XX - Improvisar e continuar

13 4 0
                                    


A curta viagem do Doutor pela nave foi realmente curta. A escotilha que tinha escolhido revelou um corredor escuro e circular que o levou de regresso ao viveiro. Ele achou aquilo estranho e intrigante. Agarrou na guitarra e preparou-se para tocar mais acordes, mas quando ajeitou a palheta preta entre os dedos desistiu. Analisou a parede e reparou que das sete escotilhas criadas com a sua chave de fendas sónica, potenciadas pelo solo de Punk que partilhara com o japonês inteligente chamado Mike, só existia uma e parecia que se estava a fundir com a estrutura. Era uma abertura semelhante a uma porta estreita, com um lintel em forma de ogiva gótica trabalhada em pedra. Não perdeu tempo a hesitar. Abriu essa última escotilha e passou por esta.

Chegou a uma sala repleta de portas iguais àquela que tinha atravessado. As paredes, então, giraram, como numa roleta e ele ficou sem saber por que porta tinha entrado ali. Sorriu com o desafio, admirado com a versatilidade daquela nave.

Começou a desconfiar do que estava a acontecer ali, a identificar a tecnologia utilizada com assombro, descrédito e vaidade, a desenhar um dos seus planos mirabolantes, mas o ruído incessante do seu cérebro a laborar em pleno foi silenciado quando ele viu passar por uma das portas, assim que o mecanismo giratório estacionou, o japonês inteligente.

- Mike!

- Doutor?

O outro espantou-se, mas assim que o reconheceu aproximou-se, aliviado.

- O que foi que descobriste, meu rapaz?

- Nada... o que queria descobrir era o caminho de volta à TARDIS e, no fim, estou aqui.

- Viste coisas estranhas...

- Isso foi uma pergunta? Sim, vi coisas bastante estranhas. Passei por teclados, pianos, violinos, oboés, violoncelos, bombos, tambores, pandeiretas, apitos, harpas, instrumentos musicais esquisitos que pareciam ter saído de um filme de Star Wars, instrumentos musicais dos quais nem me lembro como se chamam. Uma verdadeira orquestra! Havia sempre a tentação de os tocar, de experimentar, mas depois contrariava o meu instinto e prendia as mãos uma na outra. Havia funis que me seguiam, recetores de som, altifalantes e outras geringonças que queriam captar as notas musicais que eu eventualmente produzisse. Na minha cabeça havia melodias que ainda não compus, outras que escrevi há muito tempo. O futuro e o passado. Um pesadelo, Doutor.

- Hum... Perfeito!

- Perfeito? – estranhou Mike. – Não estou a compreender...

O Doutor mostrava um sorriso amplo e os seus olhos azuis brilhavam. Explicou:

- A minha experiência no caminho que escolhi foi diferente da tua. E aposto que a experiência da Clara e do teu amigo também terá sido. Não estarão em perigo, longe disso. A não ser que a mente do teu amigo tenha monstros.

- O Chaz... o Chester está em perigo! – exclamou Mike, assustado.

- Bem, o teu amigo vai safar-se. Não te preocupes. De qualquer modo, esta nave ligou-se ao padrão neurológico de cada um e transforma-se, refaz-se, reconfigura-se, apresenta-se conforme os nossos desejos, anseios e ideias. Está numa constante metamorfose que nos afasta do nosso objetivo. A confusão é muito grande, desde que não saibamos o que está a acontecer. Mas a partir do momento em que deciframos o código, colabora connosco. Há imenso tempo que não tropeçava numa nave destas.

- Já estiveste numa nave destas...

- Isso foi uma pergunta? Sim, Mike, este modelo de nave não me é desconhecido.

- São as naves daquela guerra?

- As guerras de Zorban? Não... esta tecnologia que aproveita ondas cerebrais e padrões intelectuais é obra do povo de Buondabuonda. No início, quando aqui chegámos com a minha TARDIS, julguei que era uma nave zorbaniana por causa deste setor específico da Via Láctea. Aconteceu aqui a guerra dos herdeiros, existem vestígios desse conflito e... tu ouviste-me há pouco – cortou impaciente. Semicerrou os olhos e declarou, solene: – No entanto, já era esta nave a confundir a minha perceção.

O Mágico e Os Ladrões de SomOnde histórias criam vida. Descubra agora