O testemunho

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Domingo. Reunião principal pela manhã. Meu celular não despertou.

Abri os olhos sem entender que dia era e o porquê eu estava acordando sem a ajuda do meu celular.

Liguei o celular e mesmo com o brilho cegante eu pude ver que eram nove horas.

Ótimo, só tinha meia hora pra me arrumar e correr para a igreja.

***

Quando cheguei, a reunião já tinha começado e eu sabia que se eu levasse bronca eu iria merecer, por isso entrei tranquilamente, até ver o Pastor Alex lá na frente com uma camisa de manga curta mostrando a sua enorme tatuagem. Eu já tinha visto, mas por ele sempre esconder, era como se ela não existisse.

Mas ali estava ele, mostrando para todos os membros e Obreiros algo que eu sabia que ele se envergonhava.

-Bom, todos vocês conhecem o Pastor Alex, e hoje eu queria que ele nos contasse o seu testemunho... Não foi fácil chegar aqui hoje, não é mesmo Alex? -O Pastor José sorriu e entregou o microfone para o Pastor Alex, pela primeira vez eu o vi nervoso.

Ao seu lado estava seu pai, sua madrasta e Mônica. Ele olhou para eles que sorriram o motivando.

-Acho que antes de contar o meu testemunho, eu devo começar a contar pelo testemunho do Obreiro Roger, meu pai. -Ele respirou fundo. -Meu pai, antes de chegar a igreja era viciado em bebida alcoólica e como a minha mãe não tinha nenhuma sabedoria, nem ninguém que a ensinasse sobre a fé, ao invés de ajudar o meu pai, ela o afundava cada vez mais. Depois que eu nasci, meu pai se tornou um homem agressivo e vi ele agredir minha mãe até os meus dez anos quando descobrimos que ele tinha outra família, e o pior ele tinha outra filha. Aquilo foi o fim para a minha mãe que o fez escolher entre as duas e meu pai saiu de casa. Se foi o fim para a minha mãe... Imaginem para mim!

"Saber que ele escolheu ficar com outra família, com outra filha, aquilo foi o começo de um enorme ódio que comecei a ter dele. Minha mãe começou a ter depressão e logo eu tive que me virar para cuidar tanto da casa, como dela. Eu não podia sequer escutar o nome do meu pai ou da minha irmã que eu sentia um ódio muito grande, um ódio que se me dessem a oportunidade, eu seria capaz de mata-lo."

"Pois bem, com quinze anos eu comecei a me envolver com pessoas que me influenciaram a fazer muitas coisas erradas, como em casa eu me sentia preso aquela realidade, lá fora eu tentava de todas as formas mostrar que eu na verdade era livre. Eu que dizia que nunca iria ser como o meu pai, comecei a ser viciado em bebida alcoólica, às vezes acordava e meu café da manhã era uma lata de cerveja, o álcool por muitas vezes nem fazia mais efeito em mim, comecei a ser agressivo, me juntei a uma gangue e mesmo sendo de menor, fiz essa tatuagem para mostrar para os outros que o corpo era meu, a vida era minha e eu poderia fazer o que eu quiser."

-Essa tatuagem você fez com quinze anos? -O Pastor José perguntou abismado.

-Sim, Pastor. E ela não é só no meu braço, ela vai até as minhas costas.

-Meu filho, não doeu, não? -O Pastor brincou.

-Para ser aceito no mundo lá fora a gente suporta qualquer coisa. E foi assim, coloquei piercings, alargador tudo para chamar atenção que eu não tive a minha vida toda.

"E a minha mãe só piorava, tinha síndrome do pânico, às vezes ficava dias sem conseguir sair do quarto, era um sacrifício fazer ela se alimentar. Ela começou a tomar remédios de faixa preta e aquilo começou a se tornar um fardo para mim. Arranjei uma namorada para ver se aliviava tudo aquilo que eu carregava, no começo era mil maravilhas, mas logo eu comecei a me tornar agressivo com ela, e quando estávamos longe, sentíamos falta um do outro, mas quando estávamos perto só faltava nós acabamos um com o outro."

"Com dezessete anos, minha mãe piorou e suas consultas começaram a ficar mais caras. Eu não tinha a quem recorrer, e nesse meio tempo meu pai veio me visitar. Já devem imaginar o meu transtorno! O ódio que estava acumulado por todo aquele tempo explodiu, mas ao contrário de revidar, meu pai me pedia desculpas e realmente parecia arrependido. Aquilo me causava nojo, por mais que no fundo eu sentisse que eu poderia perdoa-lo, eu não conseguia, parecia ser mais forte do que eu, algo que eu só pensava em jogar na cara dele."

