Já se passaram três semanas que voltei para casa e as coisas estão melhores. Saio para caminhar e praticar yoga em alguns dias, cozinho com mamãe em outros e leio bastante, já que é um de meus hobbies preferidos e em casa temos uma biblioteca maravilhosa. Herança de papai que amava ler.
Ouço a campainha e como estava mais próximo da porta atendi.
- Pois não?
- Cora está?
- Olá Granny. Como está? Entre.
- Menina Regina! Estou muito bem e você?
- Há muito tempo ninguém me chama de menina.
- Pra mim será sempre a menina que adorava minhas tortas e passava quase todo dia para comer na lanchonete.
- Bons tempos Granny. Mamãe fala ao chegar do meu lado.
- Bom dia Cora. Podemos conversar um pouco?
- Claro vamos à cozinha para que eu faça um café fresquinho.
- Venha também querida - Granny me chama, pois já estava voltando para a biblioteca.
Após estarmos todas sentadas e desfrutando de um café maravilhoso começo a prestar atenção no assunto que trouxe Granny até em casa.
- Como ela está?
- Não muito bem, não come direito você sabe.
- Eu sei e o que podemos fazer por ela?
- É exatamente isso que vim conversar com você minha amiga. Não posso ir buscá-la, uma vez que trabalho praticamente o dia todo e você sabe como ela é.
- Você acha que ela aceitaria ficar comigo?
- Não vejo porque não. Ela conhece você assim como me conhece e ela precisa de rostos conhecidos agora.
- De quem estão falando?
- Se lembra dos Swan menina Regina?
- O filho deles era o capitão do time da escola, não era? David acho.
- Isso mesmo. Não sei se você sabe, mas eles sofreram um acidente de carro, os quatro estavam no veículo. Os pais morreram na hora e David está no hospital em coma.
- Espera. Os quatro? Eu contei vocês falando de três pessoas.
- Sim, acho que não se lembra mas eles tinham uma filha – a caçula, Emma.
- Não me lembro dela.
- Idades diferentes, é normal não lembrar.
- E o que tem ela?
- Bem, ela estava no carro quando o acidente ocorreu. E ficou presa no carro junto com a família por todo o tempo que o resgate demorou.
- E ela está bem?
- Fisicamente sim, ela não sofreu mais que uns arranhões.
- Mas psicologicamente. Completa Granny.
- O que houve?
- Bem meu amor - mamãe falava com cautela como se isso fosse demais para mim - pelo que conversamos com os médicos o Sr Swan morreu na hora mas a Sra Swan não, então Emma ficou presa dentro do carro assistindo a mãe morrendo aos poucos.
- Meu Deus mamãe!
- Menina Regina ela sofreu tanto. E ainda está sofrendo, agora ela não tem ninguém porque os pais se foram e o irmão está em coma.
- E onde ela está então?
- Bem meu amor, quando ela teve alta do hospital eles não sabiam para onde mandá-la.
- Como assim?
- Ela meio que desligou desse momento sabe; apagou certas coisas da memória menina Regina.
- Meu amor, ela “fugiu” para uma parte da cabecinha dela onde não precisa enfrentar o que aconteceu com ela, entende?
- Entendo mamãe, e como entendo. Às vezes eu queria poder fazer isso.
Mamãe só me olhou com pesar pois sabia que era verdade.
- Para onde a levaram?
- Para uma clínica de repouso.
- Mas por quê?
- Ela não tem parentes, menina Regina e ninguém que se responsabilize por ela. E me corta o coração ver a menina lá, ela é um amor de pessoa.
- E o que esta acontecendo que você veio falar com a minha mãe Granny?
- Amanhã irei visitá-la e queria saber se Cora não gostaria de vir junto. Ela gosta muito da sua mãe menina Regina.
- Claro que vou Granny.
- Irei com vocês também.
- Isso é ótimo menina Regina.
3
No outro dia após o almoço que mamãe e eu aproveitamos para comer no Granny’s, nós três seguimos para a cidade vizinha.
A “clínica” nada mais era do que um lugar velho e feio cheio de pessoas demais para o tamanho do lugar. Acho que eles não sabem o que significa lotação máxima.
Quando chegamos à recepção uma mulher de aparência desleixada mascando um chiclete e assistindo um programa na TV nos olhou, fingiu que não nos viu e voltou a se concentrar na TV.
- Bom tarde. Viemos visitar uma paciente.
- Qual? Ela perguntou ainda prestando atenção na TV.
- Emma Swan. Minha mãe se apressou a dizer.
- Ela está no jardim.
- Podemos ir lá?
- Podem.
- Esse lugar é horrível mamãe!
- Também achamos na primeira vez que viemos meu amor. Mas é isso que o seguro dos pais dela cobre uma vez que o irmão dela está em coma e é caro o hospital.
- Aquela é a Dra White que cuida da clínica e aquela é Emma. Granny disse virando o rosto para o jardim, que era muito do mau cuidado.
Então eu a vi.
Loira, muito pequena para idade isso eu podia notar de longe. E estava com uma roupa cinza que obviamente estava grande nela, pois os poucos minutos que fiquei parada olhando ela puxou a calça três vezes. Estava com o cabelo solto e cobrindo todo o rosto, pois ela estava com a cabeça abaixada e parecia levar uma bronca da mulher parada a sua frente.
- Vamos até lá. Parece que a menina Emma esta com problemas. De novo!
Aproximamo-nos e podemos ouvir uma parte da conversa.
- Aqui não é a sua casa e você não pode fazer o que quer!
- O que esta acontecendo aqui? Pronunciei-me pois a menina estava com medo ao ouvir a mulher gritando com ela.
- E quem é você?
- Regina Mills. E você?
- Dra Ingrid White.
- Ei menina Emma.
- Ny! A menina correu para abraçar Granny.
- E eu não ganho abraço? Minha mãe perguntou para a menina.
- Vovó!
- Que saudade pequena. Quero te apresentar uma pessoa.
- Teeeem?
- A minha filha. Regina essa é Emma. Emma essa é Regina.
Quando se virou na minha direção e me olhou nos olhos senti uma conexão imediata com a menina.
Os olhos verdes mais bonitos que eu já tinha visto e com tanta pureza que parecia um anjo. Um anjinho.
- Ooooi! Ela me disse timidamente.
- Olá Emma. Ouvi muito falar de você sabia?
- Não.
- Fiquei sabendo que você é uma menina muito especial.
- Emma é pecial. Ela disse balançando a cabeça concordando com o que eu disse.
- E porque a Dra White estava brigando com você quando chegamos?
- Emma mau! E vejo o lábio fino dela tremer como se fosse chorar.
- O que ela quer dizer com isso? Pergunto a Dra White.
- Coisas do dia a dia da clínica, senhora Mills.
- Emma fominha! Ela puxou a blusa de mamãe para chamar a atenção.
- Eu posso comprar alguma coisa na cantina para ela não ficar com fome. Granny disse a Dra White ao ver o olhar que a médica lançou para a menina.
- Se é assim, a doutora dá de ombros. Mas entenda ela está com fome porque não quis comer junto com o resto dos internos.
Ninguém falou nada depois da Dra White dar seu parecer desnecessário.
- Vou deixá-las sozinhas.
Senti que o clima melhorou bastante depois que a Dra nos deixou.
- Vou à cantina e já volto, ouço Granny falando.
A menina pulava em volta de minha mãe e observando Granny ir à cantina.
- Calma menina. Assim vai passar mal.
- Emma não té gomitar.
- hahahaha
Eu não aguento e começo a rir. Mamãe me olha sorrindo.
- Adoro esse som Regina.
- Não é gomitar é vo-mi-tar. Eu falo para Emma.
- Go-mi-tar. E fez bico de contrariada.
- Deixa ela querida, você entendeu não entendeu?
- Emma com fominha!
- A Granny já volta Emma. Minha mãe tentava contornar a situação.
- Não, Emma com fominha agola. Falou começando a chorar. Aquilo partiu meu coração, ela estava com fome de verdade.
Vejo Granny voltando com um copo de leite nas mãos e um pedaço de bolo.
- Aqui menina Emma.
- Emma té lête! E pensa na bagunça que ela fez – tinha bigodinho de leite e mais bolo na roupa do que dentro da boca dela.
Eu não podia com tanta fofura, ela é um bebezão indefeso e inocente. E não conseguia imaginar ela sendo maltratada nesse lugar horrível.
Nisso sinto meus olhos arderem e eu já estava chorando. Quando sinto um dedinho secando uma lágrima no meu rosto.
- Ta cholando?
- Um pouquinho.
- Não chola, Emma vai abaçar pra salar.
E senti os bracinhos dela me apertando.
Mamãe e Granny olhavam sorrindo para nós.
- Parece que ela gostou de você querida.
- É mesmo menina Regina, ela é meio tímida com as pessoas e quase não fala com estranhos.
- Fico feliz porque também gostei dela. Falo puxando a menina para sentar nas minhas pernas.
A menina levanta a cabeça me fazendo vidrar nos olhinhos verdes dela.
- Emma molou a sua busa.
A menina disse apontando a minha blusa na altura dos seios. Minha vontade de chorar agora era por mim e pela situação de Emma.
- Não foi você não querida. Digo com a voz embargada.
- Minha querida, mamãe fala me olhando com pesar na voz.
- Achei que já tinha parado de vazar mamãe. Não acontecia a um mês.
A menina sentada no meu colo não parava quieta agora.
- O que foi Emma? Mamãe perguntou a ela.
Mas ela não respondia estava esfregando o rostinho agora vermelho com as mãozinhas e soltando resmungos baixinhos.
- Ela parece irritada mamãe.
- Parece mesmo.
- Emma?
Tentei afastá-la de mim um pouco, mas ela me apertou mais ainda e começou a chorar. Mas dessa vez o choro era mais sentido.
- Regina, acho que ficar com ela no colo não esta ajudando. Me dê ela aqui. Mamãe disse a puxando para seus braços, mas a única coisa que conseguiu foi que ela chorasse mais alto esticando os bracinhos.
- Gi. Gi.
O rosto dela estava um tomatinho agora de tão vermelho e as lágrimas escorriam sem parar.
- Deixa ela comigo mamãe. Ela está agitada demais e nem sabemos o motivo.
Mamãe a colocou em meus braços novamente e ela acalmou um pouco, mas continuava resmungando e com um choro baixo e sentido.
- O que ela tem mamãe? Foi de uma hora para outra.
- Não sei querida. Não parece ser dor.
- Resolvi levantar e fiquei ninando ela nos braços cantando uma música qualquer.
- Ela está acalmando, Granny disse.
E realmente ela estava tranquila agora, chupando o dedo e uma mãozinha estava nas minhas costas agarrada na minha blusa e com a cabeça no meu peito.
- So-soninho. Disse ela com a voz mole.
Continuei ninando a loirinha em meu colo até sentir ela se entregar ao sono.
- Onde é o quarto dela?
- Consegue carregá-la querida?
- Ela é leve e pequena mamãe. Não há problema.
E saímos em direção ao interior da clínica e o quarto era horrível assim como o resto da clínica. Havia umas dez camas num quarto grande e cheirando a abandono.
Coloquei a menina ainda dormindo na cama.
- Vamos falar com a Dra White.
Seguimos pelo corredor até a recepção onde a mesma mulher mascava provavelmente o mesmo chiclete.
- Preciso falar com a Dra White.
- Segunda sala à direita.
Batia na porta e ouvi um entre.
- Dra White?
- Sim.
- Gostaria de conversar sobre Emma.
- Pois não.
- O quarto dela...
- O que tem o quarto?
- Ele está horrível doutora. Ele cheira a falta de limpeza.
- E gostaria que ele cheirasse como se ela faz questão de molhar a cama todo o santo dia!
- Como assim?
- Isso mesmo que você ouviu. Ela amanhece com a cama molhada todo dia. A Dra disse com nojo na voz.
- Como pode tratá-la assim sendo uma médica?
- Exatamente por ser uma médica que a trato assim. Se fizer todas as vontades dela, ela não irá melhorar. Ela precisa entender as coisas.
- Chega! Eu não conseguia assimilar o que ela dizia com a fala de uma médica que deveria proteger a integridade do paciente, acima de qualquer coisa.
- Vocês não entendem. Não convivem com pessoas assim o dia todo.
- Eu quero levá-la. Isso é possível?
- Você quer se responsabilizar por ela?
- Sim, eu e minha mãe podemos fazer isso. Temos tempo e condições de cuidar de tudo que ela necessita.
- Bem, ela só está aqui porque não tem ninguém.
- Nós podemos levá-la conosco?
- Prepararei os papéis referentes à transferência da tutela provisória dela. Espero que estejam cientes que ela dá trabalho. E que se o irmão dela se recuperar a guarda pertence a ele.
- Não há problema quanto nenhuma dessas coisas.
- Ok, esperem e já podem levá-la.
Assim que a Dra White saiu da sala, sinto Granny me abraçando e ouço mamãe falando.
- Tem certeza disso querida? É uma responsabilidade muito grande.
- Eu sei mamãe. Mas não iria ficar tranquila em deixar a menina aqui, vivendo desse jeito. Meu coração não iria ter paz.
- Eu tenho que ser sincera com você meu amor. Eu nunca fiquei tranquila com ela aqui.
- Fico tão feliz menina Regina!
Após meia hora e com papéis devidamente assinados, volto ao quarto de Emma e ela ainda está dormindo.
- Quando ela veio para nós, estava somente com a roupa do corpo e depois só usou os uniformes.
- Fique tranquila, só pegarei a menina e já iremos embora.
- Emma. Vamos acordar? Chamei a menina baixinho para não assustá-la.
- Não quer passear comigo e com a vovó?
- De caio? Ela perguntou com a voz mole de sono.
- Sim, você quer ir?
- Té.
- Então vamos!
Ela estava lutando para abrir os olhos, mas estava com muito sono pelo jeito.
- Vamos Emma, acorde logo. A Dra White disse de forma brusca.
Ao ouvir a voz da Dra White a menina abriu os olhos rapidamente.
- Não precisava falar assim com ela.
- Que seja. Mas ela acordou não foi?
- Desnecessário!
Peguei a mãozinha da menina e sai do quarto seguindo até a recepção onde mamãe e Granny esperavam por nós.
- Vamos embora querida? Mamãe perguntou a menina.
- Emma vai passeiá de caio!
Ela falava e batia as mãozinhas.
- Então vamos embora.
- Vaaaaamo.
- Até mais Emma. A Dra White disse com a voz carregada de sarcasmo.
- Diga Adeus Emma.
- Adeus Emma!
E deu tchau com as mãos para a Dra White.