47 - Paula

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Cheguei ao escritório no segundo horário, passei no RH e entreguei meu atestado médico, em seguida fui direto para minha sala e cuidei dos meus afazeres, o botão do automático estava ativado, não atendi nenhuma ligação e não respondi nenhuma mensagem.

Por mais que a minha mente estivesse com as coisas do escritório, minha cabeça insistia em repassar os últimos dias, por hora eu só queria esquecer-se de mim mesma, sair do corpo, estancar em baixo de uma árvore qualquer com um mar a minha frente.

Eu sabia o que eu queria, sabia o que eu ia fazer, mas parecia me custar muito esforço, meu corpo não estava preparado para tanto, decidi que antes de qualquer escolha, eu seria minha urgência principal.

Sai do escritório mais cedo, deixei, apenas, meu auxiliar Oscar ciente da minha ausência.

Entrei em meu carro e dirigi até a praia, era fim de tarde e o sol estava se escondendo atrás do mar. Comprei uma água de coco e desci para umas cadeiras de praia que ainda estavam na areia.

Era som de paz que eu ouvia. Vento. Água. Gosto salgado. Parecia familiar.

O cheiro dela.

– Eu sabia que te encontraria aqui. – Ela falou deitando na cadeira ao lado da minha. – Quantas vezes você já veio sozinha aqui? – Perguntou intrigada.

– Muitas. – Falei olhando para o mar.

– Não é torturante? – Perguntou enquanto eu a observava colocar as duas mãos embaixo da cabeça pela minha visão periférica. – Eu não seria capaz de pisar aqui sozinha... nunca. – Concluiu.

– Por que veio? – Coloquei a água de coco na mesinha que nos separava.

– Porque você está fugindo, como costuma fazer. – Disse com a voz calma.

– Por que veio? – Perguntei novamente.

– Porque eu não posso jogar o seu amor pela janela, como você disse que era para eu fazer. – Ela resgatou a última frase que eu falei para ela antes da sua partida.

O passado parecia tão presente.

– Eu não queria dizer isso, nunca quis, mas como te convencer a ir senão dizendo uma estupidez dessas? – Confessei.

– Por que me deixou ir? – Ela sentou e ficou me olhando.

Minhas tentativas de encará-la falharam.

– Porque eu não tinha coragem. – Continuei encarando o mar. – E você merecia mais do que isso, mais do que eu podia e tinha para dar.

– E quem disse que você era insuficiente? – Persistiu me olhando incansavelmente.

– Tudo ao seu redor, Cris, tudo, absolutamente tudo, era muita pressão, eu me cobrei muito por você, não dava mais, estava me sufocando. – Cuspi de uma única vez.

– Está aliviada? – Fez uma pausa. – Por que foi tão difícil falar? Por que não me deixou te provar o contrário?

– Porque não iria te convencer, não antes... E se eu dissesse você não iria me esquecer. – Levantei impaciente, sentei e coloquei meus cotovelos sobre meus joelhos.

– Nisso você tem razão, mas eu precisava saber, você deveria ter me dito antes, teria doído menos e eu sofri tanto, Paula. – Explicou.

– Será que teria? Eu também sofri tanto. – Falei deitando minha cabeça nos meus joelhos enquanto a encarava.

– E agora? Você vai me convencer de que você não é o suficiente para mim? – Ela se levantou e sentou ao meu lado.

– E eu não sou? – Sorri.

– Sempre foi, meu amor. – Lançou seu braço ao redor da minha cintura.

Ela me levou até a minha casa.

Eu estava tendo uma crise hormonal daquelas.

– Quer entrar? – Perguntei tirando o cinto de segurança.

– Outra hora, você precisa descansar, eu posso esperar... – Falou beijando minha testa.

– Obrigada. – Beijei brevemente os lábios dela e desci do carro.

Eu a amo, a amo com toda intensidade que o meu corpo possa reagir, só a cogitação de perdê-la novamente faz com que minha espinha se encolha de uma forma muito dolorosa, mas Afonso mexe comigo, de uma forma mais racional, é como se eu precisasse escolher viver entre ficção ou realidade e eu sei o que eu quero, quem o meu corpo quer, quem minha mente chama, mas eu continuo assustada e eu não costumo ficar assustada.

A companhia soava, eu não estava esperando ninguém.

Olhei pelas câmeras, era Afonso com sacolas nas mãos.

– Trouxe comida. – Disse ele quando eu abri a porta.

– Quer me engordar? – Ajudei a levar tudo para a cozinha.

– Desculpa eu ter vindo essa hora sem avisar. – Disse tirando os potes de dentro da sacola.

– Como se você fosse um estranho, não é? – Fui ao armário pegar pratos e talheres.

– Tudo saudável. – Alegou colocando as porções em meu prato.

– Está uma delícia. – Falei com a boca cheia e ele sorriu.

– Nosso filho tem que ter o seu sorriso, não vou perdoar se não tiver. – Ele elogiou enquanto colocava uma garfada na boca.

Eu devo ter ficado uns três tons acima do vermelho, mas continuei comendo.

Em seguida fomos para o sofá da sala.

– Falou com Aline? – Puxei o assunto.

– Ela desmarcou, uma amiga dela teve um problema familiar e pediu para ela cobrir. – Falou tirando o celular e a carteira do bolso.

Fiquei calada...

– E você? Conversou com a Cris? – Perguntou colocando o celular e a carteira no centro.

– Na verdade não decidi nada. – Confessei.

– E o que falta? – Perguntou intrigado.

– Falta eu entender o que eu sinto por você... – Assumi.

– Suponho que você sinta mais segurança, talvez por saber que eu não vou pegar um avião e parar no outro lado do mundo. – Ele sorriu. – Ela não vai fazer isso de novo, meu amor.

– Por que você sempre faz isso? Por que direciona tudo a ela? – Perguntei irritada.

– Porque eu não posso nutrir os meus sentimentos por você, Paula, você não pode me convencer de que você me quer, eu perco nessa disputa porque eu sei que os seus sentimentos não pertencem a mim, você sente duvidas porque tem medo de ela ir embora de novo, é isso, mas não é assim, não pode ser desse jeito, você não me quer dessa forma, então não espere que eu te convença. – Cuspiu tudo com rapidez e com raiva.

Foi duro.

– Eu amo você. – Falei irritada.

– Eu também amo você, mas não da forma que nós dois gostaríamos, vamos nos convencer disso.

Ele se levantou, recolheu seus pertences e colocou nos bolsos.

Saiu em direção à porta, sem dizer tchau.

– Afonso... Volta aqui. – Gritei. – Não vire as costas, mocinho. 

Fica entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora