Jogamos verdade ou desafio ao som de Don't Go Breaking My Heart

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Certo, nós programamos tudo. Na teoria, teletransportar direto para o Kansas, seria melhor, mas eu nunca tinha tentado nada parecido. Era arriscado. Então Nós decidimos ir andando até a rodoviária mais próxima, pegar um ônibus direto para Lawrence e dormir na pousada mais próxima da casa dos Winchester, aí no dia seguinte a gente resolvia tudo e tudo daria certo no final.

Alguém quer perguntar se deu certo no final? Não? Tudo bem, continuando.

Nós andamos por mais ou menos cinco quilômetros e aproximadamente uma hora de Alex reclamando que estava cansado. Decidimos inverter a ordem, arranjar algum lugar para dormir e depois seguir viagem. Achamos um motel, o Motel Só Love, que ficava do lado de uma balada de gente da meia idade e foi a coisa mais assustadora que eu já vi na minha vida inteira.

Vamos esclarecer algumas coisas antes. O motel tinha cheiro de mijo, cerveja seca e cigarro, o tapete da recepção tinha uma mancha muito suspeita e muitos sons estranhos também. Quando o recepcionista barrigudo viu nós cinco entrando, deu uma tragada no cigarro, pegou três chaves de quarto e perguntou:

- Quantas e quanto?

- O que? - nós falamos ao mesmo tempo. O cara ficou muito irritado de ter que explicar

- Quantas chaves e quanto tempo vão ficar aqui?

- Duas chaves. Três e duas camas. - respondi

- Uma noite, eu espero - Alex respondeu meio horrorizado com a mancha suspeita no chão. O recepcionista jogou as chaves para mim e disse que o pagamento era na hora. Entregamos um monte de trocados que juntamos e saímos.

Nós tentamos subir as escadas sem prestar muito a atenção nos gritos e barulhos ritmados... Vocês entenderam o que eu quis dizer. Jogamos as malas e os sapatos nos quartos e nos reunimos no corredor. A ideia era relembrar o plano, mas minha irmã achou melhor não:

- Gente, - ela chamou - nós já sabemos o que vamos fazer. Não vai ser bom para ninguém ficar retomando várias e várias vezes.

" É, você tem razão" Mike concordou " Que tal fingirmos que somos adolescentes normais que simplesmente fugiram da escola?"

Era tentador. Nós nos juntamos no quarto das meninas, Alex foi na lojinha do lado do motel para roubar algumas garrafas de bebida, por que nós éramos adolescentes menores de idade desesperados para afogar as mágoas em álcool. Até Di e Mike concordaram em beber um pouco.

- Eu posso arranjar um baralho, nós podemos jogar truco. - Ruby sugeriu, mas ninguém mais sabia jogar truco. 

- O que acham do bom e velho verdade ou desafio? - Alex falou, eu não queria, mas os outros aceitaram então eu também disse que tudo bem. Veja bem, eu não jogava verdade ou desafio desde o oitavo ano, foi quando eu perdi o meu bv e acordei seminu no campo de golf de alguns speciallis, mas eu fingi que nem lembrava disso e Ruby girou a garrafa. Caiu na Di.

- Verdade ou desafio? - ela perguntou

- Desafio.

- Quero que você beba três copinhos de vodka. - Ruby sabia que Di não queria, mas era o jogo, então ela bebeu e nem reclamou. Minha irmã tinha medo de que os poderes dela saíssem do controle e alguma coisa ruim acontecesse, só porque os nossos primos mais velhos contavam histórias horríveis sobre telepatas que bebiam um pouquinho e saiam queimando o cérebro das pessoas na rua, mas ao longo dos anos a gente percebeu que ela só ficava alegre quando bebia. Vez ou outra, uma vaso decidia quebrar sozinho ou a voz dela ecoava na sua cabeça, mas era só isso.

O jogo continuou, demos umas lambidas na sola do sapato ou no ralo da pia, batemos na porta dos vizinhos que estavam "ocupados" e depois saíamos correndo, pedimos esmola às pessoas que saiam da boate. Quase nunca alguém escolhia verdade, até que Ruby e eu escolhemos.

- Verdade. 

- É verdade que as meninas olham para a bunda dos meninos? - perguntei. Quando Lexie me encontrou na clareira, eu tive a leve impressão de que ela estava encarando os meus gluteus maximus.
Ruby e Diana se olharam e responderam "com certeza" , ao mesmo tempo

- Cara, eu me sinto muito invadido agora

- Nem é como se a gente soubesse exatamente como é isso - Di respondeu e elas deram um high five.

- É tipo uma compensação histórica - Ruby completou.

Giramos a garrafa e caiu em mim. O titio Jace escolheu verdade

- Maior mico da infância. - Alex deu um berro desengonçado quando falou e nós rimos

- Eu era gago. Não tipo Gaguinho, eu só tropeçava nas palavras.

- Ai, deuses! Você era gago! - Ruby caiu no riso, mas depois parou para tomar um gole de alguma coisa azul - Mas você não tem mais problemas de fala, evidentemente

- Anos de fonoaudiólogo serviram de alguma coisa - dei de ombros. - Quando eu era pequeno, eu queria ser perfeito para o meu pai, certo? - eles fizeram cara de deboche - Todo mundo nesse quarto tem daddy issues e em algum momento tentou agradar os pais, não falem nada. Enfim, era meio controverso, porque meu pai queria que eu fosse um grande líder de ótima lábia e tudo, mas isso era meio difícil. Eu dizia que muita gente era gaga, tinha até um rei, o Jorge VI, o cara era o meu ídolo. Aí ele achava que ele mesmo podia consertar o meu problema. Alguém quer perguntar se deu certo? Não? Ok. - o ar não ficou pesado. Nós éramos experts no quisto ser sacaneado pela vida -  Minha vez de girar. Alex, verdade ou desafio?

- Desafio.

- Não seja covarde.  - reclamei

"Toma um pouco de coragem líquida" Mike insistiu.

Alex deu um gole e respondeu:

- Certo, verdade.

- Porta aberta. Posso perguntar uma coisa delicada, Alex? - Ruby pediu com tanta delicadeza que Alex deixou - Como foi contar para os seus pais?

- Cara, é complicado. Eu tenho um relacionamento até que saudável com a minha família, comparado com vocês, esquisitões. Mas, tipo, eu contei para a minha irmã primeiro. Aí ela super apoiou e tudo. Antes das aulas começarem, a minha mãe entrou no meu quarto perguntando se eu era gay, e eu disse que sim. Ela não ficou exatamente radiante, ela ficou um pouco chateada, e não foi porque eu não participo dos padrões heteronormativos, mas porque a vida vai ser foda.

- E seu pai? - perguntei

- Ah, não, para esse aí eu não contei. O cara me assusta.

- É, você com certeza tem um relacionamento familiar mais saudável que os nossos. - Ruby brincou - Crianças, não sei se estão de acordo comigo, nada obstante estou morrendo de sono e amanhã vai ser um dia ímprobo e laborioso.

Quando Ruby ficava alta, ela começava a falar difícil. Eu precisei de muito esforço para entender que ela estava com sono e que amanhã seria difícil.

- É claro, senhorita, mas com uma condição. - falei. Eu tinha certeza que estava sorrindo como um bobo, podia ser o álcool ou simplesmente eu - Me concede essa dança?

Na boate ao lado, estavam tocando Mr. Blue Sky, do Electric Light Orchestra, no volume máximo. Era praticamente a única outra música dos anos 70 que eu conhecia sem ser as do Elton John, e eu só conhecia por causa de Guardiões das Galáxias. Talvez fosse o álcool ou simplesmente uma referência a um dos melhores filmes da Marvel, Ruby aceitou a dança. Dois segundos depois, Di estava dançando com Mike, que depois me contou que não precisava de música para dançar com ela e depois Alex pegou um travesseiro e se juntou a nós.

Quando estávamos quase indo embora, começou a tocar Dancing Queen, dançamos e continuamos no quarto por mais duas músicas do ABBA, dessa vez no chão.
É ABBA, cara. Ninguém pode não dançar ABBA.

Quando estávamos na porta, Ruby me chamou, me beijou e depois me deu boa noite. Foi um bom beijo. Eu não digo isso porque eu tenho eu tenho uma masculinidade frágil e não demonstro sentimentos, já que é isso que a sociedade espera de mim. Eu digo isso porque foi realmente bom, eu não sei descrever esse tipo de sentimento, mas foi como... Não eram várias faíscas, era mais uma chama lenta e constante. Estar com a Ruby era reconfortante, acabava com o caos  dentro da minha cabeça e no mundo real. Faz sentido?

Foi um ótimo jeito de encerrar a noite. A calmaria antes da tempestade. E isso foi desnecessariamente dramático e enigmático, mas eu amo vocês, tá?

Jace Norman, o Nihil PropriumOnde histórias criam vida. Descubra agora