Quando te vi pela primeira vez

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Era uma quente tarde de Verão, talvez a quarta ou a quinta mais quente já registrada na história da Capital do Oeste. O festival de Bon Odori estava acontecendo. Era tradição as famílias limparem os túmulos dos seus ancestrais, limpar a casa e preparar altares com prendas e alimentos para mortos: era cultural e milenar. Aquela pequena criança de cabelos rebeldes estava mais uma vez sentada em frente ao altar da família, o perfume dos incensos perfumava todo o ambiente ali.

O pequeno lambia e chupava uma casquinha de raspadinha gelada. Os olhinhos acompanhavam tudo que acontecia ali. Eles acreditavam que nessa época os espíritos voltavam as casas de seus parentes, mas o pequeno ainda não entendia isso, ele olhava para o seu irmão Raditz que organizava colares de sakura e colocava por todo o lugar e para sua mãe Gine, que mais uma vez limpava a estátua de outro dos guardiões da tumba da família. Eram apenas animais na visão do pequeno, ele estendia aas mãozinhas tentando pegá-los e Gine sorria daquilo.

A pequena criança terminando de comer aquele aperitivo gelado tornou a se levantar e dar passinhos desengonçados ao encontro do seu pai que estava sentado na escadaria da casa. Ele segurou o pequeno entre suas pernas e colocou um dos colares de sakura nele. As mãozinhas levaram as flores à boca como tudo que pegava, talvez tivesse a impressão de que aquilo talvez fosse comestível, talvez.

Um espirro foi dado, espalhando todas as flores. A família ria alegre daquilo. O pequeno voltou ao chão e, dessa vez, caminhou para dentro do mausoléu da família e os olhinhos pararam em frente a um desenho muito antigo, antigo mesmo: talvez três ou quatro gerações atrás. Por algum motivo estranho, o pequeno não conseguia desviar o olhar daquele desenho, aquela estranha mulher prendia a sua atenção, ele sentia-se confortável olhando para ela.

Gine pegou o pequeno no colo e o tirou dali, levando-o para dentro. Mais o choro ecoava, ele não queria ficar longe daquela pintura, mas ninguém ainda o entendia: as palavras ainda eram balbuciadas.

– Hora de te banhar e colocar seu quimono – Gine disse – você vem, Raditz? – ela gritou, já próxima à porta de casa.

– To indo mãe! – disse o garoto de cabelos longos e rebeldes de aproximadamente 7 anos que entrou correndo pela casa.

Do outro lado da cidade, outra família também estava aproveitando o festival Bon Odori, mas essa família não estava tão feliz assim: seria mais esperançosa. O patriarca ainda não havia superado a perda da sua esposa no parto de sua filha. A garotinha de longos cabelos negros estava sentada no gramado ao fundo da casa, ela olhava os tios e primos ali no grande mausoléu da família e via muita festa, ela ainda não entendia, mas sentia o aroma da lavanda dos incensos e das frutas frescas que eram abertas ali. Ela ficou em pé e tentava dar alguns passinhos, mas não conseguia bem, sempre caía de bundinha no chão.

– Papa – ela balbuciava ao ver o pai caminhando para dentro do mausoléu. Ela então engatinhou e seguiu o pai, ele segurava uma foto e chorava. A pequena garotinha estendeu os bracinhos – Papa – ela repetia até o homem finalmente despertar de sua dor interna e a segurar no colo. Ela apertava suas bochechas e no final o fez sorrir ao menos um pouco.

– Minha pequena...é a luz na minha escuridão – disse o homem.

– Vem Chichi, vamos banhar...hora de ficar linda como uma princesinha – disse uma das tias da garota pegando-a no colo.

Uma carta para você (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora