Acaso Indefinido

Mágoas e amarguras

Apesar de ter que sentir tudo isso calada, estava bem chateada comigo por ter permitido chegar àquele ponto. Onde estava a mulher fria e de cabeça erguida que iria se importar apenas com o trabalho? Fiquei abalada e nem foi por saber ou quase isso, suspeitar que ele estaria com outra mulher, mas sim por me importar o suficiente para ficar mal com isso.

Não é fácil vivenciar tudo que passei, sentir a rejeição e o sentimento de inutilidade à flor da pele e recomeçar do zero. Eu estava indo bem, confesso que ainda penso no Charles e na promessa de felicidade que viveríamos juntos, nos planos que fizemos pelos próximos 10 anos e na família que teríamos juntos. O que seria de nós em uma década? Veja só. O plano era acordar bem cedo, preparar a nossa comida preferida e juntos com as crianças ir passar o dia todo na praia, quando chegasse o por do sol, estaríamos de mãos dadas refazendo os votos de casamentos para os próximos 10 anos. Seria uma linda história de amor, se ele não fosse babaca o suficiente.

Balancei a cabeça consecutivas vezes para me livrar desses pensamentos e me permiti adormecer, a correria voltaria ao normal no dia seguinte.

Preferi não enfrentar o Ricardo, principalmente naquela hora da manhã e então só apareci e fiz o meu trabalho como faria nos dias normais. Refiz meu horário, falei com alunos que tinham o que dizer, com outros que só me olhavam em silêncio por exatamente uma hora e até fiz progresso com outros. Foi um bom dia. No almoço me sentei com a Patrícia e o Michel, já que um dia eles se sentaram ali e nunca mais pararam. Foi até bom fazer amizade com o pessoal do trabalho, não poderia ser a excluída do corpo estudantil, já me bastava no ensino médio.

—Ficaram sabendo do evento que o Ricardo está organizando com a patroa? —Patrícia introduziu.

Se você quisesse saber qualquer coisa sobre qualquer pessoa naquela escola, era ela a pessoa certa para isso, e só era uma mera professora de Português.

—Que evento? —Apesar de não estar nem um pouco interessada em ficar falando dele por aí, me bateu uma imensa curiosidade em saber mais sobre ele. Qualquer coisa que explicasse aquele comportamento babaca.

—Ele e a esposa faz um leilão beneficente todo ano para arrecadar fundos ao hospital geral da cidade. É uma atitude bem nobre.

—Nobre? —Michel estava indignado. —Não tem nada de nobre nisso. Quer dizer, tudo bem que o dinheiro realmente ajuda, mas ele não faz isso por nobreza.

—Como assim?

Um fato não estava batendo com o outro.

—O Michel tem razão. —Ela olhou aos arredores para verificar a ausência dele.

—Há quem diz por aí que tudo isso é só para chamar a atenção dos holofotes.

—O nome disso meu amor, é Política. —Michel ironizou insatisfeito. —A cidade está cheia de comentários que ele pretende se candidatar à prefeito. Eu não votaria nele!

Depois do que ele quase me fez, nem eu.

—O que mais vocês sabem sobre ele?

Tentei não parecer curiosa de mais, no entanto, eu estava mesmo a fim de saber mais sobre o cara.

—Eu acho que ele tem a vida perfeita de mais. —Ela julgou indiferente. —E não é bem assim. Quer dizer, é tudo muito forçado, sabe?

—Sem falar que ele faz questão de manter sua vida como um livro aberto às pessoas e principalmente, à mídia.

Não era exatamente o que eu esperava, mas não era de se estranhar vindo de uma pessoa que armou toda uma cena para ficarmos à sós. Michel me contou dias depois que o Ricardo nunca o convidou para aquela noite no bar, a Patrícia disse o mesmo.