Capítulo 44: Proposta Inesperada

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–O que foi que eu fiz? –Perguntou a si mesma, as mãos apoiadas na cabeça. –O que me tornei, Sandra?

Ayla tentava esfriar a cabeça sentada num dos bancos do jardim do hospital. Uma neve fina caía, quase uma chuva meiga, e seria lindo de ver caso a situação toda não fosse toda horrível. Ayla devia estar se sentindo realizada, satisfeita, até feliz por saber que Violeta estava viva, porém tudo o que conseguia sentir era dor de estômago. Sentia que podia desabar a qualquer momento.

Levantou o rosto um pouco, vendo famílias com suas crianças agasalhadas, médicos e enfermeiros com seus pacientes, até alguns casais jovens dividindo guarda-chuvas coloridos. O mundo mudou, e as pessoas nem sabiam disso. Eram apenas mortais. O mundo dos deuses não lhes dizia respeito.

–Era isso o que queria, mãe? –Perguntou, olhando para o céu cinza acima de sua cabeça. –Um sinal de que estou no caminho certo seria ótimo, pra variar. Você e o pai planejaram tudo isso por uma razão. Então, me mostrem se é isso mesmo o que devo fazer.

Não houve sinal. A neve continuou caindo, as nuvens se movendo com o vento da estação. As pessoas continuavam passando e sumindo. A vida continuava.

–Valeu pelo apoio, viu?

Então, uma sombra escura passou pelo canto de sua visão. Um Pastor-Alemão de pelagem preta e cinza, olhos como os do céu que emoldurava aquele dia e porte maior do que o de um cão comum. Ele farejou o banco de pedra em que Ayla estava sentada, olhando para ela. Sentou-se a um assento de distância, inclinando a cabeça.

–Oi, rapaz. –Ayla sorriu, fazendo sinal para que ele se aproximasse. –Qual o seu nome? Está perdido?

O cachorro não tinha coleira ou indicação de que tivesse um dono. Seu pelo estava meio desgrenhado, apesar de parecer limpo, e ele não aparentava passar fome como um cão de rua. Talvez pudesse sentir a Besta que vivia dentro dela, e ficasse intrigado com aquilo. Aprendera na escola que os cães vieram dos lobos, algo que as Irmãs provavelmente diriam que era parte das mentiras do Diabo, mas ela não se importava. Não era uma ideia tão louca. Ao menos, não mais do que ela mesma ser metade lobo.

–Queria poder ajudar, amigo. Queria mesmo. –Disse, rindo de si mesma. –Mal posso me ajudar. E olha que tem muita gente tentando me colocar nos eixos, pra variar. –Pensou no quanto sempre dependera dos outros para não fazer besteira. Sandra e as freiras do Convento, as professoras e inspetores da escola, e agora Marlon e todos os outros que a ajudavam a entender sua natureza divina. –Eles vão ficar uma fera quando souberem que estraguei a missão. Quero nem imaginar a bronca.

O Pastor-Alemão soltou um ganido estranho. Ayla o olhou, ao passo que ele a olhou de volta. Ficaram um tempo assim, até que o cachorro começou a rir, evoluindo para uma gargalhada nada natural.

–Desculpe, não consegui segurar. –Ele falou, o que fez Ayla ficar de pé num salto.

–Quem é você? –Ayla entrou em posição de defesa, pronta para invocar seu escudo se fosse necessário. –Responda!

Ele controlou a risada, balançando a cabeça numa negativa.

–Perdão, não fomos devidamente apresentados. –Falou, as costas arqueando. –Quem sabe esta forma não lhe agrade mais...

O Pastor-Alemão começou a se transformar, os pelos se retraindo e dissolvendo no ar como um manto de sombras, assumindo a forma de uma mulher alta de cabelos compridos e escuros, olhos grandes acolhedores e sardas decorando o nariz fino. Ayla arregalou os olhos, sentindo a força deixar suas pernas. Não conseguia acreditar nos próprios olhos.

–Sandra...? –Balbuciou. Ela podia estar sem a batina, mas o rosto era sem dúvidas o dela. –Mas, eu... eu não... você não...?

A freira estava com uma aparência mais mórbida do que se lembrava. Sua pele parecia a de um doente, os olhos não tinham aquele brilho vivo e materno. Um manto de sombras caía sobre seu corpo magro, a fazendo parecer mais com uma bruxa do que com a figura de autoridade que Ayla conhecia e amava.

A Última CriaOnde histórias criam vida. Descubra agora