23 Música, lembranças e amendoins

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Théo

Fui um escroto? Fui! Fui um filho de uma puta em ir até a mesa dela? É claro que sim.

Mas o macarrão estava descendo atravessado na minha goela vendo os risos dos dois, e a forma como ele tocava os dedos dela por sobre a mesa, sem falar no tipo. Era um tiozão. Tá, do tipo coroa fodão, mas ainda assim... Nada a ver com a Ross. Além do mais, não podia permitir que ela me descartasse daquele jeito, eu ainda estava na briga, e teria uma se precisasse. Estar no Brasil naquele último mês e ter que ficar longe dela foi torturante. Lis foi quem pagou o pato, me aguentar de bom humor, já não era tarefa fácil, mas me aguentar irritado... Ah isso era tarefa para gente grande.

Mas Lis dava conta do recado, me conhecia muito bem, e também tinha interesse na história. Ela tentava, em cada reunião ou telefonema discretamente amansar Ross. Outra tarefa quase impossível.

Mas agora, sabendo que ela estaria indo para casa sozinha eu estava mais tranquilo, não estava feliz obviamente, vê-la triste era horrível, e por minha causa, era muito pior. Mas sabia que o tal Demétrio era uma tapa buraco, um quebra galho... Mesmo assim não podia arriscar.

Voltei para o meu hotel, e assim que entrei, ouvi os recados deixados no meu celular esquecido sobre a cama. Minha mãe havia descoberto sobre os exames, e estava aflita. Para eles, eu já estava pronto para voltar aos treinamentos pesados, e sim, se fosse mais um remendo, provavelmente eu jogaria nas próximas semanas, mas como não era, eu mal estava na fase de andar sem muletas. A dor era irritantemente pulsante e a cada passo, era como esmagar um pacote de batatas Ruffles, pelo menos a sensação era essa, de tudo se partindo dentro das articulações.

Me joguei na cama e coloquei em prática meu primeiro passo. Peguei um vídeo no YouTube, salvei o link e mandei para ela como mensagem.

"Nos jogos de motos do shopping, eu descobri que queria trilhar qualquer caminho com você"

A música era Harley Davidson do AC/DC e ela ainda era uma das que me faziam viajar ao me lembrar dela, toda de preto, com a camisa da escola pendurada na calça como Axl usava suas bandanas. Ross era o ícone da rebeldia na escola e eu sempre adorei isso. Porque só eu a conhecia de verdade, e sabia que aquela casca era sua defesa, mas que por dentro ela era frágil e doce. Tá... Agridoce.

****

Ross

Dormi com os fones de ouvidos depois de deixar o vídeo se repetindo infinitamente no celular. Acho que tínhamos doze anos quando saímos da escola e pegamos um ônibus para ir escondido jogar nos fliperamas do shopping. A primeira vez que peguei ônibus sem um adulto por perto, a adrenalina quase me fez vomitar, mas Théo segurou minha mão e depois de gastarmos o equivalente a 70 reais em fichas de jogos, compramos um cachorro quente e fomos dividir sentados no meio da passarela sobre a rodovia, onde cada caminhão que passava por baixo parecia que ia me acertar.

Eu queria quela sensação outra vez. Aquilo me fez ficar pior, Théo tinha razão, tínhamos história. Mas... Isso ainda não se comparava a 60 milhões de euros. Que eram bem mais que 60 milhões de dólares e infinitamente mais que 60 milhões de reais.

***

Acordei na manhã seguinte com a cara inchada e o celular desligado, sem bateria. Uma merda, para quem pretendia estar até dolorida de tanto trepar, terminar a noite chorando e ouvindo uma música que me fazia lembrar o quanto eu amava aquele cachorro, era o meu fundo do poço.

Rolei na cama para me levantar, e me arrastei até a cozinha. Preparei um leite gelado enquanto Mel me olhava de canto de olho.

— Vai! Pergunta logo, essa sua cara tá me matando. — resmunguei.

— Nada? — lamentou ela.

— Théo apareceu no restaurante, ficou errando o nome dele de propósito, eu travei, ele perdeu a paciência e terminou com "foi um prazer te conhecer" então, já era... Nunca mais vou ver de novo.

— Tá bom, mas o que o Théo queria?

Dei de ombros tomando o leite, sentindo o gelado correr por meu peito até a o estômago.

— O que você acha? O que demônios fazem? Tentam as pessoas de carne fraca.

Ela tentou, mas não consegui não rir. E antes que ela pudesse retrucar, ouvimos a campainha. O que era estranho, não era comum recebermos nada nem ninguém tão cedo.

Mel foi até a porta e voltou trazendo uma caixinha de papelão, era pequena, e tinha um cartão.

Ela me empurrou a caixa pela bancada. Peguei o cartão e estava escrito em azul com a letra feia dele: "Para Rosalinda"

Abri o envelope e o cartão dizia:

"Durante toda a terceira série, dividimos o mesmo lanche, será que ainda tem o mesmo gosto? Feche os olhos quando estiver comendo, você sempre fazia isso, e eu sempre adorei ver."

Ps: Bom dia, do seu Théo.

Abri a caixa e não consegui não sorrir. Dentro havia meio pacote de bolacha passatempo, meio pacotinho de amendoim daquele douradinho e um suco de laranja Tampico.

Era exatamente nosso lanche, com o pacote de bolacha dividido meio a meio com régua, amendoins contados e divididos por dois, e do suco, ele bebia apenas o primeiro gole depois de abrir a tampa que eu nunca conseguia e deixava o resto para mim.

— Te mandaram uma caixa de coisas abertas? — Mel disse confusa me encarando.

Ela havia entrado na nossa escola na quinta séries, deslocada e tímida, ela só conseguiu fazer amizade comigo, outra deslocada e pode trocar a timidez pela avidez pelos estudos. 

— Era nosso lanche na terceira série. Théo deve estar comendo a parte dele... Ele está mesmo empenhado em me fazer lembrar... — falo, quase para mim mesma.

— Isso é tão fofo... É bem a cara dele fazer algo assim. — Mel também estava derretida. — Só de ele se lembrar disso tudo... Isso quer dizer alguma coisa, não é, Ross?

— É... — concordei soltando o ar. — Mas ele ainda vai se casar.

— Na boa, amiga, acho que você tem que ver a situação com outros olhos... Ele está se esforçando, e você ao contrário, parece que está cada vez mais infeliz com essas imposições. Você está perdendo tempo, enquanto deveria estar aproveitando o amor de vocês.

— É fácil falar... Ele já me deixou uma vez, e eu não quero passar por aquilo de novo, tenta me entender, Mel. Eu quero as coisas feitas da forma certa. Acha que eu quero ser uma Domitila de Castro? A amada, mas a outra? A vagabunda que rouba o príncipe casado da princesa?

— O casamento é de mentira, criatura! Para de ser louca!

Cocei a testa me levantando. — Preciso trabalhar. — declarei, puxei a caixa e saí da cozinha.

Não podia negar, estava completamente derretida com aquelas coisas... O que eu iria fazer? Ele estava jogando sujo me fazendo reviver nossos momentos.

Me sentei na cama, e virei o pacotinho de amendoim na palma da mão. Contei cada um deles e sorri, vinte e três.

Digitei uma mensagem para ele.

"Obrigada pelo lanche, mas como vou saber que você não roubou na contagem dos amendoins?"

Comecei a comer e esperei a resposta. Veio com uma foto dos amendoins na mão dele. "O número foi ímpar, fiquei só com vinte e dois".

Sorri feito uma idiota, com o coração disparado. Meu Deus, Théo... O que você faz comigo?

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Inaugurada a fase mega fofa do Théo ❤️

E esse capítulo é um presentinho de aniversário para a geansgomes parabéns sua linda😘

90 Dias para "Não" Casar Onde histórias criam vida. Descubra agora