15 - Paula

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Afonso é insistente e parece o tipo de cara que só desiste de algo quando consegue; talvez ele me ache interessante por bastante tempo, não pretendo ceder.

Fui até a sala da Cris levar os papéis que eu imprimi sobre a analise.

– Posso entrar? – Falei ao bater na porta e abrir um pouco.

– Por favor, princesa, entre. – Ela sorriu.

– Você ficou estranha, aconteceu algo? – Perguntei.

– Coisa de família, se resolve logo. – Levantou e pegou os papéis da minha mão e colocou sobre a mesa dela.

– Foi Afonso? Ele me parece tão tranquilo... – fui interrompida.

– Afonso é muito esperto. – Sussurrou.

– Algo para me contar? – Protestei.

– Eu? Não, nada. – Encostou-se a ponta da mesa e me puxou pelo braço, envolveu seu braço na minha cintura.

– Cris, me fala. – Exigi.

– Meu bem, o Afonso é uma criança e vamos ter que colocá-lo de castigo, mas isso é assunto para outra hora.

E antes que eu pudesse contestar qualquer outra coisa ela me beijou. Eu acho que eu senti saudade desse beijo envolvente, manso, que mexe com todos os meus sentidos.

– Aqui não. – Desencostei.

– Certinha demais.

– Precavida. – Passei a mão em seu rosto. – Almoça comigo? – Sorri.

Tivemos um almoço agradável, não toquei em nenhum assunto relacionado a Afonso ou a empresa, mesmo sentindo uma enorme obrigação, vinda não sei de onde, de confessar a ela que o beijei.

-*-

A tarde foi mais longa do que sempre. Liguei para Bella e contei sobre a minha vontade de contar a Cris.

"Você gosta dela e o sentimento de culpa é normal, mas vou usar seu próprio conselho para te aconselhar, você diria para mim que vocês não têm nenhum relacionamento e que não precisa dar satisfações. O ruim é se Afonso, em algum surto de masculinidade, contar a ela."

Ela ajudou muito até eu escutar a frase final, será que ele contaria?

-*-

Passei para buscá-la em casa ao invés de ela me buscar, fomos para um restaurante escolhido por ela, de muito bom gosto por sinal.

A noite foi incrível, me fez relembrar que nos entendemos tão bem, os velhos tempos vieram à mente com ânimo. Tomamos algumas taças de vinho, e tive que deixar o carro por lá mesmo.

Saímos do restaurante e atravessamos para a Orla. Era tarde, havia algumas pessoas perdidas ao longo do caminho.

Tirei meus sapatos e segui para areia da praia e ela me acompanhou, depois saiu andando na minha frente e começou a disputar sua beleza com a lua.

Por alguns momentos eu regressei ao ponto de partida. Adiantei meus passos para acompanha-la, ela me deixou ir...

– Ei, estranha... – Parei e virei.

– Te conheço? – Perguntei.

– Podemos nos conhecer agora. – Sugeriu.

Foi desse jeito que nos conhecemos, eu estava andando, sozinha, depois de ter discutido e terminado com meu primeiro namorado, em uma noite muito ruim e ela apareceu, falou comigo exatamente entre essas frases.

Então comecei a andar de costas e ela foi seguindo meus passos.

O efeito do vinho ia diminuindo e aquela tontura leve ia deixando o corpo.

– Você sempre foi ousada assim? – Sentei na areia e coloquei meus sapatos ao lado.

– Você sempre foi bonita assim? – Ela sentou junto de mim, colocou os braços para trás e se apoiou neles.

– Eu sempre quero que você fale quando eu não sei o que dizer... – Admiti.

– E eu sempre fico louca quando você se cala e eu acabo falando demais, porque é desesperador, parece que está sendo fria. – Pendeu a cabeça para trás.

– Fria não, eu só não consigo formular frases quando você me prende entre um olhar e outro. – Justifiquei. – Mas eu senti muito a sua falta, eu acho que você deveria saber.

Ela sorriu e eu vi os olhos dela encherem de água. O que me partiu ao meio.

– Eu gostei de ouvir.

Ficamos alguns minutos caladas olhando para o mar. Eu fiquei pensando em quantas vezes evitei vir aqui sozinha, porque foi aqui que a gente conversou pela última vez, quando ela me disse adeus e eu fui incapaz de segurá-la pelo braço e impedir que ela fosse. Acho que era isso que ela esperava de mim e eu não o fiz.

– Você me perdoa? – Virei para ela. – Eu penso nesse momento tem tantos anos, em ter a oportunidade de falar que eu sinto muito.

– Pelo quê? – Perguntou inocentemente enquanto tudo que eu queria fazer era chorar feito uma criança.

– Por ter deixado você ir, mesmo que eu estivesse confusa, mesmo que a gente acabasse alguns dias depois, mesmo que não desse certo, mesmo que agora eu tivesse te machucado mais, pelo menos a gente teria tentado e eu... – cuspi tudo de uma vez e ela me interrompeu.

Duas lágrimas pesadas escorreram por meu rosto e algumas outras vieram na sequência.

– Ei, respira. – Ela me abraçou. – Não tem o que perdoar, não tinha como saber, não precisamos nos martirizar a vida toda por isso.

– Eu só preciso que diga que me perdoa, porque eu sei que doeu, e doeu em mim também, por favor, acredite, e por doer, diga que tá tudo bem. – Falei segurando nos braços dela.

– Lógico que sim, Paula, está tudo bem. Eu nos perdoo pela imaturidade, pelo medo, por eu ter, literalmente, fugido. – Ela colocou meu cabelo atrás da orelha.

Ficamos nos olhando por alguns instantes.

– Acho que está na hora de irmos. – Quebrei o silêncio.

– Sim. – Ela encostou o rosto no meu, passou o nariz no meu, senti meu corpo inteiro tremer.

A boca dela roçou na minha e eu não resisti; segurei seu rosto com as duas mãos e beijei sua boca como se fosse a ultima coisa que eu faria no mundo. A doçura que ela me toca, em qualquer ponto, faz qualquer pensamento ir embora, a mente estaciona em outro plano.

– Vamos... – Falei ainda com os olhos fechados.

Fica entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora