Luto

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   Willow correu. Suando, arfando, desesperada por ar. Suas mãos e pés eram gélidos, e poderiam cair a qualquer momento se quisessem, ela nem sequer notaria. Suas lágrimas quentes esfriavam-se rapidamente em seu rosto cortado pelo vento frio da noite, que a encarava de frente quanto maior sua velocidade correndo para longe da mansão.
   Seus soluços quebravam momentaneamente o silêncio da noite, logo antes de serem novamente engolidos pela escuridão avassaladora. Ar. Precisava de ar. Infelizmente suas necessidades biológicas que a gritavam para que parasse e respirasse eram mínimas comparadas à dor psicológica, à ânsia de correr cada vez mais rápido, mais para longe.
   Ela saiu sem ser percebida, ninguém a encontraria, então por que corria? Simples: o clima gélido e negro daquele lugar a esmagava de maneira que ela não podia mais suportar. Precisava de ar. Imediatamente.
  -- WILLOW! WILLOW! PARE! ESPERE!
   Apenas seu rosto se virou, sem que suas pernas sequer vacilassem, continuaram correndo. Draco Malfoy vinha de longe, sobre sua vassoura, cortando o céu com seus cabelos platinados amassados pelo ar frio cortante. Ela correu mais rápido. Felizmente, estava já dentro da floresta ao redor da mansão.
    Olhou para os lados aflita e encontrou sua rota de fuga. Testrálios. Sua testura era estranha, era um pano líquido, uma pasta sólida, uma fumaça formigante, mas ela não tinha tempo de se importar, assim, montou em um deles e cavalgou à toda velocidade à frente. Draco se aproximava com sua vassoura, e ela ia cada vez mais rápida em direção às sombras. Ele não importava. Aquilo não importava. Nada mais importava.
   A criatura galopou, o mais rápido que pôde, desviou de troncos retorcidos, pulou árvores caídas, ignorou plantas batendo em seu rosto, assim como a garota. Ela finalmente respirava, todas as partes do seu corpo congelavam, embora, tomada pela adrenalina, ela não pararia agora. Seu primo não estava longe, ele desviava com maestria das árvores, e logo estaria próximo demais. Vamos cavalinho.
   Um, dois, três galopes, vire à direita para não bater em uma pedra. Quatro, cinco, seis, sete, pule sobre os galhos espinhosos retorcidos. Oito, nove, dez, onze, doze, e o cavalo para imediatamente, após avistar uma queda enorme. A garota é arremessada. Um, dois, três segundos em queda livre pelo penhasco. Algo a atinge, uma mão a segura, seu primo a leva em segurança para a terra.
   No chão, suas roupas rasgadas, sua pele machucada por suas próprias unhas, com os braços de Draco ao seu redor, ela finalmente desaba. Chora, soluça, grita. Seu primo a abraçou em silêncio até que ela se acalmasse, muito tempo depois, ela finalmente se acalmou. Seu olho vidrado em algum lugar, com certeza as imagens a invadindo novamente.
   Vultos pretos e brancos em grande quantidade, magias, Harry Potter, um duelo, máscaras pretas, Sirius Black, Lúcio Malfoy, uma luz verde, a risada de sua mãe, o grito de Potter, e nada mais fazia sentido em sua mente. Não lembrava sequer o que havia feito. Provavelmente ficara parada, estática, assistindo a cena como uma grande idiota quando podia ter se movido, feito alguma coisa, protegido ele, atacado ela, vingado ele. Nada disso aconteceu. Mas o grifinório gritou, o manto brilhou, a batalha parou, e a voz sínica da megera Lestrange ecoava em sua cabeça como uma maldição que a perseguiria para sempre. "EU MATEI SIRIUS BLACK".
    Sirius. Morto. E o que ela fez? Nada. Ela soluçava, sua dor de cabeça agonizantemente mais forte.
  -- Ei! Olha pra mim porra!
   Ela parou e o olhou. Seus olhos cinza transbordando preocupação. Estava sério como nunca. O rosto magro e pálido contra a luz da lua, as cicatrizes inflingidas por seu pai quase não apareciam mais, as olheiras profundas sob os olhos se pareciam com as suas. Sua voz tinha o timbre mais grave do que o normal.
  -- Ah Draco. Olha pra você, como você cresceu.
   Ele olhou confuso para os olhos vermelhos e inchados de lágrimas, sem entender muito bem a situação.
  -- O que estão fazendo da gente? Olha pra nós dois. Dois adultos em corpos de adolescentes. Não tivemos tempo. Tiraram nossas brincadeiras para impor ordens e castigos, tiraram nossa infância para ensinar-nos a sermos bons adultos, tiraram nossa liberdade, nosso poder de escolha.
   Draco recebia as palavras da prima com um vazio no peito, e um aperto na garganta. Mas não choraria. Não era a hora.
  -- Tiraram nosso direito às lágrimas.
   E de repente tudo veio à mente dela. Seu pai a acordando no meio da noite, enquanto sua mãe estava fora caçando pessoas que ela nem mesmo conhecia, prendendo-na com magia, mãos e pés, enquanto ela prendia a respiração e rezava para que acabasse logo. Doía como um inferno, e o pai suava, e soltava sons asquerosos, enquanto ela prendia as lágrimas que lhe proibiram de derramar.
   Noites na masmorra, acorrentada, esperando sua mãe soltá-la depois de ela tê-la confrontado. Semanas sem comida, tonta, fazendo tarefas domésticas enquanto tentava não desmaiar. E sempre haviam as noites em que, mesmo machucada, engolia tudo pra si e ia até o quarto de Draco conversar com ele, cuidar dele, fazer companhia, e ocasionalmente levar a culpa em seu lugar para protegê-lo dos castigos, mesmo que algumas vezes não fosse suficiente.
   Eles agora estavam ali, um pelo outro. Era só o que eles tinham, e ela sabia disso. Apesar de Draco ter uma conexão com Narcisa, Willow tinha apenas a ele. Sírius se fora, e a culpa era dela. Do sangue dela. Dela por ter ficado parada. Dela por ser uma covarde. E então chorou novamente, abraçando seu primo com toda a força que podia.
   O que era ela? Era forte? Era fraca? Era inteligente? Estúpida? Agia por impulso? De que lado estava? O que era para Draco? O que era para os professores? O que era para os alunos? Só mais uma sonserina? Uma comensal? Uma ameaça? Uma vítma? Uma puta?
   Era certo que sua mente jamais voltaria ao que foi um dia. Ouviu de um medibruxo uma vez que traumas sexuais na infância podem levar a vários problemas psicossomáticos, como a obsessão por sexo, um transtorno raro, que ela desenvolvera.
O que seria dela nessa guerra? O que seria de Draco? Como ela o salvaria? E então ela finalmente entendeu. Seu nome era sim, afinal, Lestrange.

Willow Black LestrangeOnde histórias criam vida. Descubra agora