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Acabamos dormindo na sala e acordo com alguns barulhos. Abro os olhos lentamente e a primeira coisa que vejo é o rosto de Anthony, ele dorme serenamente. Me sento no chão e olho para a cozinha, papai está preparando lanches e olha em minha direção acenando. Sorrio.

- Bom dia. - sussurro. Ele retribui o bom dia sussurrado e se concentra em fazer os lanches, olho para Tony e me pego admirando tamanha beleza. Ele dorme como um anjo e parece tão tranquilo. Estendo o braço e toco seu cabelo, ele se move no chão e inspira virando para o lado contrário. Mordo o lábio.

Ainda não disse a ele, mas eu amo uma pessoa que está deitada no chão da sala e dormindo como um anjo inocente.

Me levanto com cuidado e observo as pétalas meio murchas no chão, a bagunça na mesinha e sorrio. "Não vou limpar a bagunça sozinha!" Caminho para a cozinha e me sento em uma das cadeiras e pego o lanche pronto. Papai termina de preparar os outros e se senta sorrindo.

- Quando cheguei a tv estava ligada tocando sozinha uma música do YouTube e vocês dois dormiam no chão. - sorrio. Ele olha em direção a sala. - Obrigado. - pisco vezes seguidas e papai volta a me encarar, seus olhos marejam. - Obrigado por salvar aquele garotinho. Ele sofreu demais já e merece ser feliz. - olho para a sala e observo Tony dormir, ele parece realmente despreocupado assim, volto a olhar para papai.

- Eu amo ele pai. - digo e meu pai sorri.

- Eu sei querida... Nunca foi um segredo. - ele olho para algum lugar e seus pensamentos parecem vagar. - Em algum momento das nossas vidas, aprendemos que sofrer nos desgasta tanto que desaprendemos a ser felizes. Nos contentamos com migalhas de alegria. - ele olha para o lanche em seu prato. - Até que alguém nos tire dessa condição de mendigos da alegria... - ele suspira. -... Alguns jamais sabem o que é ser feliz, sabe o porquê? - ele me olha com pesar. - Por que nunca paramos de buscar a ilusão de que, ser feliz, é sorrir o tempo todo, quando na verdade, ser feliz, é estar realizado com tudo o que conquistou... Estar em paz... - ele olha para o Tony e sorri. - Como ele está agora.

Meu coração se aperta. Acho que sei o que ele quer dizer, então, porque eu não estou feliz? Por que estou com medo? Por que estou apreensiva e vendo tudo desabar, ainda! Por que não alcancei essa realização?! Do que estou com medo? Me levanto da mesa e sigo para as escadas, subo e entro no meu quarto.

Me abaixo contra a porta, assim que está fechada, e choro de forma dolorosa.

Qual o problema comigo?

Me levanto e caminho para o banheiro, me livro da roupa e entro debaixo do chuveiro tentando lavar toda a raiva repentina, angústia e medo crescente. Asco de mim! Medo dos outros! Pena daqueles estão comigo! Tudo... Tento lavar tudo e não consigo, porque me sinto presa nessa pele horrível que apenas machucou e quebrou tudo ao redor!

Me sento no chão do banheiro e deixo a água correr enquanto as lágrimas descem misturadas a água quente e reconfortante.

"Faz parar..."

" Alguém precisa fazer a dor parar!"

" Não quero mais sofrer!"

" Não quero mais machucar ninguém!"

" Faz parar!"

" Faz parar!"

E assim... As horas vão passando e a água indo embora, mas a minha condição de medo, angústia e raiva permanecem.

E é assim que eu e outros devem se sentir quando sentem mãos atadas e nada que a gente faca é o suficiente para corresponder as expectativas do mundo, até porque somos apenas seres humanos normais e errados tentando acertar e parar de fazer as coisas erradas e tentando não machucar e tentando agradar e mostrar que somos importantes também ...

O conto do Lobo MauOnde histórias criam vida. Descubra agora