Questão de tempo

Capítulo onze

- Hayes, Grace.

Enquanto chegava na metade do quadro de Maria e os anjos, escuto passos atrás de mim.
- Espero que você tenha se lembrado que não gosto com espuma. - havia mandando mensagem hoje cedo pedindo pra que Ethan trouxesse Latte pra mim do Eddie's, já que quase toda manhã ele não preparava seu café, e sim comprava na rua.
- Ah, não gosta não? - Me assusto com a voz de Evan. Assim que me viro pra trás, ele está sorrindo com o rosto completamente sem barba. Corro na sua direção e o abraço forte.
- Você?! O que você faz aqui?
- Nossa. Atravesso Nova York até aqui e você me pergunta o que venho fazer aqui?
- Não é isso, gato, é que você não disse que voltaria mais cedo. Só fiquei surpresa. - a noite anterior se passava em loop constante na minha cabeça. Minha ideia era fingir que nada aconteceu de tenso entre mim e Ethan e seguir nossas vidas normalmente. Talvez eu estivesse carente. Talvez esse seja o motivo de eu ter dançado com ele e de ter me permitido colar no seu corpo como se aquilo fosse familiar pra nós dois. Demorei dormir na noite passada, repeti diversas vezes pra mim mesma que aquilo não passou de um momento de carência de afeto, e que meu corpo inteiro amou a sensação de estar tão próxima do corpo dele por pura carência também. Nada além disso.
- Por que era uma supresa. Não terminei mais cedo, só me deram o dia de folga e vim pra cá. Peguei o voo mais cedo que consegui e volto hoje à noite ainda.
- Você veio só pra me ver? - pergunto sorridente.
- Entre outras coisas. - ele me dá um sorriso lascivo.
- Evan! Meu Deus.- dou uma piscadela e ele me beija, como se não fizéssemos isso há muito mais tempo do que realmente fazia. Sinto suas mãos deslizando até altura da minha bunda e ouço sua risada.
- Você é pior do que eu, Grace.- ele me puxa novamente e assim que abro os olhos por cima do seu ombro vejo Ethan, na entrada da igreja segurando dois lattes . Me solto de Evan rapidamente e ele se vira, quando nota que alguém chegou.
- Você. - Ethan diz num sorriso quadrado.
- Eu. Pensei que iriam chorar de emoção quando me vissem. - Evan diz e Ethan atravessa a igreja até ele.
- Não vou chorar, mas vou querer que você me abrace e também aperte minha bunda. - meu rosto cora, mas os dois começam a rir alto e se cumprimentam. Ethan estava ali há quanto tempo?
- Como estão as coisas lá?- Ethan indaga enquanto sentamos os três no jardim lateral.
- Dificeis. O pessoal é um saco e sinto falta daqui. Estou vendo que vocês fizeram um ótimo trabalho, está ficando incrível.
- Eu sou incrível, Jenkins. Lembre- se sempre disso. - ele me beija no rosto e toma um pouco do meu café.
- Fico feliz de você estar aqui. Sentimos sua falta. Porque não janta lá em casa? Tenho certeza que Ava iria adorar ver você.
- Eu até aceitaria Blake, mas volto essa noite e estava até querendo conversar com você sobre isso. - Ethan ergue a sobrancelha.
- Isso?
- Você me libera a funcionária Grace Hayes essa tarde?- Ethan ri.
- Toda a tarde?
- Toda a tarde. Estou precisando conversar com ela, uma conversa beeem extensa, se é que você me entende.
- Você não se cansa de ser obsceno-pergunto brincando, mas Ethan parece tenso.
- Claro, ela está liberada.Mas é só por hoje. - ele sorri pra Evan e eu me pergunto se ele estava de fato entrando na brincadeira.
- Podemos ir lá fora só pra você acompanhar como está ficando? Depois libero vocês dois.
- Ok.- Evan me dá um beijo rápido e os dois vão pro pátio, conversar sobre o trabalho que Ethan está fazendo. Adianto o que pode ser feito agora pela manhã e ligo o som.

Chegamos em casa e logo que passei da sala principal, senti os braços dele entorno da minha cintura, me puxando pra si. A noite anterior martelava incessantemente na minha cabeça. Evan está me abraçando e só consigo pensar em ontem à noite. Eu amo meu noivo e disso não tenho dúvidas, então porque Ethan está pairando sob a minha cabeça?
- Tenho uma notícia não muito boa pra você e seu amiguinho aí em baixo. - sua risada gutural vibra em meu ouvido.
- Ah é? Duvido que algo me deixe triste agora.
- Estou naqueles dias. - ele bufa.
- Não pode ser. - ele diz rindo.
- Será como um namoro à moda antiga.- zombo.
- Ok. Posso lidar com isso.
- Pode mesmo. Já que o resto não está proibido por mim. - ele me beija no canto dos lábios e se demora na minha boca. Está tudo aqui. Estou desejando Evan. Queria que Evan não fosse embora pra que minha cabeça não confundisse meus sentimentos de novo. - vou tomar banho, escolhe algo pra gente assistir e pedimos comida, pode ser?
- Ótimo. - visto a blusa de beisebol de Evan e enquanto ele estava no banho, decidi me sentar no sofá para procurar algo para assistirmos. Assim que me sento, o celular jogado no sofá de Evan apita. Nem de longe sou aquelas namoradas paranóicas e ciumentas, e nunca nem sequer mexi no celular dele, não porque ele não deixa, mas porque não me importo nem um pouco com o que ele faz ou deixa de fazer no próprio celular. Confio nele o suficiente pra não existir nem um pingo de curiosidade e interesse em fuçar o aparelho. Na quinta vez que apitou, me levantei e fui levar o celular até ele. Ele abriu o box e eu estiquei as mãos até chegar nele.
- O que foi?
- Acho que é importante, já apitou umas cinco vezes.
- Lê pra mim, deve ser de Nova York.- ele diz enxaguando o cabelo.
- Tá bom. - digito a senha e abro nas mensagens. Todas as cinco eram da mesma pessoa, mas não tinha um nome, só o número. Passo o olho rapidamente e minha garganta dá um nó.
- Grace? O que tá escrito?- me forço a não chorar de ódio. Entono a voz e começo a ler.
- " me desculpe por ontem Jenkins, me sinto mal" segunda mensagem " me perdoa. Acho que entendi mal e fiz aquilo." Evan tenta tirar o celular da minha mão e eu me afasto.
- " não sabia que você era noivo, senão jamais teria te beijado" quarta mensagem " você não vai responder? Qual é. Você disse que me achava bonita e eu entendi que era um flerte, qual o problema?" -Minha voz embarga. - quinta mensagem " me parecia que você estava gostando, só isso. Não quero perder sua amizade, sinto muito"
- Grace. Sei que parece que é algo, mas me deixe explicar.
- Por que todo homem errado diz a mesma porra de frase?
- Você não leu a mensagem? Dá pra entender claramente que não estou envolvido em um caso de amor correspondido.
- " parecia que você estava gostando"
- Ela tem dezoito anos! É óbvio que está fantasiando coisas.
- Dezoito anos? Cacete, Evan. Você não pode estar falando sério. Ela te excitou ontem? Por isso quis vir aqui me comer? Puta que pariu.
- Você vai me ouvir? Será que pode gritar comigo depois que me ouvir?
- Ok. Você tem cinco minutos pra vestir sua roupa e ir até o sofá me contar que merda tá rolando, Evan. - saio do banheiro marchando. A coisa boa de quando sua vida já foi completamente ferrada, é que você coloca tudo em perspectiva. Você não deixa de sofrer, mas sempre haverá o ápice da sua dor, aquele fato que você sabe que nada chegará aos pés dele, então, me sento no sofá e espero com resiliência Evan aparecer. Se um ano atrás você me dissesse que eu estaria lidando com uma situação dessas com calma, diria pra me internar porque a Grace foi mentora dos surtos colossais de Arizona, e eu era especialista em fazer a droga de um circo quando eu precisava mostrar meu ponto de vista. Depois que perdi Maddie, todos os problemas do mundo se tornaram secundários, amadureci duzentos anos e hoje consigo me sentar no sofá e aguardar meu noivo me dizer porque a boca dele estava na boca de uma menina de dezoito anos. Evan se senta em menos de cinco minutos na minha mesinha, de frente pra mim.
- Tem essa menina. Ela é uma estagiária da firma que estou trabalhando. É novata e precisava de conselhos, então decidi ajudá-la. Não sei se ela confundiu as coisas Grace, mas ontem quando fomos embora ela me beijou no elevador. Foi rápido, sem significado e eu não senti absolutamente nada.
- Evan, to me ferrando se você ficou com tesão ou não, se você gosta dela ou não. Por que você não me disse? Quando a gente se conheceu, te contei toda a podridão que eu já vivi. Te contei do que meu pai fazia com a minha mãe, e apesar de todos acharem que ele era um homem de família, só eu e meus irmãos sabemos das inúmeras traições que minha mãe aceitava. As inúmeras mentiras e as inúmeras vezes que ele mentiu sobre as dívidas que fazia. Então, talvez eu tenha sim uma paranóia com mentira. Por que você não me disse?
- Eu sei o que eu te prometi, Grace. E eu queria contar, mas eu estou há mais de um mês sem ver você e eu só queria ficar com você. Só queria aproveitar cada segundo desse dia, porque aquilo não importou nada pra mim. Você é meu mundo, Grace.
- Não fala isso. Não fala isso Evan, porque ninguém pode ser o mundo de ninguém, ok? É uma droga achar que alguém é seu mundo porque isso pode acabar e você vai ficar perdido quando isso acontecer. Não quero ser seu mundo, só quero ser a mulher pra quem você diz a verdade. Se quiser outra, vamos conversar. Se quiser um tempo, conversamos também.
- Não quero nada disso, quero estar com você, só isso.
- Só não minta. Não me esconda as coisas, por que essa é única coisa que eu não perdoo.- de repente milhões de coisas passam pela minha cabeça. Ethan dormiu aqui em casa na noite que veio me ajudar, nós dois fazemos milhões de coisas juntas e ontem... ontem eu estava feliz, bem mais feliz que uma amiga ficaria de estar nos braços de um amigo. Estou sendo hipócrita pedindo a verdade sendo que isso de certa forma são fatos do meu dia que tenho de certa forma omitido? Me sinto péssima. Estou cobrando de Evan algo que eu mesma não tenho feito.
- Eu sei. Eu sei, Grace, não vou deixar isso acontecer nunca mais..
- Você gosta dela? - suspiro.
- Não. Nem um pouco.
- Tem certeza? Por que você tá ficando em abstinência lá, nunca se sabe o quanto você aguenta.
- Primeiramente, não sou uma maníaco sexual e em segundo, eu estou numa fase do nosso relacionamento na qual estou idiota de tão apaixonado por você, então não se passa pela minha cabeça ter outra pessoa. - ele me puxa pelos braços e me senta no seu colo. - eu amo você, e isso não vai mudar.
- Ok. Eu também, mas não quero falar agora essas três palavras porque estou com raiva, ok?- ele ri.
- Ok, é justo.
- Só me prometa que essa menina não vai mais ser ajudada por você. Não quero ficar aqui em São Francisco pensando que tem uma ninfeta no seu pé. - ele ri alto.
- Ok. É uma promessa.

