Estou a três quilômetros de Seoul.
Fiz todo o caminho de 325km entre aqui e Busan a pé e estou caminhando sem parar em ritmo constante a, pelo menos, seis horas. Assim como levei entre seis e oito horas para ir para Busan.
Não tenho o mínimo de pressa e, mesmo com sol, não me sinto cansada.
Talvez essa pareça ser uma das vantagens de ser um fantasma, eu também achava isso no começo, mas agora reconheço ser uma praga. Apenas mais uma parte do meu castigo eterno, apenas mais uma lembrança de que não estou viva e que já não posso mais sentir.
Desta vez minha visita a Busan para ver minha irmã durou menos tempo do que o habitual, já que não poderia voltar com ela em um ônibus de viagem para meu aniversário de morte. E, antes que se pergunte, não. Ela não pode me ver e não podemos nos tocar, falar ou interagir, mas ainda posso vigia-la, guia-la e protegê-la.
O caminho até Seoul é extremamente maçante e solitário e a espera na funerária para ver Chaeryeong vestida de preto, por alguns minutos, recitando palavras que apenas fazem me lembrar da vida que tive, talvez seja mais longa e solitária ainda....
Já fazem sete anos, e nesses sete anos a vigiei em Busan e repetindo este mesmo ritual no dia de minha morte todos os anos... A vi tocar sua vida e seguir em frente. Se tornar feliz em Busan com outras pessoas as quais jamais terei o prazer de me apresentar ou ter uma conversa, pois os mortos não falam.
Claro, ainda tenho minha voz. Às vezes converso com as paredes ou lápides do cemitério onde fui enterrada, apenas para relembrar o som de minha voz e que ela ainda existe. Ainda assim, seu som soa etéreo e sombrio....
Após algum tempo de devaneios, me vejo cercada por uma multidão na qual não posso tocar ou interferir. Não faço diferença.
Estou no centro de Seoul. O coração da capital coreana...
A multidão pulsa e flui como sangue, cada indivíduo uma hemácia, e eu nem se quer a cartilagem. Como já disse: não faço diferença e também não faço questão.
Apesar de estar no meio de uma multidão, é como se eu andasse em uma rua deserta e a tivesse apenas para mim.
Às pessoas atravessam meu corpo etéreo.
Não me sentem e eu não as sinto.
Eu poderia correr, pular, gritar, me atirar na frente dos carros, no meio do trânsito e nada faria diferença. Eu entendo bem isso pois é o resumo das coisas que fiz quando morri, quando não aceitei que morri.
Continuei atravessando os corpos até que me esbarrei em alguém.
Talvez outra alma perdida, andamos tão indiferentes depois de estarmos assim a algum tempo que esbarrões são frequentes, então segui em frente.
Mas a garota não.
Ela se virou e me pediu desculpas, algo que não ouvia há quase sete anos, então resolvi virar para encarar a garota de voz doce e sotaque japonês carregado.
Ela não era um fantasma, não tinha o brilho e translucidez etéreos que nos costumávamos ter. Era sólida.
Ela interferia.
Ela importava.
Fazia diferença na vida das pessoas ao redor.
Assim como um dia eu já fiz. Como parei a vida de pessoas quando me feri no acidente que me matou.
Mas então meu corpo foi enterrado, e com ele minha influência no mundo.
A garota me encarou por uns breves segundos, talvez observando quanto éramos diferentes, e então seguiu seu caminho.
E eu, o meu.
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Heaven Is A Place Full Of Nothing - ChaeKura [EM HIATUS]
Fanfiction"Os filmes ensinam que, quando morremos, não vemos nada, exceto um luz branca forte. Não é isso o que acontece. Bem... Talvez seja, com pessoas que morrem e vão para o além, seja lá onde for. Mas, comigo, não foi assim... Eu pude ver meu sangue, luz...