Capítulo dezesseis

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- Hayes, Grace;
Um ano e meio depois

Empurro o carrinho enferrujado do Walmart, que é marca registrada de Álamo. Me sinto bem estando de volta, apesar de que já estava começando a me acostumar a viver em Londres. Meu telefone vibra e o identificador mostra que é Aubrey.
- As más línguas me disseram que você está de volta. Como assim você não me contou? - o tom de voz agudo dela me faz arrepender de ter colocado o celular no volume máximo.
- Era pra ser surpresa, mas pelo visto a população fofoqueira dessa cidade estragou.
- Foi a Rylee, disse que te viu entrando em casa. Rylee, a sua  vizinha.
- Eu sei quem é Rylee.
- E você queria fazer uma surpresa, Grace?Estou de oito meses, você quer que eu entre em trabalho de parto? Onde você está?
- Walmart. Me dei conta dentro do avião que não tenho nada em casa pra comer, então deixei as malas em casa e vim pra cá.
- É o que acontece quando ficamos mais de um ano fora, gênio! vem pra cá depois que sair daí.
- Era o que eu pretendia, só preciso passar na casa da minha mãe, você sabe como ela é.
- Arizona veio com você?
- Não. Vai ficar mais uma semana na casa dos nossos tios, volta na semana que vem... como te disse, ela está meio que namorando um inglês e segundo ela, precisa de mais uma semana pra se despedir. - Aubrey ri. - sabemos que ela vai trepar até cansar e só assim então voltar pra casa.
- Contando vantagem.
- Com toda certeza.
- Apesar de você ter ligado o tempo todo, queria ouvir de você sobre a viagem, então assim que sair de lá vem pra cá.
- Ok, eu irei. Amo você.
- Eu também.
Me sentia culpada por não ter estado aqui durante a gravidez de Aubrey, mas eu precisava respirar longe de casa. Não era fácil lidar com uma casa que carregava a lembrança de todos os meus melhores momentos que já não se repetirão mais. Prometi a mim mesma que voltaria pra Álamo apenas quando estivesse pronta para levar tudo para o porão de casa. Era um fato: não vou conseguir sair do luto se a cada passo que eu dava na minha casa, as fotos, objetos e tudo o que têm por metro quadrado das pessoas que já se foram eram constantemente esfregadas na minha cara. Fiz alguns meses de terapia em Londres, até fui à igreja com minha tia em alguns dias bons. Uma das coisas que planejava fazer quando chegasse aqui, era visitar a Catedral. Não terminei o projeto, ao menos não aqui. Como estávamos nas últimas semanas, faltava pouco e então recebi pelos meses que fiquei e passei o restante do projeto para Alec. Ele já estava comigo desde o início de tudo, e diante da situação em que eu estava, ele prontamente assumiu no meu lugar, e mesmo que eu não me importasse mais com isso, prometeu seguir conforme eu planejava, sem mudar em nada. Há um ano e meio atrás eu não me importava nem um pouco em como tudo aquilo ficaria, mas estava curiosa para saber se tudo realmente ficou bom como eu desejava que ficasse. Aubrey havia me dito que Ethan ficou até o final, concluiu tudo e depois se fechou por meses, ela me disse que diversas vezes via Eva e Ava juntas, mas sempre sem Ethan. Segundo ela, Eva disse em uma das vezes que elas ocasionalmente se encontraram, que ele não estava bem, mas que estava dando um tempo a ele para por as coisas no eixo.
- Você cortou o cabelo. - a voz firme e familiar me causa um arrepio confortável. Era bom ouvir a voz de Eva de novo. Eu me viro para ver um sorriso fraco e sem jeito se abrir pra mim.
- Você sabe, dizem que uma mulher está pronta pra mudar o mundo quando muda o cabelo.
- É o que dizem.- ela diz visivelmente pisando em ovos. Não falava com ela durante o mesmo período de tempo em que fiquei sem falar com seu irmão. Sabia que mais cedo ou mais tarde me encontraria com eles, até porque Álamo é do tamanho de uma caixa de botas da Versace, mas não imaginava que seria tão cedo. Não sei como lidar com ela, não sei se ela está chateada por eu ter partido, e é nítido que ela também não sabe como deve agir, já que estamos paradas uma de frente pra outra, no que se parece uma eternidade. Eu vou até ela e a abraço. Eva lentamente retira as mãos do carrinho de compras e sinto suas mãos em minhas costas, retribuindo o abraço. Senti falta das trocas de gentileza dela, nada gentis, do seu jeito durão e das suas risadas tão escandalosas quanto as minhas. Senti falta de comer no Eddie's e de ver seu legítimo dedo do meio se erguer quando pedíamos tratamento especial, como duplo cheedar e cobertura extra no capuccino. Ficamos em silêncio, abraçadas, mas sentia que a saudade era recíproca. Ava aparece com um pacote de Lindt e o deixa cair quando me vê. Seu cabelo ruivo já batia na metade das costas e ela estava de uniforme escolar.