Ficamos juntos durante toda a tarde, assistimos filmes antigos de comédia, pedimos comida japonesa no meio da tarde e hambúrguer no fim dela. Conversamos sobre como estavam as coisas em São Francisco e ele me contou sobre como estavam as coisas em Nova York.
Era cinco da tarde e seu voo seria lá pelas onze, então dava pra ficar mais um tempo juntos antes que ele voltasse pro aeroporto. Era bom ter Evan por perto, conseguia me abstrair completamente de tudo aquilo que ficava pra fora do portão de casa e me concentrava apenas no que estava aqui. Eu e Evan, como antes, continuávamos fazendo sentido, como antes.
Às seis Fomos até o parque passear com Lolita, que estava totalmente eufórica com a chegada dele.
- Senti sua falta. - digo, enquanto andamos de mãos dadas pela avenida principal.
- Se você disser isso de novo, vou ficar aqui em São Francisco e mandar todos que me esperam lá irem pra merda. - começo a rir.
- Não. Não é isso que eu quero... só quero dizer que estou feliz de você estar aqui comigo.
- Eu também Grace. Não há lugar melhor do que aqui com você, tenha certeza disso.

Às dez levei Evan até o aeroporto e me despedi dele. Não queria voltar pra casa sozinha, nem voltar a me sentir mal por dormir sozinha, porque já estava me acostumando, mas agora que Evan esteve aqui comigo, todo o vazio da sua ida veio em cheio. Conversávamos sobre tudo por chamada de vídeo, mas haviam coisas que não eram possíveis serem passadas assim. As vezes só precisamos estar com a pessoa que amamos, mesmo que em silêncio, e esse companheirismo se perdia na distância da ligação. Enquanto dirijo de volta pra casa, só consigo rezar pra que os dias que faltam para ele voltar passem rápido e que a sensação incrível que tive no dia de hoje em relação à Evan, seja suficiente para que não haja espaço pra mais nada nem ninguém além dele na minha cabeça.