40 - Afonso

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Passei o resto do dia entrando e saindo de lojas infantis, acredito que eu nunca tenha me sentido um homem tão feliz e realizado com a forma com que tudo tem acontecido. Exagerei, um pouco, na quantidade de presentes para o meu menino, entre roupas e brinquedos.

Quando cheguei à casa da Paula senti medo de abrir à porta e todas aquelas compras caírem no chão. Vi o olhar de aflição dela ao se deparar com tamanha extravagância. Segurei alguns pacotes que escaparam quando abri a porta e sorri envergonhado colocando dentro do carro novamente.

– Teria um balde ou qualquer coisa que eu possa transportar tudo isso para dentro da sua casa? – Perguntei com as mãos segurando os pacotes.

– Você perdeu o controle da sua conta bancária? – Ela perguntou chateada.

– Não precisa me dar lição de moral, eu já sei que exagerei, estou ansioso. – Expliquei.

Ela saiu e voltou com alguns baldes e me ajudou a colocar tudo na sala.

– Promete que não vai fazer mais isso, Afonso! – Dizia ela pegando uma bola do chão. – Sabe com quantos anos nosso filho vai conseguir chutar uma bola dessa? – Perguntou chateada.

– Paulinha... – Ela jogou a bola em mim.

– É sério, temos um enxoval inteiro para dar conta e você dando mais de cinquenta reais em uma bola. Uma bola, Afonso. – Sentou no sofá.

– Vou me controlar. – Falei sentando ao lado dela. – Onde vamos montar o quarto?

– Quando voltarmos da maternidade vou usar o escritório aqui em baixo, vai ser difícil com as escadas. – Explicou. – Mas pretendo montar o quarto lá em cima ao lado do meu, vou abrir uma passagem entre os quartos. – Sorriu. – O que acha?

– Eu acho perfeito. Quando quiser podemos começar. – Falei empolgado.

– Parece a mãe dessa criança. – Gargalhamos. – Vem, deixa eu te mostrar o que pensei em fazer.

Ela saiu correndo na minha frente, e eu morrendo de medo que ela caísse, mas contive a minha preocupação e a segui.

– Eu quero pintar um céu no teto, com direito a pássaros voando em volta da luz. – Abracei-a pela cintura, por trás e imaginei cada detalhe do que ela dizia. – Quero sol, quero muita vida nesse quarto, muita luz, exatamente como ele será. O que acha, papai? – Terminou empolgada.

– Eu acho perfeito, mamãe. – Beijei o seu rosto e virei-a para mim.

– Nós vamos dar muita felicidade para essa criança. – Falou com os olhos cheios de água.

– Eu nunca te perguntei sobre os seus pais. – Questionei ainda segurando sua cintura.

– Que pergunta estranha no meio dos nossos planos. – Falou. – Meus pais são complicados, hoje eles moram fora do Brasil e eu sou grata por isso. – Falou áspera, saindo de entre minhas mãos.

– Quero saber das suas raízes, me explica o por quê? – Perguntei.

– Depois que eles souberam da Cris muita coisa mudou em casa, de certo sei que eles me amam, que estão orgulhosos das minhas conquistas, mas existe uma parte de mim que eles não suportam e se não são capazes de aceitar a forma que eu escolher viver, tudo bem eles ficarem lá, eu só sei que eu vou estar aqui pelo nosso filho, até mesmo quando ele ficar revoltado e me aparecer com uma tatuagem, – ela respirou fundo, e com os olhos marejados continuou. – ou se brigar em um bar, mesmo que queira uma menina ou um menino que eu sei que não é o melhor para ele ou até mesmo quando ele disser que vai a uma festa que eu não queira que ele vá, é por isso que estamos aqui, para direcioná-lo a boas escolhas, não decidir por ele. – Concluiu enquanto deixava uma lágrima escapar. – Eu lutei muito para ser quem eu sou, Afonso, lutei por muito tempo pelo direito de poder expressar, lutei por querer que minha voz fosse ouvida, e paguei o preço por isso e pagaria de novo e quantas vezes mais forem necessárias. – Concluiu. – Chega do assunto. – Ela enxugou a lágrima e sorriu.

– Eu sinto muito, mas tiveram outras após a Cris? – Falei beijando sua testa.

– Fiquei com outras garotas, mas não me relacionei com nenhuma outra, só com garotos e, por favor, não sinta muito porque eu não sinto, nossas lutas fazem de nós o que somos. – Disse.

– E eu sou muito orgulhoso de você. – Falei segurando seu rosto.

Beijei-a devagar, e sua boca tocou a minha como uma pluma leve, acariciando pausadamente cada movimento meu.

– Não podemos mais. – Ela interrompeu. – As coisas com a Cris... – Interrompi.

– Eu sei, desculpa por isso. – Recuei.

– Desculpa. – Falou tocando em meu rosto com um tom culpado.

– Não, conhecemos nossos sentimentos, Paula, não tem razão para se desculpar. – Justifiquei. – Vamos subir os presentes?

Fiquei um pouco sentido, eu não vou mentir, achei que poderíamos de alguma forma ficar juntos, mesmo que Aline e Cris estivessem entre nós, porque somos bons juntos e eu sou melhor com ela, mas sempre fomos mais do que claros um com o outro desde o principio, seria tolice minha perdê-la por um sentimento insuficiente para nós dois.

-*-

O dia da inauguração está chegando, faltam apenas dois dias, a divulgação na mídia digital já começou a ser feita a pouco mais de uma semana, o retorno das confirmações de presença estão de vento em poupa, a divulgação das imagens do espaço foram divulgadas essa semana, para aflorar a curiosidade do público, – vai ser um sucesso.

Duas bandas, aqui da cidade, se interessaram na inscrição para tocar na noite de inauguração, marcamos de ouvi-los essa tarde.

Hora de conversar com Cris e Paula. Por sorte encontrei as duas juntas.

– Tenho uma boa e uma má notícia para as duas. – Cheguei entrando na sala da Cris.

– Bom dia, lindo. – Paula sorriu.

– Cadê a educação, priminho? – Cris zombou.

– Bom dia, ladys. – Sorri. – Vamos ao que interessa? Boa ou ruim?

– Ruim. – As duas falaram em sincronia.

– Vou sair da empresa. – Falei sem cerimônia.

– O quê? Enlouqueceu, Afonso? – Cris se levantou e Paula colocou as mãos na boca.

– Notícia boa, vou inaugurar um bar. – Elas se entreolharam e me olharam.

– Como assim, explica isso antes que eu coloque essa criança para fora. – Paula falou levantando.

For Five Minute, familiar? – Perguntei pomposo.

– Mentira! – Paula gritou.

– Por que em inglês? – Perguntou Cris. – Qual o sentido do nome?

– Quanta pergunta, a ideia central é de que as pessoas fiquem curiosas, a sugestão é entrar no bar por cinco minutos, e se isso não for suficiente para o cliente gostar, o mesmo pode sair sem pagar nada, e é em inglês por soa mais bonito e as pessoas acham que é coisa de fora do país e ficam mais curiosas, porque brasileiro gosta do que não é daqui. – Sorri explicando.

– Gostei. – Cris falou. – Já confirmei presença. – Ela mostrou o celular.

Paula me abraçou.

– Não sei se fico feliz ou se choro. – Disse em meu ouvido. – Boa sorte. – Beijou meu rosto.

– Obrigada, meu amor. – Devolvi o beijo enquanto Cris revirava os olhos.

– Boa sorte. – Cris disse estendendo a mão, mas eu abracei-a.

– Obrigada, providenciem a minha demissão. Não fico mais nenhum minuto aqui. – Gargalhei pulando.

Paula me olhava com alegria e satisfação e Cris se empolgou com a ideia.

– As vejo lá.

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