Capítulo 5: O Demônio de Fogo

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O gigante deu um passo além, deixando a cobertura das árvores e queimando a grama logo abaixo. Ayla e Violeta estavam em estado de choque. Fugir parecia-lhes uma ideia distante, impossível no momento.

–Mim ser Bruc, filho de Broc! –Disse o monstro, batendo com orgulho contra o peito inchado. Apontou na direção de Ayla. –Mim vai levar tu pro mestre. Ele quer tu viva. Mas não disse pra Bruc levar menina de rodas viva.

Quando chegou perto o suficiente para o calor começar a incomodar, Ayla sentiu voltar o controle das pernas. Não saberia dizer a razão, mas avançou contra o monstro assim que o ouviu falar em machucar Violeta. Aquilo acendeu algo dentro dela, algo que queimava tanto quanto as chamas que aquela coisa expelia, e fez sua boca salivar e os olhos arderem.

–Ayla, não! –Gritou Irmã Sandra na tentativa de impedir o avanço da menina.

Ayla escutou, mas já era tarde. O gigante apenas riu, agarrando-a com uma das mãos e a levando até perto de seu rosto feio e deformado. Seu bafo era de peixe e carne podre queimada e era quase tão insuportável quanto o calor que sua pele emitia. Ele inspirou profundamente o ar, sentindo o cheiro da menina, voltando a cintilar os olhos e sorrir para ela.

–Tu tem cheiro de lobo mesmo! –Parecia uma criança que acabara de fazer uma descoberta. –O mestre vai ficar feliz com Bruc. Bruc vai ganhar recompensa boa por tu.

–Me solta! Demônio! Feioso! –Gritava Ayla na vã tentativa de se libertar do poderoso aperto daquele ser monstruoso que, para ela, era saído diretamente dos portões do inferno, um enviado do diabo para buscá-la em pessoa. Conseguiu ainda cuspir em seu olho, o fazendo grunhir de raiva.

–Tu não fica quieta, menina-lobo? –Perguntou Bruc, esfregando o olho atingido com a mão livre. Foi então que voltou suas atenções para a menina de rodas e a mulher que havia chegado. –Espera Bruc terminar o lanche dele, menina-lobo. Bruc tem fome e precisa força pra levar tu pro mestre.

Bruc a arremessou para trás, fazendo-a quicar contra o chão de terra. Ayla sentiu o fôlego lhe escapar durante alguns segundos, mas logo recuperou os sentidos. Ouviu Violeta gritar e sabia que a Irmã Sandra a estava tentando proteger.

–Não vou deixar que pegue essas meninas, ser infernal! –Gritou ao gigante, erguendo uma velha Bíblia contra ele. –Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Omnipotente descansará! Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei! –As chamas de Bruc pareceram fraquejar frente as palavras de fé da Irmã, que prosseguia recitando de cabeça o Salmo da Proteção. –Porque ele te livrará do laço do passarinheiro, e da peste perniciosa! Ele te cobrirá com as suas penas, e debaixo das suas asas te confiarás; a sua verdade será o teu escudo e broquel!

Bruc levou as mãos à cabeça, sacudindo-a e afastando-se da freira lentamente. Algo naquela mulher era diferente e isso era capaz de afetá-lo.

–Não, não! Calada, mulher!

Vendo que aquilo funcionava contra o demônio, Sandra continuou, ainda mais confiante.

–Não terás medo do terror de noite nem da seta que voa de dia!

–Calada!

–Nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio-dia!

–Chega!

–Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas tu não...!

Súbito, Bruc explodiu em chamas, urrando como um vulcão em erupção, girando o braço contra a freira e a jogando de encontro a uma árvore com toda a força. Ayla viu a Irmã colidir com o tronco, produzindo um baque oco e molhado, e então cair inerte sobre o chão.

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