Cavalo Negro

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"It's Britney, bitch".

O rádio colocado em cima da pia estava tocando Britney Spears enquanto meus dedos deslizavam pela beirada da banheira desenhando círculos na porcelana branca como se dançassem no ritmo de "Gimme More". O líquido morno já começava a esfriar em contato com a minha pele nua, ocasionando poucos arrepios de frio devido à corrente de ar que entrava pela janela. Meus olhos inexpressivos encaravam o teto claro que tinha a lâmpada balançando vagarosamente, tremeluzindo pelo banheiro.

Eu já não sabia ao certo há quantos minutos estava assim, imaginando formas distintas naqueles pontos onde alguns respingos vermelhos se destacavam de maneira sinuosa, fazendo uma trilha até a parede, onde havia grandes manchas que escorriam para o chão até os corpos jogados em torno de mim.

Deixei a faca deslizar pela minha mão e cair no piso com um baque metálico.

— Você deu uma bela festa aqui. — assoviou Lúcifer, aparecendo de repente no meio do cômodo que mais parecia uma zona de guerra no momento. Ele observou ao redor, dando alguns passos e fazendo um dos sete cadáveres servir como ponte para não afundar os pés nas poças escorregadias.

— São demônios. — dei de ombros, entorpecida pelo olhar mórbido de um homem que estava preso de ponta cabeça na parede, sua expressão lembrava a de um peixe morto no anzol.

— Em corpos de pessoas. — apontou o anjo, indo até o rádio e abaixando o volume completamente. O mesmo cruzou os braços contra o peito, passando os dedos curiosamente pela barba, e então se virou para mim. — Como se sente?

— Imersa em uma banheira de sangue? — gesticulei levemente, emergindo um pouco o braço e o retirando com força para fazer espirrar nele, que apenas esquivou para o lado.

— Interiormente. — reformulou e eu franzi a testa, logo buscando dentro de mim a concentração necessária para focar meus olhos no líquido da banheira. E no segundo seguinte todo ele se levantou como uma onda para cima, congelando no ar enquanto eu me erguia calmamente e ia até o chuveiro, sem me importar de estar completamente nua.

— Isso responde a sua pergunta? — questionei e Lúcifer fez menção de bater palmas, visivelmente satisfeito com a cena.

Há dois dias — desde que eu havia aceitado sua proposta psicótica de exterminar o planeta — o anjo estava me treinando para usar meus poderes do pior jeito possível, e quando digo pior quero dizer que ele estava corrompendo o restante de graça pura que estava presa a minha alma para que eu tivesse pleno acesso a todo o controle. E para fazer isso de uma maneira rápida e eficaz era necessário derramar muito sangue. Eu havia me tornado uma exterminadora de demônios — a única coisa que tinha aceitado matar —, mas toda essa chacina estava surtindo efeito, já que eu sentia meus poderes aumentando o dobro a cada hora e minha sensibilidade emotiva desaparecendo aos poucos. Era como entrar em um estado de torpor onde você faz aquilo que precisa fazer e não sente absolutamente nada, mesmo que aquilo te choque e apavore, você continua lá sem mover um único músculo.

Eu tinha que me manter focada para não deixar que a escuridão me consumisse antes de eu concretizar o meu plano. Lúcifer não fazia ideia de que eu tinha segundas intenções que o prenderiam na jaula para sempre e destruiriam de uma vez essa profecia maldita, e nem poderia desconfiar até que chegasse a hora final.

Às vezes você precisa ser o vilão para que realmente consiga fazer algo de bom.

— Acho que você está pronta para a nossa próxima etapa. — comentou alegremente enquanto eu deixava a água quente retirar todos os resíduos de sangue que haviam ficado em meu corpo, observando que até mesmo meus poderes de cura estavam mais acelerados, pois a maioria das minhas cicatrizes já não eram mais visíveis.

Supernatural: RéquiemOnde histórias criam vida. Descubra agora