Especial - Ruan Ferreira

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Ruan Ferreira

-Muito bom! -O Pastor Alex sorriu para mim e eu soltei o ar que eu não sabia que estava segurando. -Você realmente canta muito bem!

–Obrigado, Pastor. –Me levantei da cadeira que estava para que ele pudesse sentar. -Eu gosto muito de música.

-Dá para perceber, você não canta por cantar, dá para ver o Espírito Santo cantando através de você!

Abri um sorriso ainda maior, só Deus sabia o quanto aquilo me alegrava. Saber que as pessoas conseguiam enxergar a Deus através de mim era incrível, pensei comigo mesmo porquê eu havia demorado tanto para O receber! Ah, se antes eu soubesse como era doce Te servir, não perderia o tempo que eu perdi...

A cada dia eu estava mais disposto a recompensar todo aquele tempo que eu havia perdido.

-Você quer ser Pastor? -Ele me perguntou com os seus olhos escuros repousando sobre mim.

-Sim, senhor! Estou sendo entrevistado para entrar no CPO, tudo ao seu tempo.

-Você é um menino esforçado, creio que vai arrebentar! -Ele pegou a pasta que havia diversas músicas. -O Pastor falou quais músicas ele vai querer que eu toque no Encontro hoje? -Ele disse virando as páginas da pasta.

Olhei para o seu braço. A camisa do Cultura do FJU não tampava a enorme tatuagem que ele tinha. A primeira vez que eu havia visto, vou confessar para vocês, eu fiquei impressionado, eu não conhecia muitas pessoas que tinham marcas tão evidentes de seu passado, ainda mais sendo um Pastor.

Ao perceber que eu encarava sua tatuagem, o Pastor limpou a garganta e olhou para mim:

-Algum problema?

-Foi difícil se tornar Pastor por causa da sua tatuagem? -Perguntei sem me segurar.

O Pastor Alex olhou para sua tatuagem pensativo:

-Você sabe que se Deus te escolher mesmo, você pode ser analfabeto, você pode ser gago, você pode ter a vida mais errada que for... -Ele suspirou. -Não será uma tatuagem que vai te impedir de ir para o Altar.

-Disso eu sei, Pastor. -Falei concordando com ele. -Me refiro ao preconceito das pessoas.

Ele riu secamente:

-Demorou muito para eu ser levantado a Pastor, toda vez que eu ia para uma entrevista, eles me perguntavam sobre a tatuagem e me mandavam voltar. Conheci Pastores que tinham, mas às vezes era nas costas, no peito, nas pernas, era fácil de esconder, já meu braço, no calor era quase impossível. -Ele olhou para mim. -Vou ser sincero com você, muitas vezes eu pensei em desistir do Altar. Como Obreiro, os membros evitavam pedir conselhos para mim, apenas aqueles de coração puro. Pensei se como Obreiro eles recuam, imagine como Pastor! Mas eu não conseguia me imaginar apenas de Obreiro, toda vez que eu estava no trabalho, uma dor enorme surgia em meu peito, eu sentia vontade de falar de Jesus para todo mundo, eu não conseguia estar ali quando eu sabia que havia pessoas se matando naquele momento, pessoas que estavam na mesma situação que um dia eu estive. -Ele tocou em sua tatuagem. -Então eu já estava prestes a desistir e fui na última reunião de IBURD, fui decidido que seria a última, conversaria com o Pastor e mesmo com aquele amor enorme que eu tinha, eu seria apenas Obreiro, eu limitaria o poder de Deus dentro de mim.

"Então o Pastor naquela reunião leu uma passagem que eu guardo até hoje em Josué capítulo um, versículo seis: Esforça-te e tem bom ânimo, porque tu farás a este povo herdar a terra que jurei a seus pais lhes daria." A terra, o Pastor deu exemplo que era o céu, e assim como Deus havia sido com Moisés, ele seria comigo para fazer com que o povo herdasse a salvação."

"Não demorou muito para que eu fosse levantado a Pastor quando eu coloquei isso dentro de mim, mas então o diabo me atacou de outra forma. Um Pastor muito amigo meu, viu que muitas pessoas ainda tinham receio da minha tatuagem, e ele disse que não faria mal nenhum em esconder. Era só usar uma camisa de manga longa."

"No começo eu estranhei, mas quando eu percebi que ninguém mais me olhava torto, que ninguém duvidava se eu era mesmo o Pastor, eu não me importei, eu comecei a me esconder atrás de um pedaço de pano. As únicas pessoas que sabiam era eu, Deus e o meu Pastor Titular."

"Mas era horrível, Ruan! Eu não era de fato eu, eu tentava ser perfeito, mas Deus havia me tirado da vida que eu levava por algum motivo, para testemunhar o que Ele havia feito por mim, mas eu não enxergava isso, demorou muito para que eu pudesse me ver além daquela camisa."

O Pastor Alex parou por um momento como se lembrasse de algo, essa mesma lembrança parecia trazer dor e felicidade ao mesmo tempo:

-Então eu conheci uma pessoa e ela me mostrou o valor do meu testemunho, mostrou que por mais que eu estivesse de Pastor, eu ainda estava limitando o poder do agir de Deus. Ela me mostrou que não tenho que ter vergonha do que eu já não sou mais.

Eu sorri. Meus pais eram Obreiros e isso significava que eu havia crescido na igreja, eu não sabia o que era sofrer no mundo, mas sabia o quão era gratificante ser transformado por Deus.

-Essa pessoa foi muito usada por Deus, né Pastor?

-Sim, ela foi. -Ele limpou a garganta.

-Pastor Alex? O Pastor Sávio está chamando o senhor. -Um Obreiro veio chamar.

O Pastor Alex se levantou e eu pensava em tudo que ele havia me falado. Seu amor pelas almas, transformação, sua vida nova.

Eu pensava nisso quando notei que alguém entrava pela porta do salão. Levantei o rosto e ajeitei meus óculos para poder observar melhor, mas eu não precisava daquilo, eu reconheceria ela em qualquer lugar.

Me impressionei com a facilidade que eu a poderia achar em uma multidão, caminhei até estar a sua frente.

-Sara. -A cumprimentei.

Seu rosto não tinha expressão alguma, e isso que eu achava a pior parte. Sara era líder do teatro, ao mesmo tempo que ela era tão expressiva em seus sentimentos, ela sabia os esconder quando era necessário.

E mais uma coisa, ela estava linda! Seus cabelos estavam com alguns cachos e soltos, sua blusa rosa claro e uma saia vermelha a fazia parecer uma boneca.

Mas era aí que estava a "x" da questão. Antes eu não podia sequer ouvir o seu nome que eu sentia o meu coração disparar contra o meu peito, mas ali, de frente para ela eu sabia que não existia mais nenhum sentimento.

-Ruan. -Ele me cumprimentou de volta.

Essa era a primeira vez que conversávamos depois de mais de sete meses. Uma saudade despertou em meu peito, eu não via ela como uma mulher para mim, mas eu sentia falta de sua amizade.

A Obreira Sara é uma pessoa que você adoraria ter amizade. Ela é engraçada, sabe puxar assunto, ela é forte, sabe o que fazer mesmo desesperada. Fora que havia sido ela quem havia me ajudado a receber o Espírito Santo, mesmo que apenas indiretamente, eu sequer podia imaginar quantos propósitos ela havia feito por mim.

-O que você está fazendo aqui? -Perguntei. Era sábado, quatro horas da tarde. Pelo que eu sabia, ela tinha seu Encontro de Jovens em sua igreja, ela só vinha para a Catedral para participar da reunião de Obreiros.

-Eu vim resolver um problema. -Ela mordeu o lábio. -Mas acho que esse problema pode esperar um pouco, acho que precisamos conversar primeiro. -Olhei para ela confuso. -Mônica me mostrou algumas mensagens que você mandou para ela.

Fechei os punhos:

-Ela não deveria ter te mostrado!

-Ruan, não adianta você ficar bravo! -Ela falou frustrada.

-Eu já estou bravo.

-Não vou conversar com você se estiver bravo! -Ela cruzou os braços. -Eu não sou obrigada a conversar com você! Você não imagina a luta que está sendo para eu dirigir a palavra a você!

Ela estava vermelha e eu engoli em seco:

-Desculpe, vamos conversar. -Nos sentamos um do lado do outro no banco da igreja, ela olhou para mim e eu tomei fôlego. -Ok, acho que eu primeiro tenho que falar...

Ela deu de ombros concordando.

Um amor quase perfeito.Onde histórias criam vida. Descubra agora