30 - Afonso

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Acordei no dia seguinte ao ouvir a movimentação dela no quarto.

Linda, daquele jeito de sempre, abotoando a camisa frente ao espelho.

– Bom dia... – Falei me espreguiçando.

– Bom dia, gatinho. – Ela me olhou, piscou e voltou a se concentrar nela mesma.

– Vai trabalhar? – Perguntei.

– Tenho que resolver uns assuntos, levanta e come. – Disse seca.

– Quais assuntos? – Levantei e vesti minha cueca.

– Assuntos, Afonso. – Rebateu.

– Custa me dizer? A gente pode conversar sobre ontem? – Perguntei esticando meus braços.

– Você se lembra? – Enrolou o cabelo em um coque e se virou para me olhar.

– Que pergunta, Aline! – Estreitei as sobrancelhas.

– Não temos o que conversar. – Seguiu para o banheiro e eu fui atrás dela.

– Como não? Nós dormimos juntos... – Questionei enquanto ela passava o batom vermelho.

Ela se virou, apoiou-se no balcão do banheiro, passou os lábios um no outro, me olhou fixamente com aqueles olhos claros.

– Fizemos isso tantas outras vezes, que diferença faz agora? Fora que agora tenho um relacionamento. – Proferiu seca.

– Não quero saber desse seu relacionamento, acabo com essa festa em meia hora, Aline, as coisas são diferentes agora. – Falei irritado.

– Não acho que a gente funcione de outro jeito. – Desviou da minha tentativa de beijar seus lábios. – Não borre o meu batom!

Apoiei minhas mãos no balcão e virei enquanto ela pegava o celular e a carteira e colocava dentro da bolsa.

– Você sabe onde fica a chave reserva, quando sair fecha. – Soltou um beijo no ar e saiu.

– Se não for comigo você não vai ficar com ninguém, ouviu? – Gritei.

– Ouvi, gatinho. – Ela recuou, respondeu e correu batendo a porta.

Ela quer brincar comigo? É isso?

-*-

Cheguei a empresa irritado com toda essa situação, só fiz entrar naquela maldita sala, nem tive tempo de sentar quando Paula entrou batendo a porta na parede, jogando algumas folhas de um relatório sobre a minha mesa.

– O que é isso? – Recolhi os papéis enquanto ela bufava feito um touro.

Sentei na minha cadeira e analisei os papéis. Ela se aproximou e fixou o olhar no meu.

– Diga que isso não é verdade, Afonso! – Apoiou as mãos sobre a mesa, em minha frente. – Diga que eu me enganei, que você não assinou nada disso, fala que foi uma fraude e que você não tem nada a ver com isso!

Exigiu me olhando com decepção e muita, muita, muita fúria.

– O que você quer que eu diga? – Levantei.

– Quinhentos mil reais! Quinhentos da sua própria empresa, isso poderia ter falido na época. – Ela sorriu de nervoso e andou pela minha sala.

Aproximou-se do meu rosto e apontou.

– Por que você fez isso? – Exigiu.

– Não te devo explicação, Paula. – Segurei no dedo dela e tirei do meu rosto.

– Eu confiei em você, seu merda! – Ela gritou.

– Minha empresa, Paula, meu dinheiro, eu faço o que eu quiser com eles.

Gritei mais alto.

– Sou um merda mesmo, pronto... Errei, errei sim! Mas está tudo bem agora. – Segurei os braços dela. – Está tudo bem!

Repeti baixo.

– Não encosta em mim, honre as calças que você veste, moleque! – Empurrou-me com uma força que eu não sabia que existia naquele corpo frágil.

Foi quando meu pai entrou na sala junto com a Cris.

– Não encosta nela! – Cris gritou e me empurrou. – Você está louco?

Meu pai colocou a mão na cabeça e sentou na poltrona mais perto. Cris segurou Paula que cambaleou e apagou, enquanto gritava que era minha culpa.

Não conseguiram acordar a Paula e a levaram para o hospital, meu pai trancou a sala comigo.

– Por quais razões você fez isso? – Perguntou bem tranquilo enquanto eu caminhava pela sala.

– Você cortou o meu dinheiro e essa empresa é minha! – Disse com propriedade.

– Você não tem nada, você é um garoto mimado.

Ele se levantou, segurou na gola da minha camisa e me empurrou na poltrona, me deu uma tapa no rosto e repetiu:

– Você não tem nada! Suma dessa empresa, Afonso.

Saiu batendo a porta da sala.

Eu não sei o que mais doía naquele momento, ele nunca encostou a mão em mim, nunca. 

Fica entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora