V - A condenação do futuro

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Clara queria gritar, mas ao mesmo tempo o horror que experimentava era tão grande que o grito não se soltava da garganta, fazendo que lhe doesse, como se estivesse com gripe.

A sua visão foi tapada por um sujeito de barba, com traços orientais e pálido como um lençol.

- Quem é ela? O que faz aqui? Pedimos um médico! Não precisamos do serviço de urgências completo.

- Ela é a minha companheira... assistente... em medicina – informou o Doutor, a voz rouca e autoritária. Mas também vaga e curiosa, pois se Clara tinha deixado de ver, ele continuava de frente para o que estava a acontecer.

- Mike – pediu um segundo sujeito, ruivo e também de barba que se aproximou e pousava uma mão no ombro do primeiro sujeito –, Mike, por favor, eles são os profissionais, deixa-os... trabalhar. Deixa-os que façam os seus diagnósticos e depois...

- Dave, eu só estou a controlar os danos – respondeu o primeiro sujeito, irredutível.

A porta estava aberta, ouviam-se os gritos do exterior cada vez mais excitados, o clamor que exigia a banda e o início do concerto. Clara continuava petrificada na mesma posição, barrada pelos dois homens que a interpelavam em modos diferentes – ameaçador e condescendente. Estava tão assustada e perplexa que nem se apercebeu que tinha, frente a si, Mike Shinoda e Dave Farrell, Phoenix por alcunha, da banda Linkin Park. O vocalista e fundador, o baixista.

Um terceiro sujeito, o mais alto de todos eles, veio com pezinhos de lã e fechou a porta atrás dela.

- Se é para não haver testemunhas, vamos continuar... discretos – disse Rob Bourdon, o baterista. Perguntou à Clara: – Estás bem, querida? Queres um copo de água?

Mike abriu os braços e avisou, histérico, no mesmo tom de menina que sucedia usar quando lhe partiam um dos seus vasos orientais:

- Ninguém bebe água nenhuma ou come o que quer que seja até se descobrir o que causou aquilo! Doutor?! Doutor, precisamos que nos digas o que é que se está a passar aqui. – E voltou-se para trás.

- Ele é um doutor? Não está vestido como um médico... Parece um mágico – apontou Rob.

- Um mágico? – estranhou Dave.

- Sim... topa só o casaco.

- Chiu. Não lances mais confusão.

- Só estava...

- Chiu, Rob!

O Doutor sacou da sua chave de fendas sónica. Hesitou em ligá-la. Fazia uma prévia avaliação com os seus sentidos primeiro. Cheirando, ouvindo, sentindo, olhando, com as sobrancelhas a se crisparem, inquietas, por cima dos seus olhos azuis atentos.

Clara desviou-se da barragem formada por Mike e Dave e voltou a ver o que a deixara tão espantada.

No centro daquela sala, sobre um tapete que se encarquilhava de tão ressequido, como se tivesse sido sujeito a uma temperatura demasiado elevada, estava o disc-jockey dos Linkin Park, Joe Hahn, imóvel, num estupor de estátua inerte. Uma autêntica estátua. Nada se mexia nele, nem mesmo as pálpebras no pestanejar necessário e periódico para que os olhos se humedecessem, nem um ligeiro tremor nos dedos ou um leve agitar dos músculos da perna, ou o palpitar da jugular no pescoço. Parecia que estava tudo normal com ele, congelado numa posição fixa de fotografia tridimensional, a não ser pela gosma verde que lhe cobria os cabelos e que escorria em grossas gotas pela cabeça abaixo. O deslizamento dessa matéria viscosa estava suspenso, numa lentidão programada, a aguardar o gatilho para continuar a contaminação, a apropriação total do corpo que escolhera para se desenvolver.

O Mágico e Os Ladrões de SomOnde histórias criam vida. Descubra agora