A luz do cômodo principal foi acendida de repente, pude ver pela porta aberta.
Imaginei que a cartomante havia voltado e me surpreendi ao ouvir uma voz feminina, mais aguda e doce, chamando pela mesma.Me levantei do quartinho ambeintalizado no qual eu havia passado o dia todo tentando, sem sucesso, entender o que a cartomante disse em nossa última conversa, e me dirigi à porta.
Ao colocar meu rosto para fora me deparei com a face cercada por madeixas ruivas da garota Miyawaki Sakura, a tal "aprendiz" da cartomante.
Ela não estava sozinha.
Haviam três outras garotas com ela, morenas e castanhas.
—As luzes estavam apagadas Sak. – disse a menor e mais fofa entre elas. Seus cabelos eram negros, olhos definidos de forma amendoada e bochechas acentuadas. – Acho que ela não tá...
—A gente não devia ir embora, então? – disse outra, de cabelos castanhos, quase tão fofa quanto a outra – Acho que entrar sem permissão e sem o dono da casa estar é caracterizado como invasão...
—Ela saiu... – disse Sakura – Pediu pra mim passar aqui e verificar uma coisa, depois da aula.
—Ela devia estar aqui pra te dar aula desse troço de percepção espiritual que você tanto fala. – disse a maior, também de cabelos negros, porém com os traços do rosto mais esculpidos e bem definidos, ela parecia irritada.
No momento seguinte, Sakura pareceu me ver na porta.
—Eu juro que não demoro EunBi – disse para a morena alta – Esperem aqui, ok.
As três concordaram, mesmo que a tal EunBi parecesse impaciente e contrariada, então Sakura caminhou em minha direção.
Voltei pra dentro do quarto.
Imaginei que ela não quisesse ser vista "falando com as paredes" e eu, pelo pouco senso que me resta, nunca a faria passar por uma coisa dessas.Não muito tempo depois ela passou pelo batente da porta do cômodo ambeintalizado.
—Como está, Chaeyeon? – sua mão se projetou para cima e parou no meio do movimento, como se quisesse tocar minha testa para checar minha temperatura e, então, se lembrou que não podia. Se pudesse seria, certamente, um toque frio.
—Estou. – fiz o possível para projetar minha voz firme, mas ela pareceu soar vazia e sem emoção.
—Tem certeza? – ela pareceu não acreditar em minha palavra, mas continuei sem muita reação – Se alimentou, como Madame Yun disse para fazer?
Neguei levemente com a caneça.
—Por que? – ela perguntou. Não entendi por que, mas parecia se preocupar comigo, talvez ela soubesse o que aconteceria no caso de eu não me alimentar e talvez não seja bom...
—Não sai do quarto
—Está se sentindo fraca? – sua mão veio em minha direção de novo e, novamente, parou no meio do movimento, se deixando cair ao lado do corpo de Sakura.
Neguei com a cabeça mais uma vez, não queria preocupá-la, ainda assim Sakua soltou um suspiro não muito satisfeito.
—Como está? Me diga verdade, em detalhes, por favor.
Descrevi pra ela como estava, ou achava que estava: pensamentos turvos, sensações nas juntas (o que, para mim, era estranho, já que não sinto meu corpo, ou melhor, alma, desde que morri), entre outras coisas, que não me eram tão estranhas.
Sakura, que permanecerá calada, de braços cruzados, me ouvindo, soltou outro suspiro e saiu, ainda de braços cruzados, daquele cômodo.
Eu a segui, já tendo em mente o possível lugar onde iria.
Ela parou diante da plantação caseira de ervas da cartomante e colheu algumas, seguindo então para a cozinha.
Em poucos minutos, ultilizada apenas suas habilidosas mãos e o velho fogão da cartomante, Sakura transformou as ervas verdes em um caldo roxo brilhoso, transferiu o líquido para um copo de madeira polida e segurou na minha frente, esperando que eu o pegasse para beber.
Minha mão pairou alguns centímetros de distância do copo e eu passei a encará-la, temendo não conseguir segurá-lo e acabar jogando o trabalho que Sakura teve chão afora, dando-a ainda o trabalho de limpar minha bagunça.
Com movimento repentino, Sakura depositou o copo sobre a bancada ao nosso lado e me encarou firmemente.—Você não é uma alma fraca, Chaeyeon, eu sei disso. Mas, ouça, até os fortes precisam de cuidados, às vezes. Você deve aprender a aceitar e se empenhar para que dê certo de vez em quando. Eu entendo que você esteja morta e que, talvez, nada mais faça sentido para você, mas você não pode simplesmente jogar suas chances fora assim! – ela fez uma pausa, olhando no fundo dos meus olhos – Você ainda está aqui por algum motivo, Chaeyeon. Não sei se a madame Yun lhe contou ou não, mas a maioria dos espíritos se dissipa em poucos meses se não atravessa ou tem o devido cuidado. Os que têm mais sorte podem alcançar um ano ou dois... Ninguém jamais alcançou sete, Chaeyeon. Não desperdice essa chance...
Essas palavras fizeram efeito real em mim, mas ao invés de encará-la, voltei a encarar o copo, agora pousado sobre a bancada de madeira escura.
Levei minha mão até o copo e, com grande receio de atravessa-lo, fechei-a ao seu redor.
Esperei alguns segundos para ter certeza de que estava firme e então o ergui até a minha boca e bebi o líquido roxo de uma única vez.
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Heaven Is A Place Full Of Nothing - ChaeKura [EM HIATUS]
Fanfic"Os filmes ensinam que, quando morremos, não vemos nada, exceto um luz branca forte. Não é isso o que acontece. Bem... Talvez seja, com pessoas que morrem e vão para o além, seja lá onde for. Mas, comigo, não foi assim... Eu pude ver meu sangue, luz...