foi quando a voz raivosa de Alex veio até mim:

-O que você está fazendo aqui no meu quarto?

-Pastor...

-Você é louca? Eu sabia que você tinha um demônio garota! Acha mesmo que é tão fácil assim fazer com que eu caía nas suas garras! SUA PERTURBADA!

Foi então que eu rapidamente entendi sua linha de raciocínio.

Uma Obreira. Sozinha em seu quarto. Sentada em sua cama. Tirando a blusa de frio.

Ótimo, eu estava na pior condição de me defender.

-Pastor, eu posso explicar!

-CALA A SUA BOCA! VOU CONTAR TUDO PARA O PASTOR JOSÉ! -Ele saiu correndo e comecei a ir atrás dele.

Eu sabia que até que eu conseguisse explicar tudo para o Pastor José eu já teria saído de Obreira e todo mundo na igreja achariam que eu era uma desconvertida. Enquanto nós dois corríamos pelas escadas, o Pastor Alex gritava mais alto e eu sabia que aquilo não acabaria nada bem.

Aonde eu havia me metido?

Um amor quase perfeito.Onde histórias criam vida. Descubra agora