17 Verdades e sopas

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Ross

Coloquei a água fervendo nos copos enquanto ele me observava atentamente, sabia que ele queria algo me levando até em casa e sendo tão "cuidadoso" é claro que eu estava agradecida por ele me proteger e me salvar daquela água congelante, mas a conversa seria franca, ou seria a última, de verdade.

Selei o copo apoiando um garfo sobre a tampa e empurrei para ele sobre o balcão. Fiz o mesmo com o meu e o encarei.

— Vai me explicar o que foi que eu vi? Ou vou ter que formar minhas teorias e arrancar de você? — falei tranquilamente.

Ele engoliu em seco como se estivesse encurralado entre um cão e uma parede. — Eu... Não era para ter visto isso.

— É, mas eu vi, agora faça o favor de me contar. Théo... O seu joelho... O que foi que você fez?

Dando de ombros ele desviou seu olhar. — Uma cirurgia... — suspirou irritado — Na verdade, mais uma... Eu já não aguentava mais ser remendado para jogar mais uma temporada, mais outra e depois mais uma...

— Eu não entendo. — falei baixo — Você...

— Ross... — seus olhos se encheram de lágrimas — desde que fui vendido para a Itália, eu... Estou sendo remendado, essa cirurgia foi uma tentativa de corrigir o que as inúmeras lesões provocaram, eu vou tomar no cu, mas eu já não aguentava mais, tinha jogos que eu saía carregado sem conseguir andar... E tudo o que eles faziam por mim era me remendar para mais dois ou três jogos... E eu faço a diferença no time... Eu lido melhor do que deveria com a dor.

Fechei os olhos sem conseguir pensar direito. — Então, você fez uma cirurgia não autorizada? — ele piscou, e sabia que procurava uma forma de então falar sobre aquilo, mas continuei. — E veio para o Brasil para se recuperar e não descobrirem?

Assentiu. — Fiz um tratamento lá, eles me afastaram por três meses e meio. Então decidi usar esse tempo para fazer a cirurgia que podia resolver minhas dores de vez.

— Por isso está mancando... — falei quase para mim mesma. 

— Eu nem deveria estar andando, mas para manter as aparencias, eu tento ignorar a dor. Se meus pais souberem o que eu fiz...

Meu Deus, aquilo era bem pior do que eu havia imaginado. O joelho dele tinha cicatrizes horríveis. Parecia mais a perna do Frankstein. As cicatrizes eram em várias direções e aquelas de furos para os pinos. Me admirava que depois de tudo aquilo, ele ainda pudesse jogar.

— Se não, né, Théo? Eles vão saber, cedo ou tarde eles vão descobrir. — dei a volta na bancada e me sentei ao lado dele.
— Posso ver?

Ele ficou visivelmente desconfortável, mas se virou no banco erguendo a calça já curta até a metade da coxa.
A cicatriz mais recente passava por toda a lateral de sua perna, um palmo abaixo e um acima do joelho. Estava feio, visivelmente mal curado, tinha até mesmo uma parte que parecia infeccionada.

— Quem mais sabe? — perguntei desviando o olhar de sua perna para seu rosto.

— Lis, meu fisioterapeuta e agora você. — disse cabisbaixo. — Lis contou para ele depois que tive um acidente.

— Um acidente? — falei confusa.

— É... Torci o joelho... É... Na cozinha.

Cerrei os olhos para ele duvidando da meia verdade.

Me ajeitei melhor no banco, pegando meu copo de sopa e destampando-o para começar a comer. Só Deus sabe o esforço que eu estava fazendo para tentar parecer indiferente com aquilo. Ele me imitou pegando seu copo também, depois de descer a calça escondendo seu "segredo". Desconfiava que aquele emaranhado de cicatrizes não fosse agradável para ele também.

90 Dias para "Não" Casar Onde histórias criam vida. Descubra agora