Capítulo 34: Jogo das Runas

12 3 0
                                    

Deko acendeu a fornalha, não tardando à avivar as brasas enquanto Mori separava as ferramentas e os materiais que iriam utilizar. Ambas estavam empolgadas, ansiosas com o que viria a seguir. Mal dormiram após retornarem da caçada ao Boitatá e até mesmo Ricardo Altoforno pareceu surpreso ao ver aquelas duas de volta tão cedo em sua oficina.

–Vejo que voltaram inteiras. –Disse, cruzando os braços fortes como troncos. –Andem, o que estão esperando? Ao trabalho!

Ricardo Altoforno podia ser várias coisas, mas não era um homem desonesto. Enquanto as garotas estavam fora, caçando, ele tratou de negociar outros metais mágicos para a mistura, entre eles a Prata Asteca, uma liga usada pelos antigos magos Mesoamericanos na confecção de peças encantadas, e Ferro Meteórico, uma mistura de níquel e ferro utilizada por várias culturas ao redor do mundo antes da Idade do Ferro, mas em especial pelos egípcios, que foram um dos que aprenderam a trabalhar o metal de forma à torná-lo próprio para seus rituais pós-morte.

Ele as deixou sozinhas, dizendo que tinha um assunto para tratar em outro Distrito, e assim elas tinham a oficina toda à disposição.

Mori não perdeu tempo. Enquanto a forja aquecia, triturou as escamas do Boitatá com um almofariz de pedra, separou a mistura junto dos dentes do monstro e colocou para derreter junto dos demais metais. Enquanto o calor fazia seu trabalho, e Deko mantinha o fogo o mais quente que conseguia, teve uma ideia para utilizar o que restou da criatura em sua bolsa.

–Me empreste o seu machado. –Pediu para a irmã, que de tão ansiosa que estava acabou levando a arma consigo sem perceber. –Vou tentar uma coisa.

O machado em si era uma peça dupla: o cabo feito de madeira reforçada e a cabeça de metal pintada de vermelho, com uma ponta afiada na parte de trás. Mori separou as duas, preparou um molde de argila com a cabeça e depois a derreteu junto de mais alguns ossos e dentes de Boitatá. O resultado foi um Aço de Osso como nenhum outro, de aspecto brilhante e azulado como as chamas da Serpente de Fogo. O metal derretido foi colocado no molde e modelado com o martelo para que voltasse à forma da cabeça de machado.

Enquanto esperava a peça esfriar, viu que o fogo da forja aos poucos tornara-se azul pela magia do Boitatá e dos demais metais místicos. Retirou a mistura da forja e a direcionou para a bigorna, onde começaria o trabalho de dar forma e extrair o potencial daquele material. Dessa vez era tudo ou nada. Não havia espaço para falhas.

Mori não sentia as conexões do metal com a Yggdrasill, o que já era esperado, mas podia entender o metal através de seus sentimentos. Ele respondia com a fúria da Cobra de Fogo: quente, tempestuosa e incontrolável como uma força da natureza. Bem lá no fundo, Mori foi capaz de encontrar a essência da água que aquele ser carregava, e foi aí que começou a trabalhar.

Moldou, martelou, voltou a aquecer e a modelar. Suas mãos e braços já se moviam sozinhos, seus olhos compenetrados em cada detalhe. Apenas o metal importava naquele momento.

O resultado se mostrou após várias horas de trabalho árduo. Um par de luvas prateadas, aparentando serem feitas de couro de cobra, conectados à uma estrutura fina de metal no qual se ligava um fio fino e maleável como uma corda de seda. Só então Mori soube que tinha atingido o objetivo final de toda aquela empreitada.

–Conseguimos. –Disse, quase em transe, andando para trás enquanto encarava o par de luvas criado. –Nós realmente... conseguimos...

Mori sentiu a visão escurecer, ficando tonta durante alguns segundos.

–Ei, ei, ei, calma. –Deko amparou a irmã nos braços, o rosto escuro e sujo de fuligem. –Conseguimos, Mori.

Mori se levantou, ainda um pouco tonta, talvez de calor ou pelo cansaço extremo. Sentia-se realizada pelo que conseguiram fazer.

A Última CriaOnde histórias criam vida. Descubra agora