Por mais que apreciasse a companhia de Sakura, não entendia a necessidade de sua presença ali.
Ao que entendi pelas explicações dadas pela cartomante, a mesma queria testar minha interação com as coisas do mundo vivo. Queria testar a força do meu espírito.
Já tínhamos consciência de que eu podia segurar objetos pequenos e leves com minhas próprias mãos, como acabei por fazer com as ervas quando me foi pedido que as erguesse, mas ela queria outra coisa.Chamamos de fenômeno poltergeist quando objetos levitam por chamadas forças sobrenaturais.
Pelo que a cartomante me explicou, almas presas, como a minha, usam dos mais leves efeitos desse fenômeno para chamar atenção de quem não os enxerga e pedir ajuda. Por outro lado, almas condenadas o usam em larga escala para atormentar os vivos, apenas para escapar do tédio eterno de suas punições pós-morte.À cartomante disse para que eu canalizasse minha energia dentro de mim e a deixasse exalar por todos os poros.
Novamente, Sakura me trouxe um copo com o líquido roxo, um chá feito por ervas de coloração verde que, por algum motivo desconhecido, ganham essa cor roxa vívida quando preparadas juntas, e me aconselhou que o tomasse devagar.Após tomar um gole da bebida que desceu como ácido por minha garganta, a cartomante e Sakura pediram que eu tentasse mover as ervas novamente, dessa vez sem utilizar as mãos.
Eu não sabia se funcionária, mas resolvi tentar o óbvio.
Cheguei meu rosto próximo ao lugar onde as ervas repousavam e soprei, fazendo ar sair debilmente pelos meus lábios, se é que isso é possível.
Talvez meu "senso de humor" não tenha se esvaído e estivesse intacto, ou talvez completamente danificado, dependendo do ponto de vista...Recebi um olhar feio de Sakura, mas a cartomante me parabenizou.
Fazer o ar se dobrar a minha vontade para mover as ervas, mesmo que elas não tenham se movido mais do que alguns milímetros, já fora um grande avanço. Principalmente considerando que as ervas da cartomante atravessaram minhas mãos e caíram sobre a mesa em menos que alguns segundos na última tentativa.Ela pediu, então, que eu tentasse novamente, dessa vez pediu que eu seguisse suas instruções anteriores: canalizar minha energia, concentrá-la, deixar que exalasse pela minha alma.
Conforme as tentativas fracassadas iam sendo feitas, a noite ficava mais e mais escura. As ruas cada vez mais silenciosas.
Eu não conseguia, de forma alguma, fazer levitar se quer uma folha daquelas ervas, cuja até as colhidas hoje já estão um pouco secas.De repente, um barulho estranho preencheu o ambiente silencioso.
O celular de Sakura tocava uma música, em japonês, pude perceber.—Alô – ela atendeu e ficou apenas ouvindo-o por alguns instantes, até que, enfim, voltou a falar – Eu sei... Eu sei... Estou no consultório da Madame Yun, acho que vou passar a noite aqui. – Ela lançou um olhar à cartomante, que apenas assentiu – É, eu vou ficar aqui... Volto pra casa amanhã de manhã. Então tá, Mimi. Até amanhã. – ela desligou a chamada, mas ainda encarou o telefone por alguns segundos até falar de novo – Já é quase meia-noite... – Seu olhar passou por mim e se demorou na cartomante.
—Melhor dormir – A cartomante olhou para mim – Temos que tomar cuidado com a energia de Chaeyeon, não podemos exaurí-la... Volte ao quarto que lhe mostrei ontem e descanse, está bem. Continuamos tentando durante a semana.
Eu me levante e fiz apenas um pequeno aceno de cabeça. Sem me despedir, segui para o quartinho ambientalizado, me deitei e fechei os olhos, fingindo dormir.
Às vezes eu gostaria de poder relembrar a sensação...Durante algum tempo ouvi os barulhos que a cartomante fazia ao arrumar um lugar, travesseiros e cobertores para Sakura dormir.
Depois cessaram.
As luzes foram apagadas e fiquei novamente imersa em um silêncio penetrante, ensurdecedor e incômodo.
Uma noite que, se eu fosse viva, seria como uma noite se insônia.
Mas fantasmas não tem sono, então não podem ter falta dele.
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Heaven Is A Place Full Of Nothing - ChaeKura [EM HIATUS]
Hayran Kurgu"Os filmes ensinam que, quando morremos, não vemos nada, exceto um luz branca forte. Não é isso o que acontece. Bem... Talvez seja, com pessoas que morrem e vão para o além, seja lá onde for. Mas, comigo, não foi assim... Eu pude ver meu sangue, luz...