XXIX - O tempo que passa devagar

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Chester andava de um lado para o outro na enfermaria, incapaz de ficar parado. Tinha descansado alguns minutos numa cadeira. Experimentara uma das macas, mas a lembrança das suas estadias no hospital, no passado, fê-lo levantar-se pouco tempo depois. Fora espreitar a tigela dos doces e não encontrara nada que lhe despertasse a gula. E, por fim, entediado com a espera e o ócio, pusera-se a dar voltas pela sala. Confessou que de cada vez que completava uma ronda era diferente, havia mais um detalhe acrescentado, uma peça de mobília, coisas que mudavam de sítio, como se o lugar fosse assombrado. Novidades, alterações, evidentes ou subtis, que era como um jogo. Uma batalha constante com a imaginação. Queixou-se por ser tudo tão intenso, ali dentro.

- Pensava que gostavas dessas cenas malucas – observou Mike a comer uvas, bago a bago. Estava estendido num sofá branco, as pernas trocadas pelos tornozelos, refastelado num monte de almofadas ao melhor estilo de um César. – Aposto que numa sala destas nunca te aborrecias.

- Eu estou aborrecido.

- És difícil de contentar, meu. Estas uvas estão uma delícia.

- Achas que é seguro comer essa comida? – perguntou Dave desconfiado. De braços cruzados, continuava sentado junto à maca onde Brad descansava. O guitarrista tinha as mãos atrás da cabeça, a fixar o teto, com um meio sorriso nos lábios. O baixista ainda não tinha provado nada do que lhes estava a ser oferecido nas bandejas, pratos e tigelas que agora cobriam a mesa numa exibição eclética de diversas iguarias.

- O Chaz continua bem – comentou Brad.

- Claro que é seguro comer o que está nesta sala – disse Mike. – Esta comida fomos nós que a trouxemos para cá, através do nosso pensamento. A nave responde às nossas necessidades, como nos teus livros do pequeno feiticeiro inglês, Dave.

- Eu falei no filme... não foi no livro – resmungou Dave. Aclarou a garganta. – Mesmo assim, prefiro não arriscar.

- Não há nada para arriscar – disse Chester. – A maçã que comi sabia-me igual a uma qualquer maçã da Terra. Porque estas maçãs e essas uvas não são da Terra. Certo, Mike?

- Claro que são da Terra! Não conhecemos outras. Logo, só sabemos pensar em comida à qual estamos habituados. Pela lógica, tudo o que aqui está... é terrestre. Olhem só os chocolates. São todos de marcas conhecidas, idênticas àquelas que nos deixam nos camarins antes de irmos atuar.

- Devia comer um desses chocolates. Mas acho que o açúcar ainda me vai deixar mais agitado.

- Acalma-te, Chazy.

- Estou calmo! E estou também aborrecido.

- Já sabemos, companheiro.

Dave viu Brad sentar-se na maca e descruzou os braços.

- Ei, meu. O que estás a fazer?

- Calminha, Phoenix. As tonturas já me passaram e estou bastante melhor. Estás dispensado do teu cargo de enfermeiro. Mike?

- Queres comer alguma coisa, Brad? Dave, leva uma dessas bandejas ao Brad. Ou queres beber? Deves hidratar-te. Estiveste muito tempo com febre, a suar em abundância e perdeste muitos líquidos. Se não comes, ao menos que bebas uns copos de água. Não penses noutra bebida, nada hidrata mais do que água. Dave, leva-lhe uma garrafa.

- Mike, onde arranjaste essa guitarra?

Dave e Chester sorriram um para o outro.

- Hum... estás definitivamente curado se reparas na guitarra – disse Mike divertido. Mastigou o último bago e engoliu-o. Limpou a boca com o guardanapo que tinha posto sobre o peito para não se sujar, embora fosse impossível alguém sujar-se a comer uvas. – Arranjei-a no viveiro onde estão a ser criados os fungos para a invasão da Terra.

O Mágico e Os Ladrões de SomOnde histórias criam vida. Descubra agora