Capítulo XIII - Em Pele de Servo

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2103 E.L, dia 144


As coisas estão sendo tão estranhas esses dias que tive que arranjar um meio de desabafar a respeito. Nunca fui de escrever diários, mas essa foi a melhor solução em que pude pensar, então que se dane. Park Ji Min está escrevendo um diário!

Faz três dias que cheguei ao Palácio de Jade e meio que estabeleci uma rotina para mim: levantar cedo pra inspecionar o preparo do café, acordar Yoon Gi hyung, comer com ele, fazer companhia a ele no escritório ou trabalhar na botica, servir o lanche das nove, iniciar a limpeza da Residência Imperial enquanto ele está nas audiências, inspecionar o preparo do almoço, almoçar com ele, terminar a limpeza durante à reunião ministerial, servir o chá da tarde, fazer companhia a Yoon Gi hyung no escritório ou trabalhar na botica, inspecionar o preparo do jantar, jantar com ele, fazer companhia a ele no escritório ou perambular pelo Palacete Dourado, servir o lanche da noite e matar o tempo até a hora de dormir, o que, até agora, se resumiu a conversar com Yoon Gi hyung.

Sim, eu sei que fui contra a ideia de me tornar servo dele, mas um dia trancado no quarto bastou pra me fazer mudar de ideia quanto a trabalhar. Na boa, não consigo imaginar nada mais chato do que vida de nobre desocupado num mundo que ainda não passou pela revolução tecnológica. Não tem nada pra fazer! Tudo bem que minha incapacidade de entender os escritos de Park me impede de gastar o tempo com os livros como muitos deles fazem, mas nem mesmo a leitura conseguiria me fazer gostar de ficar trancado no quarto o dia todo. Passeios? Não são uma opção. Não entenda mal, Yoon Gi hyung me deu liberdade pra eu ir onde quiser — desde que eu não parta de Park, claro —, mas ter as pessoas me chamando de raposa por causa do meu cabelo uma vez já foi suficiente e quero estar por perto para o caso dele passar mal.

Embora a dieta e o medicamento que preparei pra ele pareçam estar funcionando bem, não quero abusar da sorte. Ele teve duas crises desde que iniciei o tratamento, bem mais fracas se comparadas à que teve no dia em que cheguei em Jade. Ainda assim, não sei… Aish, eu nunca fiquei responsável por um paciente, sequer me formei! Tenho muito medo de cometer algum erro e agravar a situação já delicada dele. Por isso, decidi me distrair com os deveres cabíveis ao “Servo de Sua Majestade Imperial”. Graças a eles, posso cuidar da saúde do hyung sem que ninguém desconfie. Se as coisas derem errado, posso recorrer ao meu dom como último recurso. Espero que não aconteça, não quero morrer, mas prometi a Dameolin que iria ajudar quantos pudesse com ele e não pretendo voltar atrás com minha palavra. Por favor, meu deus, continue olhando por mim!

Sobre as conversas com o Yoon Gi hyung… Ele não é lá muito animado, mas de algum modo o assunto entre a gente rende. Talvez seja porque não preciso ter reservas pra falar com ele. Yoon Gi hyung sabe que eu pertenço a outro mundo e não me julga uma aberração por isso, meu mundo não ser a Morada de Dameolin como ele pensa é só um detalhe, e é cada vez mais fácil de ignorar. Afinal, eu sou mesmo um Park — como é possível eu não sei, mas sou —, e foi o Senhor das Luzes a me trazer pra cá. É, eu sei que estou sendo autocomplacente. Enfim… é divertido conversar com o hyung, e se não fosse por Yoo Jae sunbae, nosso corta-papo oficial, a gente ia varar a madrugada tagarelando.

A única coisa realmente incômoda nisso tudo é ter que “dar ordens” aos serviçais. Tipo, a maioria deles é mais velha do que eu e sabe bem quais são seus deveres, como executá-los e tudo mais, enquanto eu mal sei me vestir direito ou me portar como manda o figurino. Por mais irritante que seja, o olhar de antipatia que alguns me lançam quando acham que não estou olhando é bastante compreensível. Ainda assim, o Chefe dos Eunucos e a Senhora da Corte Sênior vêm a mim toda manhã para saber quais tarefas devem ser realizadas no Palacete Dourado. O Eunuco Lee tem me ajudado, aliás não sei o que seria de mim aqui se não fosse essa alma boa e paciente — mesmo Yoon Gi hyung não tendo dito, é meio óbvio que ele pretendia deixar meus “supostos deveres” com ele ao designá-lo para me servir —, mas isso não torna a situação menos esquisita. Estou acostumado a estar à margem, a sós com os problemas do meu cotidiano, bem na minha, e ter tantos olhos voltados para mim assim do nada, esperando minha permissão ou aprovação me faz sentir deslocado… é desconfortável, sabe? Mas não estou reclamando, só contando. Por maior que seja o desconforto, nem se compara ao de estar numa cela.

Outlander || YoonjikookOnde histórias criam vida. Descubra agora