CAPÍTULO 14

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– A desajeitada aqui sou eu. – Ela aproximou-se dele lentamente. – Eu me afeiçoei a Sammy, e me
preocupo com ele. Você ouviu alguma notícia do seu irmão e da esposa dele?

– Nada. – Ela imaginou o mundo de dor que aquela palavra carregava.

– Oh, Julian, eu sinto muito. Eu não desisti de rezar por eles. De verdade. Essa é uma situação
paradoxal para mim, pois o dever precede a afeição. É triste, eu sei que as coisas não precisavam ser assim. E agora eu estou aqui, tagarelando, enquanto você está triste. Que cabeça, a minha. E para piorar
eu acabei de chamá-lo de Julian. Eu...

Ele ergueu a mão.
– Pare de se desculpar. A perda da esperança é compreensível. A queda, o frio, a distância, tudo está contra nós. – No reflexo da janela, ela teve um vislumbre da angústia que ele mantinha duramente oculta. – Não pense que falta de afeição é o mesmo que falta de emoção. Eu rezo pela volta de Donal enquanto me preparo para assumir o lugar dele.
A confissão dele partiu o coração dela.

Katrina verificou Sammy, e o encontrou brincando no chão com alguns carrinhos. Satisfeita por ele estar ocupado, ela fez o imperdoável: tocou um príncipe sem o consentimento dele.

– Nós deveríamos rezar juntos.

DEDOS QUENTES envolveram a mão de Julian. Chocado pelo contato, pelo toque, ele apertou a mão dela até ouvi-la arfar. Ainda assim, ela não tentou se afastar. Ao invés, também apertou a mão dele, respondendo ao silencioso pedido de ajuda.
O olhar dele chegou primeiro ao reflexo dela, mas isso não foi suficiente. Impulsionado por uma compulsão mais profunda que sua força de vontade, ele olhou dentro daqueles olhos violeta afogados em lágrimas. Ele rapidamente voltou-se para a paisagem, abalado pela compaixão irrestrita dela. Sua
garganta parecia fechada.
O protocolo exigia que ele a repreendesse.
Mas ele também não conseguia fazer isso. Aquela conexão o acalmava como poucas coisas. De
repente ele entendeu o que Sammy sentia por ela. Ele então apenas segurou a mão dela em silêncio, conforme o trem o levava em direção às respostas que ele buscava.

A falta de notícias destruía os nervos de Julian. Antes ele soubesse o que realmente acontecera. Assim ele faria como fora treinado e colocaria as emoções de lado para agir em nome do país. Talvez
Katrina não aprovasse essa abordagem, mas muitas vezes o protocolo era melhor do que a afeição.

– Katina, fome. – Cedo demais, Sammy abriu caminho entre os dois.

Julian imediatamente soltou a mão dela, mas não sem relutância. Ele sentiu a compaixão dela continuar no peso de seu olhar e no toque no braço dele, antes de Katrina se ajoelhar para falar com
Sammy.

– Também estou com fome. Vamos ver o que o chef preparou para o almoço?
Os olhos dele se iluminaram.

– Quelo pão com queijo.
Ouvindo o próprio estômago roncar, ele apertou um botão para chamar o cabineiro.

– Como posso ajudar, meu senhor?

– Nós gostaríamos de almoçar, por favor – disse Julian. – O chef preparou alguma coisa?

– Sanduíches de queijo grelhado – respondeu o homem sem piscar. – Ou um belo salmão com arroz e legumes no vapor, com sopa de tomate de entrada.

– Maravilhoso – Katrina levantou-se e olhou para Sammy. – Gostaria de sopa com seu sanduíche?
Sammy contemplou a escolha, franzindo o nariz. Finalmente ele concordou.

– Vamos começar com a sopa – ordenou Julian.
Katrina foi para o andar de baixo limpar Sammy para o almoço, deixando Julian sozinho.
Mas, infelizmente, ela não deixou a mente dele.
Jovem, inteligente, linda e impossivelmente idealista, ela era uma mulher muito perigosa com suas armas de conforto e compaixão. Passara pela guarda dele com muita facilidade. Ela o fez agir contra a sua natureza, justo quando ele necessitava ser forte, resoluto. Ele poderia mesmo tê-la beijado.
De novo.
Imperdoável. Pelo menos na noite anterior fora um acidente.
Ele fechou os olhos e lembrou-se que Katrina era afilhada de Jean Claude. Tirar vantagem dela não
seria só trair um amigo; o insulto poderia incitar um incidente internacional.
Não haveria mais incidentes íntimos com a srta. Vicente.
Sammy chegou engatinhando pelas escadas. Julian ajudou-o enquanto evitava com muito afinco o olhar da babá. Era assim que as coisas deveriam ser.

KATRINA EMPURROU o salmão distraidamente com o garfo. Ele estava sendo muito cortês desde os minutos que compartilharam juntos, durante os quais ela se sentira próxima a ele.
Mas no tempo em que ela levou para trocar Sammy, ele voltou a se distanciar. Não deveria, mas a
distância dele a feria. E ela sabia que qualquer proximidade entre eles era coisa da cabeça dela. Ele era um príncipe. Ela possuía um segredo vergonhoso.
Fim da história.
Ela pegou um guardanapo e limpou o rosto de Sammy. Dali em diante, ela focaria apenas no
menino.
Vinte minutos depois do início daquela refeição tensa, Neil surgiu com o telefone por satélite.

– Meu senhor, é o presidente da França.
Por um segundo o olhar dele encontrou o dela. Então, estoico como uma parede branca, ele pegou o telefone e foi para o lounge.

– Bonjour, monseuir le président.
Katrina mordeu o lábio, voltando sua atenção dos ombros tensos de Julian para Sammy, que comia
um sanduíche inocentemente. Se o presidente estava ligando, ele devia ter notícias do príncipe Donal.
Infelizmente, a postura de Julian não indicava boas notícias.
Com o coração disparado, ela passou os dedos pelo cabelo macio da criança. Sorrindo, ele deixou o resto do sanduíche no prato.

– Cabei.

– Bom garoto. – Ela limpou a boca dele e lhe entregou a mamadeira. – Agora, termine seu leite.
Mas ele balançou a cabeça loura.
Não era hora de causar confusão. Ela levantou-se e ajudou-o a descer da cadeirinha. Com uma
última olhada nas costas de Julian, ela levou Sammy para o quarto.

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