32 - Afonso

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A campainha soou.

Eu não estava esperando ninguém e para minha surpresa.

– O que faz aqui, pai? – Perguntei enquanto ele entrava.

– Vamos conversar sobre umas coisas. – Acomodou-se no sofá.

– Veio me humilhar mais? – Perguntei.

– Humilhar? Você joga o seu império no lixo e eu quem estou te humilhando? – Cruzou as pernas e eu permaneci em pé e calado.

– Paula assume, definitivamente, a diretoria de Finanças, Cris, assume a Presidência e você vai ser um funcionário substituível, sua assinatura não terá mais nenhum valor na Ferrari... – Interrompi.

– E se eu não quiser?

– Bom, não vai arrumar nenhum outro emprego, a não ser que tenha sido inteligente o bastante para que todo o dinheiro que roubou do seu próprio cofre ainda exista para que monte seu próprio império. – Disse rígido.

– Eu posso arrumar emprego em outro lugar. – Falei áspero.

– Depois da minha morte, quem sabe, filho meu não trabalha para outra empresa, Afonso.

– Quem você pensa que é? – Gritei.

– Quem você pensa que você é? – Levantou e gritou perto do meu rosto. – Moleque, mimado, errei com você, errei feio. – Falou decepcionado. – Amanhã esteja naquela empresa a dispor da Cris, entendeu?

Saiu batendo a porta.

Só era o que me faltava agora, ficar a dispor de alguém.

Liguei para Aline...

– Preciso conversar, a gente poderia se encontrar? – Perguntei.

– Aconteceu algo mais? – Ela perguntou em tom de preocupação.

– Eu posso te buscar. – Sugeri.

– Não! A gente se encontra lá na ponte, pode ser?

Estranhei, mas concordei.

Só foi o tempo de trocar de roupa e fui para a ponte.

A história da ponte é velha, mas sempre que tínhamos problemas nós íamos lá, ninguém nunca descobriu nosso lugar secreto, fica em uma praia bem afastada e sempre que voltávamos era como se tudo estivesse resolvido.

Eu estava encostado sentado na borda de concreto com os pés virados para o mar quando ela chegou, coberta por um vestido longo com estampa esverdeada, os cachos soltos e aquele olhar claro dono de uma intensidade evidente.

– Oi. – Tocou em meu braço.

– Oi, princesa. – Virei para observá-la.

Ela se afastou um pouco e eu desci na frente dela, dei-lhe um beijo breve no rosto, ela sorriu e baixou a cabeça.

– Ia sair? Atrapalhei? – Perguntei.

– Ia para o hospital, mas resolvi. – Explicou.

– Sinto muito por ter atrapalhado.

– Somos amigos, Afonso, nunca falhamos nisso... – Encostou-se a borda.

– Lembra quando nós víamos aqui? – Fiquei em sua frente.

– Lembro da vez que você pulou e eu morri de medo, sai correndo desesperada achando que você tinha se machucado, e você já sabia que era fundo o suficiente para pular... – Ela falou entre sorrisos. – Eu te odiei por uma semana inteira. – Os olhos dela ficaram aguados e ela os fechou disfarçando.

– Sinto saudade dessa época, éramos apenas nós dois. – Cheguei mais perto.

– Não faz assim, viemos falar de você, não foi? – Colocou as duas mãos no meu peito e me afastou.

– Por quê? Por que você tem namorado? Você não gosta mais de mim? – Segurei suas mãos.

– Afonso, fala o que aconteceu. – Ela insistiu.

Coloquei-me ao seu lado e expliquei o que aconteceu nos últimos dias.

– Isso iria acontecer cedo ou tarde e eu estou surpresa com o tamanho do caráter da Paula, desse jeito quem acaba apaixonada por ela sou eu. – Brincou.

– Estou falando sério, Aline. – Falei chateado.

– Eu sei, querido, mas você tem que aceitar o que está por vir e vem do seu pai, coloca um paraquedas que a queda vai ser feia, no mais, você buscou, assuma o peso dessa responsabilidade ou mude de profissão. – Disse com sinceridade me olhando nos olhos.

– Eu venho para me sentir melhor e você me faz ficar pior? – Questionei indo até a outra borda da ponte.

– Se você quiser que eu minta... – Pegou uma pedra no chão. – Agora joga que o problema vai embora com o mar.

Costumávamos acreditar que os problemas desapareciam depois que a gente conversava e jogava a pedra no mar.

E eles, realmente, desapareciam.

Peguei a pedra da mão dela e joguei enquanto observávamos cair na água.

– Você vai desistir de mim? – Perguntei enlaçando ela pela cintura.

Ela segurou meu pescoço com as duas mãos e me deu um beijo longo e arrepiante. Senti minha alma chegar ao céu algumas vezes, até ela se afastar.

– Sim. – Entregou-me um sorriso. – Estou indo agora e, por favor, não venha trás de mim. – Falou com a testa encostada na minha, com nossos narizes se tocando e suas mãos segurando meu cabelo.

– Por que, Aline? – Segurei seu braço.

– Você já me feriu demais, eu seria muito inconsequente se deixasse isso continuar acontecendo. – Explicou. – Você vai superar, vai ficar bem e eu também.

Soltei o braço dela e ela saiu andando com pressa. Eu gritei e gritei e gritei até não me restar forças para continuar gritando. Ela tem razão, tudo o que eu toco, destruo. Fiquei sentado ali até escurecer. 

Fica entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora