Ayla passou todo o restante da viagem trancada em sua cabine na parte inferior do navio. Não sentia mais vontade de chorar, ou mesmo de reclamar de seus problemas. Não sentia mais vontade de fazer qualquer coisa.
Como podia ter sido tão idiota? Óbvio que Marlon não a estava ajudando de graça. Ela era apenas um objeto. Uma ferramenta para que ele pudesse se vingar.
O problema não era ele ter mentido. Ayla teria entendido. Perder alguém que ama, ainda mais nas mãos de uma pessoa por quem se tem admiração e respeito e que representa uma instituição centenária, é uma experiência que ela não desejava para ninguém. O que não podia tolerar era o fato dele ter escondido a verdade, a ter arrastado de lá pra cá e isso ter causado a morte de Violeta. Isso era imperdoável.
Violeta. O que a amiga faria nessa situação?
Ouviu baterem na porta.
–Ayla? –Chamou Noor do outro lado. –Marlon pediu para avisar que estamos chegando. Você... vai subir?
Ayla não respondeu.
–Sei que está chateada. Droga, sei melhor do que ninguém o que você está sentindo. Não morro de paixões por aquele corvo idiota, mas pode pelo menos falar comigo?
–Não posso ajudar vocês. –Respondeu, voltando a enfiar a cara entre as almofadas do sofá. –Posso muito bem esperar no navio.
–Escuta, Marlon disse que tem um plano para tentarmos encontrar o Herdeiro de Odin. Pediu que eu desse uma rota para São Paulo, apesar de que eu tenha um pé atrás com cidades como aquela. Enfim, vamos sim precisar de você. Sem uma Cria de Fenrir nada disso tem sentido.
–Então é só o que eu sou? Esse é meu único valor?
–Não foi o que quis dizer...
–Sou uma Cria de Fenrir. Não posso mudar isso, infelizmente. Mas tudo o que eu queria era ter uma vida, poder conhecer coisas novas, viajar e... não sei. Viver. Era o que eu queria. E agora tudo parece distante.
Noor escorregou pela porta, sentando no chão do outro lado.
–Entendo como se sente. Lembra de quando dividimos algumas memórias?
–Nem me lembre. Foi estranho.
–Muita coisa mudou quando descobri que era uma Gigante de Fogo. De repente eu tinha uma novo povo, novas origens, novas crenças. Tinha responsabilidades. Fazer parte do corpo da Igreja não foi uma escolha, foi uma questão de sobrevivência. Ou eu provava o meu valor, ou seria descartada.
Ayla sabia o quanto aquilo era horrível. Embora não estivesse vivenciando as memórias de Noor, todo o peso delas era passado através do laço de sangue.
–Ser Herdeira de Ratatoskr foi um golpe de sorte. Não seria mais do que uma Robe Vermelho se não fosse por isso. –Suspirou, batendo a cabeça de leve na porta. –Marlon tem razão. Sou um trunfo pra Igreja de Surt. Nada mais do que um receptáculo. E quer saber? Estou bem com isso.
–Como consegue? Como não sente raiva deles por usarem você dessa maneira?
–Quem disse que não sinto raiva? Tenho raiva, e muita. Apenas mantenho esses sentimentos direcionados para aquilo que me convém, foco em meus objetivos e em como posso melhorar minha situação.
–Não é uma atitude egoísta?
–E daí?
–Como não se preocupar pessoas ao seu redor?
–Se não cuidar de si mesma, Cria de Fenrir, ninguém irá cuidar. Posso garantir isso. –Respondeu a Gigante. –Além disso, quem você está ajudando trancada aí? Ninguém. Está apenas sentindo pena de si mesma, querendo que eu diga que está certa. Pois, olha que surpresa, eu não vou.
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A Última Cria
FantasiAyla é uma noviça que pouco viu além dos muros do Convento de Santa Alice. Apesar de gostar da ideia de tornar-se freira, a garota anseia por desbravar o mundo e conhecer seus mistérios. Ela só não imaginava que esses mistérios viriam atrás dela, at...