- Ava? - chamo ela, mas ela sai correndo.
- Ela não lidou muito bem com a sua ida. - Eva diz sem graça. Faço sinal para Eva esperar e começo a procurar Ava pelas fileiras. Meu coração doía em saber que ela havia ficado mal com a minha ida, e eu queria tentar recuperar meu tempo perdido com Ava. Ela ficar triste foi um efeito colateral que não era pra acontecer na minha partida. Passo pela seção de carnes, pela seção de doces e a encontro na de laticínios.
- Ava. - caminho até ela e me sento ao seu lado no chão frio.
- Você foi embora. - em um ano e meio Ava parecia ter mudado como em dez. Está com quase oito agora e eu só consigo pensar em todas as coisas sobre ela que perdi estando ausente.
- Eu sei. Mas você sabe que os adultos fazem tudo errado não é? - ela acena.
- Por que você foi embora? - ela diminui o tom- eu senti sua falta, Grace. - meu coração se destroça em dez parcelas.
- Eu senti muito mais. Aconteceram algumas coisas muito ruins e eu precisava de ficar um tempo agora. Mas agora eu voltei pra ficar, você acha que consegue me perdoar?- Ela parecia ponderar.
- Você não vai mais embora?
- Nunca mais. E sabe o que mais?
- O que?
- Amanhã vou levar você no parque e não vai ter hora pra ir embora. Só vamos quando você se cansar de verdade e tem mais: nós vamos tomar dois milkshakes no Eddie's depois disso. - Ava me olha totalmente desconfiada.- Você ainda gosta de ir no parque?
- Eu ando de bicicleta as vezes. Não brinco mais com as crianças pequenas.
- Então podemos andar juntas, o que acha?
- Não sei.
- Prometo que não vou embora. - sua insegurança vai se esvaindo até que ela me abraça no chão. Senti tanta falta dela e do seu jeito de ser. Eva sorri quando nos encontra juntas no chão.
- Vejo que você já resolveu sua pendência.
- Parece que sim. - Era bom que o coração das crianças fosse mais passível de perdoar que o de um adulto.
- Querida- Eva diz à ela - você pode ir até a sessão de biscoitos e pegar três pacotes de Waffle pra mim? - Ava acena e sai saltitante, olhando algumas vezes pra traz, como que para garantir que eu não iria evaporar de novo. Eva se aproxima.
- E a sua outra pendência? - aí está a Eva que conheço. Sendo direta e dizendo logo o quer dizer sem firulas. Não converso com Ethan desde que tudo aconteceu. Quer dizer, no dia em que fui para Londres, ele me mandou uma mensagem dizendo que esperava que um dia pudéssemos superar tudo isso e viver em paz com nossa própria consciência. Eu também sentia falta da nossa amizade, mas não acho que voltaremos a ter a amizade de antes depois de tudo o que aconteceu. Honestamente, não acho que seja possível, por isso não respondi. Passei os primeiros meses chorando por Evan e passando noites em claro pensando no que eu tinha feito na noite anterior à sua morte. Eu sei que a culpa não move moinhos, mas eu queria cultivar a minha até onde eu achasse necessário.
- Eva..
- Vocês erraram sim, mas até quando isso vai durar? Vocês dois eram amigos acima de tudo e acima daquele erro. Vocês poderiam ter passado por isso juntos.
- Não sei se conseguiríamos ser oque éramos depois daquela noite, Eva.
- Ele também sofreu com a perda dele, Grace.
- Eu sei. Mas eu precisava sair daqui, precisava deixar minha casa e tentar algo novo. - Eva suspira e seu rosto ganha um semblante de preocupação.
- E como você tá? Ava não é a única que sentiu sua falta, sabe? Você era minha melhor cliente. - ela ri.
- Estou melhor. Voltei decidida a mudar algumas coisas, mas sinceramente...? Não sei se eu conseguiria olhar pro seu irmão há naquela época, Eva, por isso preferi me afastar de tudo aqui. Eu senti muita saudade de vocês, juro, eu só...só não consegui lidar com a culpa. Na verdade ainda me sinto culpada por tudo até hoje.
- Pois ele também. Bom, isso é entre vocês, não quero me meter. Não vou bancar a tia velha do sermão. Vejo você por aí? - nos despedimos e eu prometi aparecer no Eddie's o mais rápido possível. Eva puxa o carrinho no sentindo contrário ao meu.- Grace. - ela me chama enquanto caminho em direção ao meu carrinho abandonado.
- Oi.
- Estou feliz de você estar de volta. - sinceridade exala dela.
- Eu também.
- Você vai me buscar amanhã Grace? - Ava diz ressurgindo com muito mais do que apenas Waffles e Eva me olha sem entender.
- Prometi recuperar meu tempo perdido. Vou levá-la pra passear amanhã, busco ela às nove. - Eva acena em sinal de "Ok". - até amanhã. - empurro o carrinho distraída e trombo em uma pilha de picles enlatados. É bom estar em casa.

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