Capítulo dezoito

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- Hayes, Grace.

Ontem quando cheguei em casa, decidi fazer algo que eu já devia ter feito há tempos. Juntei as coisas de Maddie e Evan em uma caixa grossa de papelão e levei pro porão. Deixei apenas algumas coisas significativas pra mim, como uma blusa dele que eu adorava usar pra dormir e um relicário de coração que Maddie tinha com uma foto minúscula de nós duas dentro. O resto, guardei, porque assim que pisei na minha sala ontem, senti pela primeira vez que minha casa parecia um cemitério de lembranças. Eu tinha plena convicção que os dois não estavam em nada daqueles objetos, e que não haveria um dia em que eu acordaria e não pensaria em ambos, mas, talvez faria bem pra mim mesma mudar as coisas por aqui, deixar que a casa mude sua história e que eu faça da minha volta um novo recomeço. Não quero ter medo de entrar no quarto do final do corredor, nem mesmo ter medo de abrir meu armário e ver o lado de Evan. Minha terapeuta disse que guardar as coisas não significa colocar os dois no esquecimento, e sim, deixá-los apenas na minha memória, que é onde deveriam ficar. Manter o quarto de Maddie é um erro pra minha sanidade mental, " sua  casa precisa te trazer paz e não um constante lembrete de que você já perdeu muita coisa" ela sempre dizia em todas as sessões. Assim que terminei tudo, busquei Aubrey e suas três malas enormes de viagem na mesma noite e a instalei no quarto de hóspedes onde colocamos lá algumas coisas que ela havia comprado pro bebê, um berço, um carrinho e um trocador. Algumas coisas de Maddie eu ainda tinha guardado e dei a ela após a limpa que fiz na minha casa. O quarto de Maddie estava vazio e só restou a asa que pintei um ano atrás na parede, e apesar de querer tirar a carga emocional dos cômodos da minha casa, toda vez que passo pelo corredor e vejo a asa, me lembro do dia em que Ethan ficou comigo durante a tarde, enquanto eu tinha um surto de tristeza misturado com embriaguez. Aubrey havia saído com a mãe, já que após ela ter dito que iria morar comigo, a mãe dela teve um surto de consciência pesada e decidiu doar para Aubrey as coisas que faltavam para ela e o bebê. Assim que peguei Ava, tão contente em me ver, decidi passar a manhã sem pensar no meu encontro com ele. Quando o vi, tive a vontade súbita de correr até ele e o abraçar, mas sou adulta o suficiente pra entender que minha ida repentina não foi tão bem resolvida assim. Senti falta de Ethan. É um fato, e isso me deixava ainda pior. Há um ano e meio eu estava enterrando meu noivo, a quem eu tanto amava ao mesmo tempo que queria consolar Ethan mais do que gostaria que alguém me consolasse. Não sei se há como gostar ou amar duas pessoas ao mesmo tempo, mas quando fui embora, senti que o tinha perdido também. Minha decisão de ir para Londres, ficar na casa dos meus tios veio no instante em que cheguei em casa, sem ninguém . Absolutamente sozinha, e tive a vontade de chamar Ethan pra ficar comigo, pra dormir naquela enorme casa comigo, só pra me fazer companhia, porque não percebi o quanto ele já me tinha até ver o quanto sentia sua falta e perceber o quão errado isso tudo era. Nunca acreditei que histórias de amor dessem certo depois de terem começado por um erro, e também não queria começar nada com ninguém apesar de saber que eu sentia algo por Ethan. Eu sentia no meu coração que eu não conseguiria amar alguém por muito tempo de novo, assim como também sabia que eu não poderia me permitir sentir isso por alguém depois da morte dele. Então, depois da segunda pior noite da minha vida, juntei minhas malas e decidi que mesmo que eu e Ethan tivéssemos a chance de ser qualquer coisa depois daquilo, mesmo que pudéssemos tentar superar a perda juntos, como amigos, não queria alimentar esperanças e nem apostar naquilo.
Arizona fez as malas comigo e não me permiti desrespeitar a morte de Evan. Haviam tantos dias em que eu desejava que Ethan não me mandasse mensagens, porque diversas vezes escrevi a resposta e quase enviei. Então decidi bloqueá-lo. Precisava me afastar porque já era um peso tão grande ter falhado com Evan, e seria um ainda maior arriscar permanecer no erro ficando próxima de Ethan.
- Por que estamos indo pra sua casa? - Ava questiona me olhando pelo retrovisor, sentada no banco de trás. Porquê ela precisava ter os olhos iguais os do tio? Aquilo era minha tortura pessoal. Os olhos dele quando me viram chegar eram tão cinzentos que estou até agora cogitando a hipótese de nunca sermos sequer colegas.
- Por que quero dar uma coisa pra você antes.
- Se for bala minha mãe vai brigar. Tive duas cáries, Grace! e mamãe disse que se eu não parar de comer doce ela vai me deixar na porta do abrigo.- Eva é de longe a melhor mãe do ano. Começo a rir e ela me olha curiosa.
- Sua mãe não faria isso, e ela tem razão, você não precisa de tanto doce assim. Meu presente não é de comer, fica tranquila.
Descemos na entrada da minha casa e a tiro do cinto. Peguei suas mãozinhas e andei até a lateral da casa onde ficava uma das coisas que deixei exatamente no mesmo lugar.
- Fecha os olhos. - digo, ainda direcionando onde ela deveria ir.
- Graaaaace! Eu quero ver, pode abrir?
- Agora pode. - confesso que quase chorei quando Ava viu o balanço rosa com flores artificiais que enrosquei em toda a sua corda, ela ficou estática. Maddie e ela eram diferentes em muitas coisas, e parecidas em algumas características bem marcantes, mas me lembro que quando instalei o balanço pra ela, ela teve a mesma reação. Coloquei novas flores e ele ficava numa aérea do meu jardim onde haviam um gramado baixo, que por sinal precisei aparar esta manhã quando tive a ideia.
- Grace, é pra mim? É um balanço lindo.
- É sim, e é todo seu. - seu sorriso se desfaz e ela inaugura uma carranca.
- O que foi, Ava?
- Eu não moro aqui. Como vou balançar?
- Você mora perto, sempre que quiser você pode vir, comigo ou com sua mãe.
- E com meu tio?
- Claro. - se ele quiser vir, pensei.
- Eu amei,Grace! - Ava corre até o balanço e eu percebo que o parquinho já não é mais tão importante. Ava se revezava entre se balançar e dar voltas no quintal comuna sua bicicleta. Ela estava tão diferente desde a última vez que a vi. Tão grande, parecia uma outra garotinha. Observá-la me fez sentir ainda mais culpa por ter ido.
Decidi pegar um livro na estante da sala e me sentar na espreguiçadeira no jardim, do lado dela. Fiz torta de maçã e mini sanduíches para comermos de tarde. Liguei para Eva e disse que ela poderia tirar a tarde de folga das obrigações maternais, afinal, ela estava adorando ficar aqui e eu adorando ainda mais a sua companhia. Às sete da noite, Aubrey voltou com as compras e Ava decidiu nos ajudar a abrir as caixas enquanto Aubrey esticava as pernas inchadas na poltrona de amamentar. Me lembro que quando fiquei grávida, não vi nenhum daquele brilho que todo mundo fala. Na verdade, me sentia um lixo, vomitei até o sexto mês , no oitavo cogitei a possibilidade de usar fralda geriátrica porque eu não aguentava mais fazer xixi mil vezes ao dia, meus pés não cabiam nem nos chinelos, e no fim, minha costela doia à noite toda e eu não conseguia dormir, mas a coisa mais clichê que dizem e que eu posso comprovar que é verdade é que "nada disso importa". Na verdade, isso se torna uma lembrança distante quando você dá a luz, o que também é uma loucura, modéstia à parte, e você vê conhece alguém que você nem imaginava que era possível amar tanto.
Às nove da noite, Eva veio buscar Ava. A maluquinha começou a tagarelar do nosso dia antes mesmo de sair do portão.
- Foi tudo bem?
- Sua filha é uma santa.
- Eu sou uma santa. Não diga bobagens, mulher. - Eva beija minha bochecha e passa pela porta.- obrigada. Dormi essa tarde como nunca.
- Não há de que, sempre que quiser pode deixar ela aqui.
- Não diz uma coisa dessas que eu acredito em você, bobinha. - seu riso termina e ela me lança a mesma carranca que ensinou muito bem pra filha. - como foi?
- Como foi oque?
- Ah, Grace, você e Ethan estão brincando de " quem fica mais tempo preso na adolescência "? Porque vocês não me poupam e vão direto ao que eu pergunto?
- Ele não queria falar comigo. Mas é justo não é?
- Nossa. Fico boba de como vocês são as pessoas mais evoluídas e resignadas do mundo com esse papo de " é justo" e blá blá blá. Nada disso que aconteceu com você ou com ele é justo Grace, mas é a vida fazer oque? - ela massageia a têmpora. Ela olha se Ava está prestando atenção, e ao ver que ela está jogando no celular no banco de trás, ela continua - que saber minha opinião?
- Adoraria.
- Não que isso mude algo, vocês dois são quase um imã ambulante de tragédia. Sem ofensas.
- Ok. Prossiga.
- Vocês erraram, tá? Aquilo lá que aconteceu aquela noite foi um erro. Tenho certeza que você não quis machucar ele e Ethan também não quis machucar Evan. É uma merda ele ter partido no dia seguinte? Uma tragédia. Mas honestamente? Vocês precisam superar isso e seguir em frente. Culpa não muda nada e Evan está em paz. Eu duvido que ele se importaria lá de cima se as duas pessoas que ele mais amou no mundo conseguissem ser felizes juntas. Evan não era assim, e aquele filho da mãe tá bem melhor que a gente, pode acreditar. Grace?- Eva espera até que eu olhe diretamente pra oque ela diz. - Evan está em paz, e talvez seja a hora de vocês dois ficarem também.

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