Senhoras e senhores, minha tataravó, também conhecida como Kyoshi

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Depois de comer uns nuggets com o Alex, que antes de ir para o dormitório, delicadamente me perguntou se eu estava bem o suficiente para ficar sozinho, sem que eu me sentisse um maluco, e perceber que a festa já tinha acabado, mandei uma mensagem para Ruby, pedindo desculpa por ter sumido. Eu não ainda sabia se eu queria contar para ela, nem para a minha irmã do meu episódio. Droga, eu nem sabia se eu queria contar para a enfermeira sobre aquilo. Quer dizer, eu sabia que era importante, que com esse tipo de coisa não se pode só ir empurrando com a barriga, até ficar pior, mas eu me sentia completamente derrotado e impotente. 

Eu mesmo estava me sabotando? Que coisa mais estúpida. Eu tinha um genocídio para lidar e lá estava eu, com uma saúde mental decadente. É, eu tinha que dar um jeito naquilo, mas podia esperar o ataque à sede dos Norman, se alguma coisa desse errado e eu morresse, eu não teria que atrapalhar e preocupar mais ninguém. Eu podia aguentar uma semana e se eu sobrevivesse ao plano maluco que o Alex tinha bolado para invadir a minha casa em NY, eu procuraria ajuda. 

Não tenho certeza de por quanto tempo eu fiquei vagando pelo campus, porque quando eu me dei conta, eu tinha me teletransportado para o... Como eu posso chamar aquilo? Que tal, o Mundo Invertido? Não, muito Stranger Things. Eu vou chamar de Mundo Negativo, porque parecia uma foto em negativo. 

Certo, então, eu estava no Mundo Negativo. Tudo parecia estar em câmera lenta e tinha um zumbido irritante, que eu não tinha reparado na primeira vez, até que descobri que na verdade não era um zumbido, era a voz de alguém me chamando. Da primeira vez que eu tinha me teletransportado para aquele lugar, eu não tinha ouvido barulho nenhum vindo do mundo de verdade.

- Oi. - alguém surgiu atrás de mim. Era uma mulher, não devia ter mais de 25 anos e parecia ter saído de algum filme Nanny Mcphee. O cabelo escuro estava preso em um coque, que só de imaginar como foi feito, já me cansava, e um vestido comprido e liso. Isso mesmo, senhoras e senhores, minhas habilidades descritivas nunca melhoram! - Jace, certo? Meu nome é Mary Ann e eu sou sua tataravó. Com mais uns 500 tatara na frente.

- Ahn... Oi, Mary Ann. - há essa altura, eu já deveria ter me acostumado com coisas estranhas acontecendo na minha vida, só que isso já era um pouco demais. - Olha, eu não quero parecer indelicado, moça, então eu vou pedir com jeitinho: você se importa de, sei lá, explicar um pouco mais?

- Ah, claro. - ela se sentou no chão e acenou para eu fazer o mesmo. Bom, eu não queria aborrecer a minha tataratataratatara... Eu não queria aborrecer a moça, pronto - Certo, eu sou a primeira jumper, aquela da história de amor proibido entre os filhos de dois generais, lembra? Da Batalha de Wagner, seu bobinho.

- Eu vou tentar não ser indelicado, de novo. Isso vai ser difícil, mas... Você não deveria estar, não sei, morta?

-  Você ainda é novo nessa coisa, eu deveria ter imaginado. - ela fez uma pausa, como se fosse explicar uma coisa muito simples para uma criancinha. Trinquei os dentes e continuei esperando uma resposta direta. - Desculpa, eu passei os últimos dezesseis anos sem falar com ninguém, eu estou um pouco enferrujada. Você sabe como o teletransporte funciona? Cientificamente falando - fiz que não com a cabeça - Você se destrói, literalmente se desintegra. Seu corpo vem para cá, que seria tipo o Reino Quântico, daquele filme que você assistiu de super-heróis. 

- Como...? - tentei, mas ela me cortou e eu bufei em resposta

- Eu já chego lá.  Aqui não existe tempo, nem distância, por isso quando se sai daqui, você aparece em outro lugar. Quando meus filhos eram pequenos, os Wagner e outros tracto metal vieram nos caçar, porque os jumper são uma raça impura e tudo isso. Meu marido já tinha morrido e eu deixei meus filhos com os telepatas, amigos dos meus pais. Eu decidi ficar aqui, me desintegrei do mundo real e fiquei onde não tem tempo, para orientar os futuros jumpers. Eu acompanhei o mundo exterior para ajudar todos os seus antepassados, quando eles apareciam. Entendeu?

- Um pouco. Espera, você conheceu meus pais? - era estúpido. Eu sei que eu tinha dado um mini piti com a Diretora só por causa deles, eu simplesmente não queria a falsa piedade dela e nem escutar uma desculpa mal bolada defendendo tudo aquilo pelo "bem maior". Não queria que a Diretora Hills relembrasse os momentos de nostalgia, acima de tudo eu me irritava com o fato dela simplesmente ter me jogado na casa dos Norman, sabendo de tudo que eu poderia passar com aqueles extremistas. Ainda assim... Agora que eu estava no Mundo Espiritual (ou qualquer coisa do gênero), eu podia me dar o luxo de saber um pouco mais sobre a minha família.

- Conheci seu pai, ele era um jumper. Sua mãe que te deu a habilidade do transporte temporal. - ela fez uma pausa, como se estivesse escolhendo as melhores palavras - Eu entendo a sua frustração, Jace. De verdade. Meus pais, mesmo que involuntariamente, me empurraram para essa história de Rebelião. Eu fui a primeira jumper, você imagina a pressão que o submundo colocava nas minhas costas. Muita pressão e sacrifício. Por mais que eu quisesse ter ficado com os meus filhos, não era a decisão certa. O que mais importa não é o que fizeram com você, e sim como você lida com isso. Vingança não compensa.

Ah, então a gente já tinha evoluído para aquela parte da história? Quando o herói fica com vontade de fazer todo mundo pagar e o resto dos figurantes tenta desencorajar ele? 

- Desculpa te decepcionar, moça, - falei - mas eu não lido muito bem com as coisas, muito menos com o meu trauma. E eu quero uma coisa muito simples, eu só quero justiça. 

- Isso não é justiça, Jace.  - Mary Ann corrigiu. - É vingança.

- Certo, certo. Se você quer chamar assim, então é vingança. E o que tem de mais nisso? Ele trouxe tanta dor, não só para mim. Ele merece receber o mesmo. Todos eles merecem.

- Ah, não. Com certeza ele merece, eu não estou falando que ele é inocente. O cara é um monstro, eu sei disso. Eu estive com você nos últimos 16 anos, assistindo de longe a sua vida inteira, eu sei do que ele é capaz. - quer dizer então que ela não ia me desencorajar? Por aquilo eu não esperava. Na verdade, ela parecia estar se divertindo com aquilo, com a minha raiva adolescente e ódio pelo mundo. - Isso seria hipocrisia, eu já estive no seu lugar e massacrei os meus inimigos. Por isso, eu posso te dizer que a vingança te alegra rapidamente, mas depois você vai passar o resto dos seus dias sem satisfação e sem desfecho. - ela parou de falar e se levantou. Depois deu um sorriso malicioso e continuou - Tudo ao seu tempo. Embora, eu não desaprove completamente uma vingancinha agora... Já está na hora de você voltar. 

Eu não tinha entendido completamente o que ela quis dizer e não parecia mudar nada.

-  Espera, última coisa. Como ele era? - pedi - Meu pai, quero dizer. 

Ela olhou séria para mim e disse:

- Você se parece com o seu pai... Menos os olhos, os olhos são da sua mãe.

- É sério isso? 

- Óbvio que não, eu estava brincando com você. Credo menino, você já assistiu Harry Potter umas quarenta vezes com o Alex, já era para ter decorado a referência... Seu pai era irreverente, isso sim. Como ele levava as coisas direto para o pessoal, credo. Eu nem vou começar falando dos problemas de comunicação que ele tinha ou sobre como ele não conseguia levar nada a sério. Nesse aspecto você é igualzinho a ele. - ela fez uma pausa e ficou me olhando, como se estivesse me analisando - Ele também era mortalmente leal, assim como você. Agora a sua avó, por outro lado...

- Ahn, eu acho que vou deixar a personalidade da minha avó para outro lado, Mary Ann. Valeu.

- Até mais. Ah, e por favor venha me visitar, eu preciso de companhia de vez em quando. Sua vida é entediante demais para passar mais meio século assistindo. 

Meio século? Eu planejava viver um pouco mais que aquilo, se eu pudesse evitar, mas não falei isso.

- Pode deixar.

E (finalmente) BAMF. Olhei em volta e...

Jace Norman, o Nihil PropriumOnde histórias criam vida. Descubra agora