XIX - O verdadeiro inimigo

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Se no início Chester avançava confiante do que estava a fazer ali, à medida que ia penetrando cada vez mais fundo naquela nave feita de salas intrincadas e esquisitas, de subidas, descidas, escadas largas, degraus estreitos, tubos, salas e átrios num labirinto que tanto era escuro como colorido, ele começou a julgar que estava num sonho psicadélico. Se antes parecera divertido, o seu bom humor desfazia-se agora em migalhas de apreensão, medo e desconfiança.

- Parece a porra do País das Maravilhas – disse em voz alta. Descobriu que gostou de ouvir a sua própria voz, foi como se tivesse encontrado um paliativo que lhe devolvia parte da serenidade e continuou a dissertação: – Sim, a porra do País das Maravilhas. Daqui a nada encontro-me com a Alice e os seus comprimidos, que a fazem crescer ou encolher... ei, minha, dá-me também uma dessas pastilhas... e vou tropeçar naquele coelho branco louco... e encontrar a lagarta em cima do cogumelo a fumar aquelas merdas e depois peço-lhe uma passa. Vou ficar mocado. Sim, mais mocado do que já estou! Que merda de nave... será que a escotilha do Mike também o levou a um lugar parecido a este? Isto não faz qualquer sentido... parece mais um parque de diversões do que uma nave espacial... Bem, aquela cabina telefónica azul também é uma nave. Isto é uma grande pedra! Uma grande...

Não terminou a sua análise. O chão cedeu numa rampa e Chester rebolou até parar no fim da descida inesperada. Largou a guitarra acústica. Com as pancadas a caixa de ressonância vibrou e soaram algumas notas desafinadas, que foram refletidas pelas paredes num ciclo infinito de som que ia ficando cada vez mais distorcido. Chester levantou os olhos para o teto e viu cabos esticados e entrançados, de uma parede à outra, que oscilavam à medida que o som passava por estes. Eram as cordas de um instrumento musical gigante. Chester olhava pela primeira vez o teto da nave e perguntou-se se a nave não seria esse instrumento musical. Fazia todo o sentido, já que os fungos parasitas viviam do som.

As luzes indiretas aumentavam a sensação de claustrofobia, de que por cima dele se estendia uma rede pronta para o envolver e aprisionar. Levantou-se sem desfitar o teto, preparado para um ataque. Andou com cautela, recuperou a guitarra. As ondas sonoras continuavam a propagar-se, o tom a tornar-se mais grave, a ser opressivo, a esmagar, a fazer as paredes ondular.

Abriu-se uma janela à sua esquerda e Chester saltou com o susto. Clara apareceu a correr e esbarrou contra ele. Caíram os dois, ele voltou a largar a guitarra. Outro acorde fortuito que alimentou os cabos no teto que cantavam, agora, alegremente.

- Clara! O que fazes aqui?

Solícito, Chester estendeu uma mão e ajudou-a a levantar-se.

- Chester! Não sei... não sei por onde estava a ir. O corredor foi-se dividindo noutros pequenos corredores e eu fui andando cada vez mais depressa até desatar a fugir. Tinha a sensação de que vinha alguma coisa atrás de mim, uma gigantesca bolha verde. Um fungo ultradesenvolvido... Que som é este? – E assim que o disse tapou os ouvidos com as mãos.

- Foi a minha guitarra que provocou esta sinfonia desafinada. É o teto. Olha.

Clara olhou para cima, baixando os braços.

- O que são? As cordas de uma guitarra gigante?

- Ou o interior de um piano enorme... não faço a mínima ideia. Não te cruzaste com o Mike?

- Não. Nem vi o Doutor. Estava a tentar regressar à TARDIS, mas acho que me perdi.

- Eu também ando por aqui perdido. Nem sei qual é o caminho certo. Parece... Isto parece-me...

Mordeu os lábios, calando-se. Sentiu um toque quente no braço.

- Parece-te o quê? – pediu Clara e entreolharam-se. – Diz, Chester...

O Mágico e Os Ladrões de SomOnde histórias criam vida. Descubra agora