"Quando meu pai viu o estado da minha mãe eu o fiz se sentir a pior pessoa do mundo, falei que ela só estava naquele estado por culpa dele e que não tinha nada que ele poderia fazer. Eu queria fazer com que ele sentisse pelo menos um pouco da dor que eu havia guardado por tanto tempo dentro de mim."

"Mas meu pai já era Obreiro, meu pai havia se convertido e não desistiu tão fácil assim de mim e da minha mãe, todos os dias, mesmo com milhões de xingamentos vindos da minha parte, ele aparecia todo santo dia na minha casa, ele trazia água que era consagrada na igreja, ele orava pela minha mãe, ungia as nossas roupas, roupas que eu não usava, e foi então que eu comecei a ver uma melhora na minha mãe."

"Ela começou a fazer suas necessidades higiênicas, voltou a se alimentar e com o tempo conseguiu sair de casa para ir a igreja, aquilo era um milagre! Uma mulher que não conseguia sair de casa a quase cinco anos, estava indo para uma igreja! Por mais que eu quisesse agradecer meu pai por aquilo, eu não conseguia, sempre era mais fácil fingir que ele não existia."

"Então a menina que eu namorava me traiu com um dos rapazes que eu mais considerava meu amigo, vocês devem pensar que aquilo foi de mais para mim e que aquilo foi a gota da água para que toda aquela raiva saísse de dentro e machucasse alguém do lado de fora, mas foi pior. Aquilo entrou e ficou, a raiva, o ódio me consumiam por dentro e quando eu vi, eu já não saía mais de casa, não conseguia levantar da cama, eu era quem estava com depressão."

"Eu me odiava, não conseguia achar uma solução, achava que tudo era culpa minha, por mais que as pessoas tentassem me ajudar, eu só via que elas sentiam pena de mim. Meu pai tentou diversas vezes conversar comigo, mas era só eu escutar o barulho do seu carro, eu já até conhecia, que eu trancava as portas e dizia que se ele continuasse tentando eu iria me machucar, iria descontar a raiva que eu sentia dele em mim."

-Esse foi o seu fundo de poço? -O Pastor José perguntou.

-Sim, Pastor. Eu não conseguia ver nenhuma saída para mim.

-E como foi a sua mudança?

-Certo dia, já esperando a visita do meu pai, fui surpreendido pela visita de outra pessoa, minha irmã, a Mônica. Eu não sei porquê mas eu abri a porta do meu quarto para ela. E quando fui gritar com ela eu não conseguia, eu apenas chorava, e ela ficou ali, sem falar nada e quando me acalmei ela disse "eu conheço uma pessoa que pode te ajudar, você quer ajuda?"

"Eu estava cansado, naquela semana eu havia pesquisado qual era o método mais fácil e indolor para cometer o suicídio, eram tantas formas! Já havia escrito a minha carta de despedida, mas ainda não tinha criado coragem suficiente. Porém eu sabia que se ficasse mais um dia naquele estado, não precisaria de coragem, eu simplesmente não suportaria mais a realidade."

"Aceitei o convite, comecei a ir para as reuniões, comecei a fazer o que era preciso, me sacrifiquei, pedi perdão para o meu pai, para a minha irmã, para a minha mãe. Me libertei de tudo aquilo que realmente me fazia mal, busquei ardentemente o novo nascimento, recebi o Espírito Santo e comecei a ter um desejo enorme de ajudar pessoas que estão na mesma situação que a minha."

"Posso dizer que eu era uma pessoa morta, por mais que eu tentasse "viver", bebendo, me prostituindo, mudando o meu corpo, nada disso era vida, e só quando eu encontrei Jesus, quando eu fui batizado com o Espírito Santo, a minha sede foi saciada. Não é por ser Obreiro, não é por ser Pastor, é por ser verdadeiramente de Deus. Eu vejo a mudança, eu vejo a vida em mim! Sei que há algumas marcas que não dá para ser apagadas... -Ele olhou para o seu braço. -Mas elas estão aqui para sempre me lembrar da onde eu vim e para aonde eu não devo voltar.

Todos começaram a bater palmas, e eu realmente estava impressionada. Não por ser o Pastor Alex, mas por Deus ser quem Ele era.

Um amor quase perfeito.Onde histórias criam vida. Descubra agora