CAPÍTULO 19

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A FÚRIA compelia Katrina pelos corredores do palácio. O médico havia sedado Sammy. De novo.
Depois de saber que os pais nunca iam voltar, o menino entrou em completo estado de desespero. Ela não gostara. Ele fizera isso da primeira vez, mas entendera.
Porém, não havia necessidade para continuar dopando a criança. Não por dois dias.
O luto precisava ser vivenciado. Mascará-lo apenas atrasava o processo, não o aliviava. Algo que ela desejava falar para Julian, que fora quem autorizara o sedativo.

Katrina chegou ao escritório dele e encarou a mulher pálida de cabelo negro com óculos de armação escura, sentada atrás de uma escrivaninha. No crachá lia-se Marta.

– Gostaria de falar com Vossa Alteza, o príncipe Julian.
– Nein. – A mulher sequer desviou o olhar do computador.

– A agenda dele está cheia.
Katrina rangeu os dentes.

– Carl... – A mulher balançou a cabeça. – Então eu gostaria de marcar uma reunião com o príncipe.
Isso lhe rendeu um exame da cabeça aos pés, cujo diagnóstico foi uma careta.
– Nein.
– Estou aqui para tratar de um assunto relacionado ao príncipe Samson. É de grande urgência.

Marta suspirou.

– Tudo é de grande urgência – murmurou Marta. Porém, desta vez ela pegou o telefone.
Depois de uma breve conversa, ela desligou e anunciou:

– Vossa Alteza irá até o berçário falar com você.

– Quando?
A outra franziu o cenho.

– Quando ele puder.
Katrina agradeceu Marta e voltou ao berçário. Ela caminhou enquanto observava um Sammy muito doente. Ela já falara com a rainha-mãe, mas a mulher tinha fé no velho médico do palácio.
A letargia dele assustava Katrina.

– Sammy, hora de acordar. – Ela sentou-se na cama e passou a mão gentilmente pelo cabelo dele. Ela vinha tentando acordá-lo de hora em hora, mas sem sucesso. Ele não se mexia havia três horas. Ela balançou-o pelo ombro e chamou-o mais alto pelo nome. Nada. O medo a deixou determinada a não
sair do lado dele.
Deixe só o médico tentar dar outra dose ao menino. O palácio todo ouviria os protestos dela.

Uma hora depois ela estava tamborilando as unhas no berçário elegante, porém sem graça, triste. A porta aberta permitia que ela ficasse de olho em Sammy. Finalmente Julian chegou, seguido por Neil.

– Srta. Vicente, o que é tão urgente que necessita da minha presença?

Ela se levantou.

– Ju... Sua Alteza. Estou preocupada com Sammy.
– Samson – corrigiu ele. –
Estamos em Kardana agora.
Ela refreou um resmungo.

– Ele ainda não tem nem 3 anos.
– Ele é um príncipe.
De repente toda a frustração e medo dela explodiram.

– Ele é uma criança que acabou de perder os pais. Ele precisa de amor e atenção, estrutura e rotina.

Cada palavra a levou um passo mais perto dele, até ela invadir o espaço pessoal dele. Ela mal
percebeu quando Julian fez um gesto para Neil sair da sala.

– Agora não é hora de importuná-lo com os fardos da coroa. Ele precisa ser abraçado e amado.

– Você tem ideia das coisas com que estou tendo que lidar neste momento? Preparativos para o
funeral, declarações para a imprensa, a reestruturação dos meus deveres. Não posso perder meu tempo mimando uma criança de luto.

– Então está tudo bem drogá-lo? – acusou ela. Desapontada, ela recuou um passo. – Depois do
tempo que passamos juntos no trem, eu esperava mais de você.

– Drogá-lo? Do que você está falando?

– Estou falando do médico que não para de sedar Sammy. Estou falando do futuro regente de
Kardana sendo mantido inconsciente ao ponto de não poder ser acordado. Diga-me, como você acha que a população reagiria a isso?

– Você se esquece do seu lugar, srta. Vicente. – Julian passou por ela para olhar Sammy dormindo na cama. – Sim, eu autorizei o médico a administrar um sedativo leve para ajudá-lo a passar por esse trauma. Garantiram-me que ele não sofreria efeitos colaterais.

Katrina precisava lembrar que estava falando com um príncipe regente.

– Veja por você mesmo. São 16h e ele está dormindo há horas. Ele está tão letárgico que eu mal
consegui fazê-lo almoçar. Isso não é saudável. O médico...
Julian ergueu a mão para interrompê-la. Isso a tirou do sério novamente, mas pelo menos ele estava finalmente se preocupando com o sobrinho.

– Ei, Samson. – Julian sentou-se na cama e passou a mão na cabeça do menino. – Acorde.
Como esperado, não houve resposta. Ele tentou repetidas vezes acordá-lo, mas só recebeu uns resmungos sonolentos. Quando Julian voltou-se para olhar para ela, Katrina viu uma preocupação verdadeira naqueles olhos castanhos cor de mel.

– Isso não é bom. – Neil – chamou ele conforme pegava o garoto nos braços. – Chame o dr. Vogel. E peça para Grimes me trazer uma troca de roupas.
Neil assentiu e desapareceu. Julian levou o menino para o banheiro e, quando Katrina se juntou a eles, ele passou o menino para os braços dela.

– Aqui, segure-o para mim. 

– O que você está fazendo? – perguntou ela enquanto Julian tirava o casaco e desabotoava a camisa de seda.

– Precisamos acordá-lo – respondeu ele abrindo o chuveiro, antes de terminar de despir o torso musculoso e poderoso.
Katrina então tirou a roupa da criança. A calça e a cueca saíram com muita facilidade, o que indicava que ele perdera peso nos últimos dias. Por fim, ele pegou Sammy nos braços e entrou na água.
Sammy abriu os olhos no primeiro golpe de água fria, mas mesmo assim precisou de alguns minutos para acordar, esperneando nos braços do tio.

– Deixe-o brigar o quanto quiser – aconselhou ela. – A adrenalina vai ajudá-lo a lutar contra os
efeitos do sedativo.

Fascinada, Katrina assistiu a cena – e que cena. Pesada por causa da água, a calça de Julian desceu
um pouco, revelando a costura da roupa íntima preta dele. Riachos de água desciam pelas costas largas dele, sobre músculos que se flexionavam facilmente enquanto ele evitava que o sobrinho se machucasse.

Katrina achou melhor sair, Julian parecia estar lidando bem com a situação. Porém, ela não
conseguia se mover.

– Recomponha-se – murmurou ela.

– Acha que já foi suficiente?

– Sim – ela se inclinou e se molhou um pouco ao fechar a torneira. Depois, envolveu Sammy em uma grande toalha branca, o pegou nos braços e o levou para a cama. O menino tremia. Ao ver as outras
toalhas, ela pegou uma para oferecer a Julian, mas no instante em que se virou ele estava desabotoando a calça.
Ele arqueou uma sobrancelha para ela.
Um rubor tomou conta das bochechas dela. Katrina deixou a toalha sobre a bancada e saiu de
fininho.

No quarto, ela pegou uma nova camisa e uma calça no guarda-roupa e vestiu Sammy.

– Tio Julian é chato – anunciou Sammy.

– Tio Julian estava te ajudando – corrigiu Katrina. As mãos dela tremiam de alívio ao ver o menino alerta e falante. – Você estava dormindo e não acordava. Tio Julian deu um banho em você para te reavivar.
Ele considerou a resposta.

– Que é reavivar?

– Significa despertar – respondeu uma voz vinda do banheiro. Julian estava parado na porta,
enrolado em uma toalha da cintura para baixo. – Como você está, rapazinho?
Sammy encarou o tio.
– Você me acordou no chuveiro.
– Sim.
– Por que eu dormi tanto?
– O médico te deu um remédio – explicou Katrina quando Julian pareceu perdido. – Mas seu tio não vai mais deixar que isso aconteça.

– Remédio que faz mal?

– Não, mas que é só para gente grande. – Uma explicação boa o bastante para uma criança.

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