As palavras que Sakura me dissera na cozinha, por mais que tivessem me motivado na hora, me deixaram atordoada assim que seu peso caiu sobre mim.
Quando alguém morre e não atravessa, sua alma se dissipa.Tornei a voltar para o pequeno cômodo ambientalizado assim que saímos da cozinha.
Percebi que, ao sair, Sakura desligou as luzes e trancou o consultório. Não para me impedir de sair, pois não adianta, mas para impedir qualquer outro intruso indesejado de entrar.Me mantive inerte no cômodo durante algum tempo, horas provavelmente, mas estava sem quase nenhuma noção de tempo enquanto tudo que minha mente fazia com o resto de consciência humana que me sobrava era repetir as palavras de Sakura varias e varias vezes, como uma música na qual você se vicia na primeira vez que ouve, toca-a varias vezes, mas logo se cansa, porém a mesma toca infinitamente em seu cérebro como uma doença.
Séria essa a sensação que eu descreveria naquele momento, caso me fosse perguntado: doente.
Era como se minha mente girasse ao redor das palavras de Sakura como a Lua gira ao redor da Terra, ou a Terra ao redor do Sol.Como se eu já devesse estar esperando, meus devaneios não me levaram a lugar algum.
Eu continuava orbitando as palavras de Sakura em infinitas voltas que nunca resultavam em nada, estagnada em um pensamento que não prossegue.Em meio minha inércia, apenas notei a chegada da cartomante quando a mesma abriu a porta do cômodo e assendei sua luz.
— Como está se sentindo, querida? – ela perguntou ao meu rosto duro e vazio
— Igual... – foi minha resposta, na mesma voz vacilante que a algum tempo tento consertar
— Entendo... – sua expressão revelou o desapontamento que sentiu pela minha não mudança de humor – Bom, por que não vem comigo. Quero tentar algumas coisas com você.
Sua voz era doce. Suas palavras não expressavam maldade, apenas curiosidade. Em qualquer outro tom de voz aquilo pareceria ameaçador, como se eu fosse apenas um objeto de estudo, mas não o seu tom de voz.
A segui para a mesa de madeira clara no centro do ambiente, lá ela pediu que eu ficasse sentada sobre um dos bancos e virou-se para seu pequeno expositor de ervas secas.
Tirou de lá varias plantas que eu não conhecia, ou simplesmente não sabia reconhecer por sua aparência ressecada, colocou a todas frente a mim, sobre a mesa, e voltou-se para a horta de ervas frescas e viçosas, da qual tirou outro bocado de ervas vaiadas e as dispôs a minha frente na mesa.
Ela não me explicou quais ervas eram é nem o que faríamos, apenas pediu que eu fosse paciente e aguardasse a vinda de Sakura.Durante o meio tempo que estive parada frente às ervas, secas e recém-colhidas, fiteiras tentando imaginar para que serviriam.
O padrão no qual estavam dispostas era desconexo, as secas se misturavam as frescas e algumas chegavam a se amontoar sobre outras, não a ponto de formar pilhas, mas o suficiente para encobrir algumas que ficavam por baixo.A porta foi aberta quase ao fim do pôr-do-sol, o que não resultou muito tempo de espera, visto que a cartomante havia chegado pouco antes do mesmo se iniciar, e Sakura entrou com a luz vermelho-alaranjada banhando suas madeixas ruivas.
Posso já ter perdido a percepção do que é ou não bonito, pois não vi muitas coisas bonitas em minha morte e, muito menos, em minha vida, mas, com a pouca certeza que ainda posso ter, aquela fora a cena mais bonita que já vira. O halo quase dourado ao redor de Sakura conferia-a um ar quase angelical.
À medida que se aproximada de nós, o halo se dissolvia ao seu redor tornando a mais humana novamente.
Mesmo com o pouco tempo que fazia que eu estava aqui, já sabia que o consultório da cartomante encerrava seu dia junto com o Sol, no entanto, naquele dia, as estrelas e a Lua foram à luz que guiou a nós três no exercício da teoria que a cartomante queria testar.
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Heaven Is A Place Full Of Nothing - ChaeKura [EM HIATUS]
Fanfiction"Os filmes ensinam que, quando morremos, não vemos nada, exceto um luz branca forte. Não é isso o que acontece. Bem... Talvez seja, com pessoas que morrem e vão para o além, seja lá onde for. Mas, comigo, não foi assim... Eu pude ver meu sangue, luz...