Death Is Near

282 49 31
                                    

Uma semana já se passou.
Conforme a cartomante havia dito, continuamos tentando fazer com que eu pudesse levitar coisas durante a semana, sempre tomando cuidado com o tempo para não prendermos Sakura no consultório durante a noite novamente.
Uma semana se passou e nada.
Talvez eu ainda estivesse muito fraca. Meu espírito não é tão forte quanto Sakura pensa.
Ou talvez eu só não seja tão concentrada quanto necessário.

Todos os dias que eu falhei, Sakura me tranquilizou dizendo que ela também levou muito tempo para aperfeiçoar sua percepção espiritual.
Foi quase um ano, descobri, para que ela pudesse enxergar almas como eu.

Sakura tem aula hoje, assim como na maioria dos dias, e a cartomante tem seus clientes fiéis a visitando. Nenhuma das duas pode ficar 24 horas por minha conta, me vigiando, ajudando, tomando conta.
Às vezes me sinto uma criança em processo de alfabetização com elas por perto, gosto de sentir como deve ser crescer uma criança com vida boa e feliz, sem muita responsabilidade ou medo, só curiosidade. Mas também gosto dos momentos de solidão, me fazem voltar a mim. À minha realidade.

Decidi sair do consultório pela primeira vez em dias.
Retomar velhos hábitos de vagar sem rumo por Seoul, com a diferença de que agora eu tinha um local para o qual voltar onde sentiriam minha falta.
Ou, ao menos, eu gosto de pensar assim.

Andando pelas ruas do centro, sempre sem interferir, acabei avistando fios ruivos conhecidos.

Sakura.

Ela estava com seu uniforme escolar e parecia estar mesmo a caminho do colégio.
Como ela não me viu, resolvi segui-la fora de seu campo de visão, sempre tomando o cuidado de haver algum vivo ou algo sólido entre sua visão e eu, para o caso de ela olhar para trás.
Estava curiosa sobre sua vida.

Segui Sakura por algumas ruas, vendo-a conversar com as amigas mas sem conseguir entender o assunto, o barulho da rua era muito alto e confuso para de discernir algo específico na distância em que eu me encontrava. Ainda assim elas pareciam animadas com algo.

A animação não durou ao entrarmos na rua da escola.
Havia uma enorme comoção frente ao portão da escola, que dava direto no prédio principal.
Várias adolescentes tinham seus telefones grudados aos ouvidos, falando rápido, em pânico. Outras digitavam alguns poucos números e logo passavam a falar no telefone também.
Algumas outras olhavam para o alto e gritavam, descordenadamente, coisas aleatórias que não pude discernir.

Olhei para cima, para onde eram direcionados deus gritos ininteligíveis.

No alto do prédio principal, o mais alto entre todos, percebi de cara, estava uma garota.
Apesar da distância pude perceber que era bem bonita, mesmo com os olhos inchados de choro, ainda com rastros de lágrimas em seu rosto, e expressão de pânico.

Quando tornei a olhar para baixo, para a multidão, já não via mais Sakura. Ela havia entrado para o meio da multidão e eu a havia perdido.

。・°°💮°°・。

Nunca imaginei que veria uma cena dessas, mas nós nunca imaginamos que esse tipo de coisa vá acontecer com as pessoas próximas a nós.

Minju, uma garota que estudava na mesma turma que eu e de quem eu estava começando a me aproximar, estava de pé na beirada do telhado do prédio principal do colégio. Eu não imaginava como ela teria chegado lá e nem queria fazê-lo.

Antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa, EunBi estava se lançando contra a multidão tentando alcançar o centro da multidão. Hitomi, Yuri, Nako e eu a seguimos.

Não era segredo para nenhuma de nós que EunBi estava gostando de Minju e estava apenas aguardando pelo momento certo para se declarar para ela.
As duas eram muito próximas e o que sinto no momento, ao presenciar esta cena, não deve ser nem metade do quão apertado deve estar o coração de EunBi.

Chegamos ao centro em poucos minutos e EunBi se pôs a gritar, assim como tantas outras, para que Minju não fizesse nenhuma besteira.

Assim como muitas outras, minha primeira reação foi tirar meu celular da bolsa e ligar para os bombeiros que se quer atenderam minha ligação. Na sequência fiz também chamadas para a polícia e para o SAMU. Todas rejeitadas. Ao olhar ao redor entendo que, talvez, todos já estivessem sobrecarregados de mais para atender ao meu telefonema.

Enquanto EunBi continuava a gritar, uma outra garota, que eu nunca tinha visto e que, pelo uniforme, não era daqui e cursava ainda o fundamental, surgiu do meio da multidão.
Ela era um pouco maior que eu e seu rosto demonstrava uma preocupação tão grande quanto a de EunBi. Talvez maior.

—Unnie!! – ela berrava – Desce daí! Eu sei que sua vida está horrível, mas esse não é o jeito certo de resolver. – Seus olhos brilhavam com lágrimas que ela parecia se esforçar para não deixar cair –Se você descer eu juro que damos uma jeito. Juntas! – seus gritos eram cheios de dor e esperança.

。・°°💮°°・。

Minha irmã gritava.
Eu sabia que não devia fazer isso, não devia deixá-la dessa forma, mas, querendo ou não, ela estaria melhor sem mim.
Seu pai não brigaria tanto por ela me defender e nossa mãe sofreria menos com seus acessos de raiva que deveriam ser direcionados única e simplesmente à mim.

Minha vida nunca foi um mar de rosas. Já mais seria.
Meu pai abandonou minha mãe quando soube que ela estava grávida de mim e o homem com quem ela se casou me detestava. Principalmente depois de WonYoung nascer. Sua filha biológica.
Eu sou apenas a bastarda.
Não culpo Wonie por isso, ela é apenas uma criança, e é sempre tão boa comigo. Ela e minha mãe são muito carinhosas comigo e eu as amo muito.
Amo-as a ponto de fazer essa grande besteira.

O único jeito de fazê-las felizes é partindo para sempre. Saido de uma vez por todas da vida delas é da família Jang.
O único jeito de fazê-las felizes é morrer.
Mesmo que elas fiquem tristes nos primeiros momentos, sei que irá passar.

Enquanto WonYoung gritava, eu tive tempo de olhar uma ultima vez para vários rostos de pessoas com quem jamais conversei ou tive qualquer contato, e jamais teria.
Entre os rostos vi Kwon EunBi, ela foi uma grande amiga, deixou alguns dos meus dias mais suportáveis.

—Me perdoa, Wonie! – gritei, as lágrimas tornando a escorrer por meus olhos – Eu sinto muito!

Me virei de costas para todos e andei pra trás com calma, me aproximando da beirada. Parei ao ver o chão parar pouco depois de onde meus pés estavam.

Dizem que nossa vida passa como um filme por nossos olhos quando estamos prestes a morrer, então fechei meus olhos bem apertados antes de cair, não estava disposta a rever minha vida errada, mesmo que por outro ângulo.

Enquanto o ar passava por mim, fiz questão de manter na memória os rostos sorridentes de minha mãe, WonYoung e EunBi.
Deixei um sorriso melancólico se instalar em meus lábios.
Se iria morrer, pelo menos morreria com meu coração tranquilo, sabendo que daria fim, não só ao meu sofrimentos, mas também ao das duas pessoas mais importantes em minha vida.

。・°°💮°°・。

A garota bonita no topo do prédio havia acabado de abrir os braços. Estava de costas para todos que estavam ao redor.
Eu me aproximava de pouco a pouco, passando pelas estudantes sem interferir.

Ouvi uma garota gritando, pedindo a irmã que não fizesse aquilo mas a garota não deu ouvidos e se deixou tombar para trás, como nos exercícios de confiança em que você se deixa cair para que alguém atrás de você lhe pegue e levante, porém no caso dela não havia ninguém pra segurá-la.

Naquele momento, vendo-a cair e ouvindo a irmã gritando pela vida dela, eu desejei mais que tudo ter a força suficiente para levitá-la e mantê-la viva.

Infelizmente não tive tempo suficiente para adquirir esse poder.

Heaven Is A Place Full Of Nothing - ChaeKura [EM HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora