Capítulo 54

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PDV William.
Nossa volta para casa foi feita no mais completo e mórbido silêncio. Eu sabia que tinha extrapolado, mas infelizmente na hora, não consegui me conter. Não dei a May a chance de se explicar. Eu não podia. Fechei os olhos brevemente e tudo voltou a minha mente...
Ver Koko galinha Stambuk cortejando e tocando a minha mulher foi horrível, mas ver May sorrindo e se mostrando à vontade com aquele infeliz foi mais do que eu poderia suportar. Ela era minha, M-I-N-H-A! Será que ainda não havia aprendido?! Ela me pertencia e eu a ela.
Naquele instante meu ódio era tamanho que apertei a direção com força, até que os nós dos meus dedos ficassem brancos. O ciúme me rasgou ao meio. Minha ira explodiu e me dominou por completo. Tive que fazer um esforço sobre humano para não voar em cima dele e arrancá-lo de perto dela. Suspirei tentando em vão me acalmar. Eu estava destroçado, meu coração tinha uma chaga ferida e aberta como antigamente.
Eu queria que o nosso casamento fosse mágico e quase sempre era assim para mim. May era minha vida, minha cara metade, meu esteio, meu porto seguro, minha fortaleza. E Isso desde que fizemos as pazes lá em Seattle.
Ela suspirou e eu a observei de soslaio. O que ela estaria pensando agora? Estaria furiosa? Ela iria conversar comigo? Ou me ignoraria? Milhões de coisas se passavam em minha mente enquanto eu a observava na cabine da caminhonete. A noite estava bem agradável e eu estava ciente de tudo: o ar úmido que nos envolvia, os ruídos da noite, o movimento dos outros carros na rodovia, a respiração dela, sua postura rígida no banco do carro...
Será que ela não conseguia entender a minha reação? Eu a amava mais que tudo nesta vida e não admitia perdê-la novamente. May perceberia isso? Perceberia a importância que tinha na minha vida? Eu simplesmente não poderia existir sem ela, não poderia viver num mundo em que ela não estivesse presente. Seria melhor morrer.

Ela respirou profundamente, fazendo seus seios subirem e descerem calmamente. Aquela simples visão fez o meu corpo reagir de imediato. Nunca uma mulher havia me afetado assim anteriormente. Senti vontade de sorrir, mas o clima entre nós era tenso. Ela permaneceu imóvel, com o rosto voltado para a janela. Eu arrisquei um breve olhar para o céu estrelado, tentando me concentrar. Podia sentir o calor que emanava dela, as faíscas que nos atraíam mutuamente. Bastava um mero toque meu em sua pele para que May se arrepiasse. E eu sempre ficava consciente de sua presença, fosse pelo calor de seu corpo, fosse pelo som de sua risada ou apenas pelo cheiro de morangos dos seus cabelos, espalhado em nossa casa.
Engoli em seco. Eu ainda estava bravo, mas algo me dizia que eu deveria ter dado a ela a oportunidade de esclarecer as coisas.
Cerca de vinte minutos mais tarde estacionei o carro e mal desliguei o motor, ela pulou da cabine e saiu andando com passos duros em direção à porta. Apressei-me em fechar o carro e segui-la quando ela estacou abruptamente.
Franzi o cenho sem entender o que havia feito May parar de forma tão brusca, quando ao olhar por cima de seu ombro, um pequeno vulto na varanda chamou minha atenção: Uma pequena coruja estava nos encarando com uma asa aberta e a outra fechada, como se estivesse demarcando um território próprio.
O que ela faz aqui? May questionou.
Não sei ao certo.
Respondi e me aproximei um pouco mais, o que fez o animal piar agudamente e agitar a asa que se encontrava aberta.
Que coruja é essa?
É uma coruja anã. Muitas delas vivem na América do Norte.
Respondi.
Acho que ela está com a asa quebrada.
Falei observando atentamente o comportamento estranho da ave.
Coitadinha...
May me olhou ansiosa.
Podemos ajuda-la?
Acho que sim, mas primeiro teremos que pegá-la. E eu acho que não será uma tarefa fácil...
Eu disse. Pelo menos para uma coisa aquela animalzinho serviu: Ela agora estava falando comigo.

Eu vou tentar.
Falou May caminhando devagar na direção da ave. O primeiro passo foi se agachar e tentar chegar mais perto. May calculava cada um de seus passos. Resolvi observar minha esposa agindo. Acocorada, ela deu alguns passos na direção da ave, que instintivamente recuou.
Ergui as sobrancelhas, impressionado, mas logo em seguida a ave, assustou-se e deu um pequeno vôo rasante, passando por cima da cabeça de Maite e soltando um som que mais parecia um gemido angustiado. May com o susto desequilibrou-se, caindo desajeitada. Tive muita vontade de rir, mas permaneci quieto.
Determinada, minha esposa bufou e abriu a porta da entrada, desaparecendo lá dentro. Antes que eu pudesse sair do lugar, ela estava de volta com um pedaço de frango assado, que havia sobrado do jantar de ontem à noite em suas mãos. Curioso, vi que ela também trazia uma pequena toalha sobre um dos ombros. Confesso que fiquei impressionado e orgulhoso ao mesmo tempo. Ela tentaria atrair o animal com a comida, cobrindo sua cabeça com a toalha, evitando assim que o bicho escapasse.
Cautelosa, colocou o frango no chão, enquanto a coruja a observava desconfiada. Mais uma vez ela tentou uma aproximação e o animal a repeliu, agitando a asa que estava boa, desprezando o petisco que lhe era oferecido. Sem se deixar abater, ela fez uma nova investida, mas a coruja voou novamente e May acabou escorregando, caindo e batendo a bunda no chão. Torci o nariz imaginando a dor. A preocupação me invadiu. Mas, antes que eu fizesse qualquer coisa, ela reergueu-se e tentou mais uma vez se aproximar da pequena ave.
A coruja correu em movimentos irregulares, se é que podemos chamar aquilo de corrida, e terminou por se enfiar embaixo de umas das cadeiras do terraço. May contornou a cadeira e tentou captura-la, porém o animal mais uma vez levou a melhor e conseguiu alçar outro pequeno vôo, indo parar do lado oposto ao que estava minha esposa, empoleirado no encosto de uma das cadeiras de vime.
May bufou e deu meia volta parando um momento. Resolvi intervir.

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