XXII - Pequenos terrores

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- Ele está pior.

Dave espreitou Brad. O guitarrista tinha o rosto perlado de suor, estava corado, a boca gretada estremecia em murmúrios e todo ele se agitava num sono inquieto. Sim, parecia que a febre tinha claramente aumentado. Dave sentiu-o a escaldar quando lhe tocou nas têmporas com as costas da mão.

- Merda...

A sua principal preocupação era não terem nada com que pudessem aliviar-lhe a temperatura anormal do corpo. Um simples paracetamol, uma toalha molhada e fresca. Era frustrante e irritante, tudo ao mesmo tempo, numa amálgama de sentimentos ruins que o deixavam irritadiço, na raia da violência. Era só ter o gatilho certo e desatava ao murro e ao pontapé com a primeira coisa que lhe metessem à frente!

Rob sentou-se ao lado dele, depois de ter percorrido pela décima vez aquela caixa hermética onde estavam encerrados e que, de alguma maneira engenhosa e desconhecida, deixava passar o ar, senão há muito que já teriam sufocado. Dave estimava que tinham passado pelo menos entre trinta a quarenta minutos. O baterista puxou os joelhos para o peito, abraçado às suas próprias pernas.

- E agora, o que fazemos? – perguntou.

- Não faço a mínima ideia, Rob – rosnou, tentando não apontar a sua raiva latente ao companheiro, pois que não tinha, como ele, o enfermo Brad ou o contaminado Joe, culpa nenhuma daquilo.

- O Brad precisa de ser medicado. Ainda coze o cérebro com essa febre e deixamos de ter guitarrista.

- Eu sei, Rob. Eu sei.

- O que achas que aconteceu?

- Não faço a mínima ideia. A minha melhor hipótese é que fomos feitos prisioneiros por alguém que também está nesta nave. Ouvimos aquela voz vinda nem sei bem de onde a dizer que fomos capturados e surgiu esta cela onde nos enfiaram, ao estilo de uma prisão instantânea. Sem janelas, sem portas, sem grades, sem vidros ou espelhos, nada.

- Alguma abertura deve ter, continuamos a respirar normalmente e o ar não ficou viciado.

Dave suspirou. Passou uma mão pela cara, repuxou a barba ruiva.

- Rob... meu amigo Rob. Já fizemos essa inspeção um cento de vezes. Será alguma tecnologia alienígena. Nós, pobres humanos, não fomos feitos para quebrar este código e resolver a equação que nos deixe escapar por esse sistema de exaustão que permite a renovação do ar respirável aqui dentro. Somos prisioneiros – frisou.

- Prisioneiros de quem?

Rob olhou em volta. A luz era fraca, num tom azulado, conseguiam ver vultos e contornos, só de perto era possível reconhecer feições. De resto, a caixa não era muito grande, mas dava para eles os quatro à vontade, sendo que dois estavam deitados no chão.

- O Doutor tinha dito que não havia formas de vida na nave que estaria abandonada. Que grande treta! – zingrou Rob, aborrecido.

- O Doutor pode não saber tudo, ele vai descobrindo graças àquela chave de fendas sónica e à cabina telefónica. Apalpa o terreno, como qualquer um de nós, perante uma situação diferente e nunca vista. Ah! Nem sei por que motivo estou a defender o homem, já que acabámos de o conhecer!

- Só ele nos poderá salvar daqui, Dave...

- E como o iremos avisar?

- E se experimentarmos gritar e bater nas paredes?

- Já viste bem estas paredes, meu? Parecem feitas de aço sólido. Não acredito que deixem passar qualquer som.

- Ou talvez isso aconteça. Os fungos são ladrões de som e esta nave poderá estar desenhada para conseguir captar, absorver e devorar tudo o que seja onda sonora. Talvez seja isso que queiram que façamos... um barulho ensurdecedor para engordar os fungos.

O Mágico e Os Ladrões de SomOnde histórias criam vida. Descubra agora